Michaek Hudson |
Michael Hudson -- entrevistado
por Bonnie Faulkner
O imperialismo está a obter algo
em troca de nada. É uma estratégia para conseguir excedente de outros
países sem desempenhar um papel produtivo e sim através da criação de um
sistema extractivo rentista. Uma potência imperialista obriga
outros países a pagarem tributo. Naturalmente, a América não diz
directamente aos outros países: "Você tem de nos pagar um
tributo", tal como os imperadores romanos diziam às províncias que
governavam. Os diplomatas dos EUA simplesmente insistem em que outros países
invistam seus influxos da balança de pagamentos e as poupanças dos seus bancos
centrais em US dólares, especialmente em títulos do US Treasury. Este
padrão de títulos do Tesouro transforma o sistema monetário e financeiro global
num sistema tributário. É isto o que paga os custos dos gastos militares
dos EUA, incluindo suas 800 bases militares espalhadas por todo o mundo.
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Sou Bonnie Faulkner. Hoje no
[programa] Guns and
Butter temos o Dr. Michael Hudson. Apresentamos hoje a Desdolarização
do império financeiro americano. O Dr. Hudson é economista e historiador.
É presidente do Institute for the Study of Long-Term Economic Trend, analista
financeiro da Wall Street e distinto professor investigador de teoria económica
na Universidade do Missouri, Kansas City. Entre os seus livros mais recentes
incluem-se ...And Forgive Them Their Debts: Lending, Foreclosure and
Redemption from Bronze Age Finance to the Jubilee Year ; Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Destroy the
Global Economy e J Is for Junk Economics: A Guide to Reality in an Age of
Deception . Retornamos hoje para uma discussão do livro seminal de
1972 do Dr. Hudson, Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire ,
uma crítica de como os Estados Unidos exploram economias estrangeiras através
do FMI e do Banco Mundial. Discutimos como os Estados Unidos têm dominado o
mundo economicamente tanto como o maior credor mundial como, posteriormente,
como o maior devedor mundial. Além disso daremos uma olhadela à morte anunciada
da dominação do dólar.
Bonnie Faulkner : Michael Hudson, bem-vindo de volta.
Michael Hudson : É bom estar de volta, Bonnie.
BF : Por que o presidente Trump insiste em que o Federal Reserve reduza suas taxas de juro? Creio que elas já estavam extremamente baixas. E se ficarem ainda mais baixas, que efeito teria isto?
MH : As taxas de juro estão historicamente baixas e elas têm sido mantidas baixas a fim de tentar proporcionar moeda barata para especuladores comprarem acções e títulos com o objectivo de fazerem ganhos de arbitragem. Os especuladores podem tomar emprestado a uma taxa de juro baixa para comprar uma acção que produz dividendos (e também fazer ganhos de capital) a uma taxa de retorno mais alta, ou comprando um título tal como títulos lixo corporativos que pagam taxas de juro mais altas e manter a diferença. Em suma, taxas de juro baixas são uma forma de engenharia financeira.
Trump quer que as taxas de juro sejam baixas a fim de inchar o mercado habitacional e o mercado de acções ainda mais, como se isto fosse um indicador da economia real, não apenas do sector financeiro, da economia da produção e do consumo. Para além desta preocupação interna, Trump imagina que se mantiver taxas de juro mais baixas do que aquelas na Europa a taxa de câmbio do dólar declinará. Ele pensa que isto tornará as exportações dos EUA mais competitivas em relação aos produtos estrangeiros.
Trump está a criticar o Federal Reserve por não manter taxas de juro ainda mais baixas do que as da Europa. Ele pensa que se as taxas de juro forem baixas haverá uma saída de capital deste país para comprar acções e títulos estrangeiros que pagam uma taxa de juro superior. Esta saída financeira reduzirá a taxa de câmbio do dólar. Ele acredita que isto aumentará a possibilidade de reconstruir a manufactura de exportações da América.
Este é o grande erro de cálculo neoliberal. É também a base para modelos do FMI.
Como taxas de juro baixas reduzem a taxa de câmbio do dólar, elevando preços de
importaçãoBonnie Faulkner : Michael Hudson, bem-vindo de volta.
Michael Hudson : É bom estar de volta, Bonnie.
BF : Por que o presidente Trump insiste em que o Federal Reserve reduza suas taxas de juro? Creio que elas já estavam extremamente baixas. E se ficarem ainda mais baixas, que efeito teria isto?
