Ricardo Paes Mamede | Diário de
Notícias | opinião
Abriu a corrida à descida dos
impostos. Primeiro o PSD depois o CDS vieram propor que o Estado português
abdique de receitas superiores a três mil milhões de euros. Não é
surpreendente: a redução da "carga fiscal" tem sido uma bandeira
distintiva das direitas. Mas há três problemas. Primeiro, PSD e CDS foram
responsáveis há apenas seis anos pelo maior aumento de impostos de que há
registo - e não foi por acaso. Segundo, a diminuição das receitas fiscais que
propõem tornaria mais difícil resolver os problemas que PSD e CDS acusam o
governo de ter descurado. Terceiro, quando se defende uma medida política
convém justificá-la - e a justificação que apresentam é menos válida do que
pode parecer.
Foi no final de 2012 que o
governo PSD-CDS anunciou, pela boca do então ministro das Finanças Vítor
Gaspar, um "enorme aumento de impostos". O número de escalões de IRS
foi reduzido de oito para cinco (aumentando assim a taxa efetiva do imposto) e
criou-se uma sobretaxa de quatro pontos percentuais. Como resultado, a receita
fiscal aumentou em 4,5 mil milhões de euros entre 2012 e 2013, o equivalente a
2,3% do PIB. Desde que há dados disponíveis nunca houve em Portugal um aumento
de impostos tão significativo.
Dir-se-á, com razão, que o enorme
aumento de impostos de Gaspar foi uma resposta excecional a uma situação de
urgência e que hoje a situação é distinta. A questão que se coloca é: e se
ocorresse uma nova crise internacional, o que faria um futuro governo do PSD e
do CDS? Voltaria a subir os impostos como fez em 2013? Se sim, esta
instabilidade fiscal não teria custos elevados na reputação do país junto de
investidores internacionais? Se não, como iria o governo compensar a perda de
receita fiscal (assumindo que não poria em causa o cumprimentos das regras
orçamentais da UE)? Por outras palavras, em que despesas públicas iria o
governo cortar? E por que não o fizeram em 2013? Haverá mais para cortar hoje
do que havia na altura?
Isto remete-nos para o segundo
problema das propostas do PSD e do CDS. Estes partidos têm acusado o atual
governo de maltratar os serviços públicos, de adiar o investimento e de não
reduzir a dívida do Estado ao ritmo desejável. Mas reforçar o investimento e os
serviços públicos implica aumentar a despesa. Da mesma forma, só é possível
diminuir a dívida pública a um ritmo mais acelerado se houver recursos para
isso. Recursos que o Estado obtém através da receita dos impostos. A tal
receita de que PSD e CDS dizem querer abdicar.
Na verdade, ambos os partidos
sabem bem o que está em causa. Não foi por amor à despesa pública que optaram
por aumentar impostos em vez de cortar ainda mais nos gastos. Depois da
proposta pífia de Paulo Portas para a "Reforma do Estado" em 2013,
são já poucos os que acreditam que é possível fazer mais e melhor com menos
dinheiro. É legítimo defender a redução da presença do Estado na educação, na
saúde, nos transportes, na proteção social, na habitação, etc., passando esses
custos a ser suportados pelas famílias. Mas é incoerente afirmar que é preciso
reforçar a intervenção do Estado naqueles domínios ao mesmo tempo que se abdica
dos recursos para o fazer.
A terceira dificuldade com as
propostas do PSD e do CDS para reduzir os impostos tem que ver com a ausência
de uma justificação clara para as medidas avançadas. Ambos os partidos afirmam
que em Portugal se pagam demasiados impostos e que a "carga fiscal"
tem vindo a aumentar. Este é o primeiro motivo pelo qual defendem a descida das
taxas de IRS e de IRC. Mas o argumento é fraco, por dois motivos. Por um lado,
o total da receita do Estado português em percentagem do PIB é já inferior à
média da UE (43,5 versus 45,0%) e a diferença ainda é maior quando
olhamos apenas para as receitas de impostos. Por outro lado, sendo um facto que
a "carga fiscal" aumentou desde 2015, esse aumento nada tem que ver
com os impostos que PSD e CDS se propõem reduzir.
Na verdade, entre 2015 e 2018 as
receitas de impostos sobre os rendimentos e a riqueza diminuíram em percentagem
do PIB (de 10,9% para 10,4%). O aumento que se verificou na "carga
fiscal" tem que ver fundamentalmente com o IVA e outros impostos sobre a
produção e as importações (que são responsáveis por um aumento das receitas
equivalente a 0,8 pontos percentuais do PIB).
Ou seja, os impostos que PSD e
CDS se propõem reduzir já geram receitas para o Estado português inferiores à
média europeia e o seu peso no PIB tem vindo a diminuir desde 2015.
Neste contexto, é difícil não
escapar à conclusão de que as propostas de redução de impostos dos partidos de
direita são pouco mais do que bandeiras eleitorais mal fundamentadas. É preciso
uma dose grande de incompetência ou desonestidade para acreditar que a redução
dos impostos poria Portugal a crescer ao ritmo da Irlanda - como sugeriu a
presidente do CDS. Seria preciso uma dose ainda maior para defender que uma
redução de impostos de tal ordem, no momento atual, não teria custos para o
país.
*Economista e professor do
ISCTE-IUL
Sem comentários:
Enviar um comentário