Pressionado pelas ruas, Planalto
tenta sair da defensiva com o “Future-se”. Sentido é claro: vasta privatização.
Mas objetivo principal pode ser criar cortina de fumaça para confundir
resistência e manter desmonte do ensino público
Maria Caramez Carlotto | Outras
Palavras
Antes de entrar na análise do
conteúdo do Future-se, é fundamental considerar o contexto em que esse
projeto surge.
A educação era uma das áreas mais
mal avaliadas do governo. No centro das críticas, estavam o caráter
excessivamente ideológico da cúpula do MEC e a completa ausência de projeto por
parte dela. Somou-se a isso que o corte de verbas foi profundamente mal
recebido pela sociedade e uniu e mobilizou o setor de educação contra a atuação
do MEC. As maiores manifestações populares contra o governo aconteceram nessa
área e a educação transformou-se, não por acaso, em catalisadora e vanguarda
política da oposição ao governo.
O Future-se tem o
potencial de mudar drasticamente esse quadro ao contornar essas três críticas
principais. Se der certo, devolve a iniciativa ao governo e coloca o movimento
da educação na defensiva. Como?
1˚) Ele apresenta-se como um
programa de modernização da gestão universitária e nada parece mais técnico e,
portanto, menos ideológico, do que “a gestão”. Ao adotar a linguagem e a
estética da gestão, o MEC dialoga com uma parcela maior da sociedade e, com
isso, vai tentar transformar em “ideológicos” os críticos à ideia de
modernização gerencial (segundo eles, uma mera técnica sem qualquer conteúdo
político).
2˚) O Future-se apresenta-se,
ainda, como um projeto amplo e complexo, com a pretensão de revolucionar o
funcionamento das universidades esvaziando, com isso, a crítica de que o
governo não tem propostas na área. Queriam projeto? Agora têm à disposição um projeto
imenso e aparentemente radical para decifrar, discutir e criticar ou defender.
3˚) Por fim, ao colocar um
projeto dessa magnitude e radicalidade em consulta pública por apenas quinze
dias, o governo obriga toda a comunidade acadêmica a parar para entender e
debater as propostas feitas ali. Não por acaso, nenhuma delas é muito clara e
sobram dúvidas e ambiguidades (voltarei a isso em outra nota). Quanto mais
tempo e energia perdermos em torno desse projeto, melhor para o governo porque
isso, além de gerar divisões em um movimento antes unido, muda o foco do debate
político. Antes, todo mundo criticava os cortes na educação, agora, todo mundo
passa a debater um projeto grande, complexo e confuso, que pretende resolver o
problema do financiamento das universidades. Vamos começar a nos digladiar
internamente, enquanto as universidades seguem sem dinheiro para pagar as
contas básicas.
É fundamental ter isso em mente
para saber como debater esse projeto e, mais do que isso, como fazer
isso sem esquecer que as universidades precisam, ainda, de milhões de reais até
o final do ano para seguir funcionando.
Por fim, duas últimas notas
fundamentais de contexto:
Na audiência pública sobre os
cortes da educação superior que ocorreu na Comissão de Educação da Câmara dos
Deputados no começo de julho, já ficou claro que a cúpula política do MEC
recorreu a funcionários de carreira, dispostos à colaborar com o projeto do
atual governo, para assumir a dianteira das propostas e conversas sobre
educação. É cada vez mais com esses “técnicos” que vamos dialogar. Não por
acaso, o ministro ficou menos de meia hora na reunião de apresentação do
Future-se para os reitores ontem. As outras duas horas e meia ficaram a cargo
de “técnicos”. O tom da conversa será totalmente outro, porque ninguém ali nega
a razão e a ciência, ao contrário, fazem tudo em nome dela, cegamente.
Quando o Congresso voltar do
recesso, vai começar para valer o debate sobre o orçamento de 2020. Aí é que o
estrangulamento do financiamento às universidades pode vir com força. Com o
argumento de que não tem dinheiro, com toas as áreas se batendo por recursos
escassos e com um projeto engatilhado de diversificação do financiamento – no
qual o sistema privado de ensino superior (que no Brasil concentra os maiores
grupos empresariais do mundo) tem todo o interesse, vai ficar complexo defender
(mais) verbas para o ensino superior público.
Em suma: a conjuntura se
complexificou muito e, mais do que nunca, é preciso inteligência política.
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