MH : As taxas de juro estão historicamente baixas e elas têm sido mantidas baixas a fim de tentar proporcionar moeda barata para especuladores comprarem acções e títulos com o objectivo de fazerem ganhos de arbitragem. Os especuladores podem tomar emprestado a uma taxa de juro baixa para comprar uma acção que produz dividendos (e também fazer ganhos de capital) a uma taxa de retorno mais alta, ou comprando um título tal como títulos lixo corporativos que pagam taxas de juro mais altas e manter a diferença. Em suma, taxas de juro baixas são uma forma de engenharia financeira.
Trump quer que as taxas de juro sejam baixas a fim de inchar o mercado habitacional e o mercado de acções ainda mais, como se isto fosse um indicador da economia real, não apenas do sector financeiro, da economia da produção e do consumo. Para além desta preocupação interna, Trump imagina que se mantiver taxas de juro mais baixas do que aquelas na Europa a taxa de câmbio do dólar declinará. Ele pensa que isto tornará as exportações dos EUA mais competitivas em relação aos produtos estrangeiros.
Trump está a criticar o Federal Reserve por não manter taxas de juro ainda mais baixas do que as da Europa. Ele pensa que se as taxas de juro forem baixas haverá uma saída de capital deste país para comprar acções e títulos estrangeiros que pagam uma taxa de juro superior. Esta saída financeira reduzirá a taxa de câmbio do dólar. Ele acredita que isto aumentará a possibilidade de reconstruir a manufactura de exportações da América.
Este é o grande erro de cálculo neoliberal. É também a base para modelos do FMI.
A ideia condutora de Trump é que reduzir o valor do dólar reduzirá o custo do
trabalho para o patronato. Isto é o que acontece quando uma divisa é
desvalorizada. A depreciação não reduz custos que tenham um preço comum à
escala mundial. Há um preço comum para o petróleo no mundo, um preço comum de
matérias-primas e um preço quase comum para capital e crédito. Assim, a
principal coisa que é desvalorizada quando se pressiona uma divisa para baixo é
o preço do trabalho e das condições de trabalho.
Os trabalhadores são esmagados quando cai uma taxa de câmbio da divisa, porque
eles têm de pagar mais pelos bens que importam. Se o dólar for para baixo
contra o yuan chinês ou a divisa europeia, importações chinesas vão custar mais
em dólares. Do mesmo modo as importações europeias. Isto é a lógica por trás de
desvalorizações tipo "arruíno meu vizinho".
Quanto mais custarão as importações do estrangeiro depende de quão longe for a
queda do dólar. Mas mesmo que ele mergulhe uns 50 por cento, mesmo que o dólar
se torne uma divisa lixo como a da Argentina ou de outros países
latino-americanos, isso não pode realmente aumentar as exportações
manufactureiras americanas porque já não há muito trabalho americano nas
fábricas. Operários conduzem táxis e trabalham na indústria de serviços ou para
companhias de seguros médicos. Mesmo que você dê aos trabalhadores americanos
em empresas manufactureiras todo o seu vestuário e alimento em troca de nada,
eles ainda assim não podem competir com países estrangeiros porque seus custos
de habitação, seus seguros médicos e seus impostos são tão altos que eles são
colocados fora dos mercados mundiais. Por isso, não ajudará muito se o dólar
cair 1%, 10% ou 20%. Se você não tem fábricas a funcionar e se não tem um sistema
de transporte, um abastecimento de energia, e se os nossos serviços públicos e
infra-estrutura estão a ser destruídos, não há nada que a manipulação da divisa
possa fazer para permitir que a América reconstrua rapidamente sua indústria de
exportação de manufacturas.
As companhias matrizes americanas já mudaram suas fábricas para o exterior.
Elas abandonaram a América. Na medida em que Trump ou seus sucessores se abstêm
de mudar este sistema – na medida em que ele dá vantagens fiscais a empresas
para que se mudem para fora – não há nada que se possa fazer que restaure a
indústria aqui. Mas ele está apanhado pela teoria económica lixo do Fundo
Monetário Internacional, a conversa de padrão neoliberal que é transmitida à
América Latina a qual pretende que se um país simplesmente reduzir mais sua
taxa de câmbio ele será capaz de reduzir seus salários e padrões de vida,
pagando menos ao trabalho em termos de moeda forte até um certo ponto, quando a
sua pobreza e austeridade ficarem suficientemente profundas, em que ele se
tornará mais competitivo.
Isto não funcionou durante cinquenta anos na América Latina. Isto tão pouco
funcionou para outros países e nunca funcionou nos Estados Unidos. No século
XIX a Escola Americana de Política Económica desenvolveu a doutrina da Economia
de Altos Salários (revi isto no meu livro America's Protectionist Takeoff: 1815-1914 ). Eles
reconheceram que se você pagar mais ao trabalho, isto é mais produtivo, pode
permitir uma melhor educação e funciona melhor. Eis porque trabalho de alto
salário pode vender a preço mais baixo que o trabalho "pauperizado"
de baixo salário. Trump está portanto um século atrás no tempo ao acolher a
ideia austeritária do FMI de que se pode simplesmente desvalorizar a divisa e
reduzir salários de trabalhadores e padrões de vida em termos internacionais
para tornar a economia mais lucrativa e de alguma forma "abrir o seu
caminho para a saída da dívida".
O que a depreciação da divisa faz quando o dólar é desvalorizado é capacitar
firmas da Wall Street a tomarem emprestado a 1% e comprarem divisas e títulos
europeus que rendem 3% ou 4% ou 5%, ou acções que rendem ainda mais. A ideia
condutora é fazer o que fez o Japão na década de 1990: ter taxas de juro muito
baixas para aumentar o chamado carry trade. O carry trade é
tomar emprestado a uma taxa de juro baixa e comprar títulos que rendem uma taxa
mais alta, fazendo um ganho de arbitragem sobre a taxa de juro diferencial.
Assim, Trump está a criar uma oportunidade de arbitragem para investidores da
Wall Street. Ele pretende que isto é favorável ao trabalho e que pode
reconstruir a manufactura. Mas isto só ajudará a esburacar a economia dos EUA,
enviando moeda para outros países a fim de construí- los ao invés de
investir em nós próprios. De modo que o efeito do que Trump está a fazer é o
oposto do que ele diz que está fazendo.
BF : Exactamente. Qual é o sentido de conduzir o investimento para países
estrangeiros, longe dos Estados Unidos?
MH : Se você for um investidor, você pode ganhar mais dinheiro com o
desmantelamento da economia dos EUA. Você pode tomar emprestado a 1% e comprar
um título ou uma acção que rende 3% ou 4%. Isso é a chamada arbitragem. É um
almoço financeiro gratuito. O efeito deste almoço gratuito, como você diz, é
erguer economias estrangeiras ou pelo menos seus mercados financeiros enquanto
enfraquece a sua própria. A finança é cosmopolita, não patriótica. Ela
realmente não se importa onde ganha dinheiro. A finança vai a qualquer lugar
onde a taxa de retorno seja mais elevada. Essa é a dinâmica que tem estado a
desindustrializar os Estados Unidos ao longo dos últimos quarenta anos.
BF : Pelo que está a dizer, parece que as políticas que Donald Trump estão
levando a fazer aos Estados Unidos o que o FMI e o Banco Mundial
tradicionalmente fizeram às economias estrangeiras.
MH : É o que acontece quando se desvaloriza. O sector financeiro verá que
as taxas de juro estão a baixar, de modo que a taxa de câmbio do dólar também
declinará. Os investidores mudarão sua moeda (ou tomarão emprestada) para
euros, ouro ou yen japonês ou franco suíço cujas taxas de câmbio se espera que ascendam.
Assim, está-se a oferecer uma arbitragem financeira e ganho de capital para
investidores que especulam em divisas estrangeiras. Também se estará a esvaziar
a economia aqui e a esmagar níveis de salário real e padrões de vida.
Porque a desvalorização não ajudará a re-industrializar a economia dos
EUA
BF : Pensa que Donald Trump entende o que está a fazer?
MH : Não creio que entenda. Penso que ele tem uma visão super-simplificada
de como funciona o mundo. Ele pensa que se desvalorizarmos o dólar podemos
vender a baixo preço à China e à Europa. Mas você só lhes pode vender a baixo
preço se tiver fábricas de automóveis disponíveis. Se não tiver uma fábrica,
não será capaz de vender a baixo preço a fabricantes estrangeiros não importa
quão baixo vá o dólar. E se já não tiver um conjunto de fábricas a
manufacturarem computadores e fornecedores locais nos Estados Unidos, não vai
ter capacidade de produção apta a vender a preço mais baixo à China. Acima de
tudo, é preciso infraestrutura pública e habitação, educação e cuidados de
saúde a preços acessíveis. Assim, a visão de Trump é uma fantasia. É como
dizer: "Se tivermos algum presunto, podíamos ter algum presunto e ovos, se
tivéssemos alguns ovos". Isto ignora as causas da desindustrialização da
América.
Se tivéssemos aqui fabricantes de carros, computadores e outras indústrias
manufactureiras desempregadas – fábricas que estavam ociosas numa economia que
fosse bastante competitiva – então a desvalorização poderia fazer algum
sentido. Mas os americanos simplesmente não são nem um pouco competitivos. Os
custos de habitação na América são altos, assim como os custos médicos e de
seguro de saúde, os impostos e salários retidos sobre o trabalho e os preços de
infraestruturas básicas que de modo algum podem competir com países
estrangeiros simplesmente pela manipulação da divisa.
Desde 1980 a
economia dos EUA foi tornada de muito alto custo. Mas também houve um enorme
esmagamento do trabalho, pela elevação dos preços que ele tem de pagar por
necessidades básicas. Mesmo se os salários se elevarem, as pessoas não podem
permitir-se viver tão bem como há trinta anos atrás. Uma reestruturação radical
é necessária a fim de restaurar uma economia industrial de pleno emprego. Você
precisa de desprivatizar, você tem de romper monopólios, você precisa da
espécie de economia e reforma económica que a América teve sob Franklin
Roosevelt na década de 1930. Não vejo isso a acontecer.
BF : Pensa que Donald Trump foi instalado como presidente para
superintender a bancarrota dos Estados Unidos e desmantelar o Império dos
EUA?
MH : Ninguém o instalou, ele instalou-se a si próprio. Não creio que a
maior parte das pessoas esperasse que vencesse. Se observar as probabilidades
que os corretores de apostas profissionais e os provedores de cotações davam
desde o instante em que anunciou sua candidatura, a maior parte das pessoas
pensava que o sonolento Jeb Bush obteria a nomeação e que Bush perderia para
Hillary. Assim, houve na verdade tentativas para instalar Hillary ou Bush. Mas
ninguém tentou instalar o Trump. Ele fez um drible em torno deles, por conversa
directa, humor e celebridade.
Ele não tinha conselheiros que ouvisse, porque sempre foi um one-man
show. E ele realmente não sabe o que está a fazer economicamente. Ele sabe
como trapacear as pessoas, vitimizar fornecedores e como ganhar dinheiro no
mercado imobiliário simplesmente não pagando fornecedores e pedindo emprestado
a bancos e não os pagando. Mas ele nem sequer tem ideia de que não se pode
administrar uma economia deste modo. Ser um mafioso imobiliário não é o mesmo
que administrar uma economia inteira. Trump não tem ideia e não acho que alguém
saiba como controlá-lo, excepto talvez a Fox News.
Wall Street versus a economia "real": Qual se revela mais real?
BF : O que está acontecendo com a classe dominante nos Estados Unidos?
Será que alguém nas suas fileiras sabe como administrar uma economia?
MH : O problema é que administrar uma economia para ajudar o povo e elevar
padrões de vida, assim como para reduzir o custo de vida e de fazer negócio,
significa não administrar para ajudar a Wall Street. Se alguém souber como
administrar uma economia, o sector financeiro quer mantê-lo afastado de
qualquer gabinete público. A alta finança é curto-prazista, não pensa a longo
prazo. Ela joga o jogo do bate e foge, não a tarefa muito mais difícil de criar
uma infraestrutura para crescimento económico tangível.
Só se pode fazer uma de duas coisas: Ajudar o trabalho ou ajudar a Wall Street.
Se administrar a economia significa ajudar o trabalho e melhorar padrões de
vida dando melhores cuidados médicos, isto vai ser a expensas do sector
financeiro e de lucros corporativos a curto prazo. Assim, a última coisa que se
quer fazer é ter alguém a administrar a economia para a sua própria
prosperidade ao invés dos objectivos da Wall Street.
A questão é quem vai fazer o planeamento. Serão funcionários públicos eleitos
no governo ou a Wall Street? O escritório de relações públicas da Wall Street é
a Universidade de Chicago. Ela afirma que um mercado livre é aquele em que
ricos investidores da Wall Street e a classe financeira administram uma
economia. Mas se deixar as pessoas votarem e elegerem governos
democraticamente, isso é chamado de "interferência" num mercado
livre. Este é o combate de Trump contra a China. Ele quer que os bancos
administrem a China e disponham de um mercado livre. Ele diz que a China se tornou
rica nos últimos cinquenta anos por meios injustos, com a ajuda do governo e
empresas públicas. De facto, ele quer que os chineses fiquem tão ameaçados e
inseguros quanto os trabalhadores americanos. Eles deveriam livrar-se dos seus
transportes públicos. Deveriam livrar-se dos seus subsídios. Deveriam deixar
muitas das suas empresas irem à bancarrota para que americanos pudessem
comprá-las. Deveriam ter a mesma espécie de mercado livre que arruinou a
economia dos EUA.
A China não quer esta espécie de mercado livre, é claro. Ela tem uma economia
de mercado. Esta é realmente muito semelhante ao que os Estados Unidos foram no
seu arranque industrial do século XIX, com forte subsídio governamental.
Os EUA a mudarem de estratégia monetária, dos pagamentos excedentes para o
status do défice
BF : No seu trabalho seminal de 1972, Super Imperialism: The Economic
Strategy of American Empire , escreveu: "Enquanto a dominação dos EUA
da economia mundial se estendeu de 1920 a 1960 a partir da sua posição credora, seu controle
a partir da década de 1960 teve origem na sua posição de devedora. Não só as
mesas foram viradas, mas os diplomatas dos EUA descobriram que a sua influência
como a maior economia devedora do mundo é tão forte quanto aquela que antes
reflectia sua posição de credora líquida". Isto soa contra-intuitivo. Você
poderia decompor o argumento nos seus componentes? Vamos começar de 1920 a 1960. Como os Estados
Unidos conseguiram dominar a economia mundial a partir de sua posição de
credor?
MH : A posição credora dos EUA começou realmente após a I Guerra Mundial,
com base no dinheiro que emprestaram aos Aliados antes de se juntarem à guerra.
Quando a guerra acabou, diplomatas dos EUA disseram à Inglaterra e à França
para nos pagarem as armas que haviam comprado anteriormente. Mas no passado,
durante séculos, os vitoriosos habitualmente perdoavam todas as dívidas entre
si uma vez acabada a guerra. Pela primeira vez, a América insistiu em que os
Aliados pagassem pelo apoio militar que lhe fora vendido antes se juntar a
eles.
Os Aliados europeus estavam bastante devastados pela guerra e voltaram-se para
a Alemanha e insistiram em reparações que rapidamente a levaram à bancarrota. A
Alemanha levou à bancarrota a sua economia ao tentar pagar à Inglaterra e à
França, que simplesmente enviavam o recebido para pagar os Estados Unidos. Suas
balanças de pagamentos estavam em défice e suas divisas iam abaixo.
Investidores americanos viram nisso uma oportunidade para comprar sua
indústria. O ouro era a medida do poder, o suporte para a moeda interna e o
crédito e portanto para o investimento de capital.
A América era muito mais produtiva pois não sofrera danos de guerra. Entre o
fim da II Guerra Mundial e 1950, quando estalou a Guerra da Coreia, a América
acumulou mais de 75 por cento do ouro monetário mundial. Os Estados Unidos
tinham fortes exportações agrícolas, exportações industriais crescentes e
bastante dinheiro para comprar as principais indústrias da Europa, da América
Latina e de outros países.
Mas a partir de 1950, com a Guerra da Coreia, a balança de pagamentos dos EUA
entrou em défice pela primeira vez. Até piorou quando o presidente Eisenhower
decidiu que a América tinha de apoiar o colonialismo francês no Sudeste
asiático, na Indochina francesa – Vietname e Laos. No momento em que a Guerra
do Vietname escalou, na década de 1960, o dólar estava a incidir em grandes
défices de balança de pagamentos. Toda semana na Wall Street observávamos a
oferta de ouro descer, perder ouro para países que não estavam em guerra, como
a França e a Alemanha. Eles estavam a prevalecer-se do excesso de dólares que
estavam a ser gastos pelos militares americanos. Por volta de 1960 ficou claro
que a América estava numa trajectória de ficar sem ouro dentro de uma década
devido aos gastos de guerras além-mar.
Por fim, em Agosto de 1971, o presidente Nixon cessou de vender na bolsa de
Londres e o preço subiu muito acima dos US$35 por onça [1] .
A balança de pagamentos dos EUA ainda apresentava um défice profundo devido aos
combates no Sudeste Asiático e alhures, o que criava um défice permanente na
balança de pagamentos. O sector privado estava em equilíbrio durante os anos
1950 e 1960. A
totalidade do défice era militar.
Quando a América saiu do ouro, as pessoas começaram a perguntar-se o que iria
acontecer. Muitos previram um dia do juízo final económico. Estavam a perder a
sua capacidade de dominar o mundo através do ouro. Mas o que eu percebi (e fui
o primeiro a publicar) foi que, se os países não pudessem mais comprar e manter
ouro nas suas reservas internacionais, o que é que eles iriam manter? Havia
apenas um activo de que poderiam dispor: títulos do governo dos EUA, ou seja,
títulos do Tesouro (Treasury bonds).
Um título do Tesouro é um empréstimo ao Tesouro dos EUA. Quando um banco
central estrangeiro compra um título, ele financia o défice orçamental interno
dos EUA. Assim os défices da balança de pagamentos acabam por financiar o
défice orçamental interno.
O resultado é um fluxo circular de gastos militares reciclados por bancos
centrais estrangeiros. Depois de 1971 os Estados Unidos continuaram a gastar
militarmente no exterior e em 1974 os países da OPEP quadruplicaram o preço do
petróleo. Naquele momento os Estados Unidos disseram à Arábia Saudita que
podiam cobrar quanto quisesse pelo seu petróleo, mas tinha de reciclar todos os
seus ganhos líquidos de dólares. Os sauditas não deveriam comprar ouro. Foi
dito aos sauditas que seria um acto de guerra se não reciclassem na economia
americana os dólares que recebiam pelas suas exportações de petróleo. Eles
foram encorajados a comprar títulos do Tesouro dos EUA, mas também podiam
comprar acções e títulos dos EUA para ajudar a impulsionar os mercados de
valores aqui e ao mesmo tempo apoiarem o dólar.
Os Estados Unidos mantiveram seu próprio stock de ouro, enquanto queriam que o
resto do mundo mantivesse suas poupanças na forma de empréstimos aos Estados
Unidos. Dessa forma o dólar não foi abaixo. Outros países que estavam a receber
dólares simplesmente reciclavam-nos para comprar títulos financeiros dos
EUA.
O que teria acontecido se não tivessem feito isto? Digamos que a Alemanha,
França ou Japão não o tivessem feito. Se não reciclassem suas receitas em
dólares de volta para a economia dos EUA, suas divisas iriam subir. As entradas
de dólares pelas vendas exportadas seriam convertidas na sua divisa, aumentando
a sua taxa de câmbio. Mas ao comprar títulos ou acções dos EUA, lançam o preço
dos dólares de volta contra a sua própria divisa.
Assim, quando os Estados Unidos incorrem num défice de balança de pagamentos
sob condições em que outros países mantém suas reservas externas em dólares, o
efeito para outros países é manter estáveis as taxas de câmbio das suas divisas
– principalmente através de empréstimos ao governo dos EUA. Isso dá aos Estados
Unidos um benefício sem custo (a free ride). Eles podem cercar o
mundo com bases militares e os dólares que isto custa são retornados aos
Estados Unidos.
Imagine subscrever IOUs [2] quando
você gasta numa loja ou num restaurante – mas os seus IOUs nunca serem
cobrados! A loja pode dizer: "Temos um IOU de Bonnie Faulkner. Vamos
mantê-lo nas nossas poupanças. Ao invés de depositá-lo no banco ou pedir o
pagamento em moeda real, vamos simplesmente manter-nos a coleccionar estes IOUs
de Bonnie Faulkner". As corporações chamam de "realizável" ("receivables") a
tais IOUs e créditos comerciais. Agora, suponha que faça uma farra de despesas
e dê à loja IOUs no valor de mil milhões de dólares. Não há como pagar esses
mil milhões de dólares. Nesse caso, as lojas que recebem esses IOUs diriam:
"Bem, nós realmente não queremos excluir Bonnie, porque sabemos que ela
não pode pagar. Perdemos o valor das contas realizáveis no lado do activo do
nosso balanço – todas estas notas promissórias que colectámos.
Isso na essência é o que países estrangeiros estão a dizer acerca da sua acumulação
de dólares. A posição dos EUA é, efectivamente, de que não vamos reembolsar
qualquer país estrangeiro pelos dólares que lhes devemos. Quando era secretário
do Tesouro, John Connolly disse: "São nossos dólares, mas é vosso
problema". Outros países têm de nos pagar ou do contrário nós os
bombardearemos. A dimensão militar deste esquema é a posição dos EUA de que
seria um acto de guerra se outros países não se mantivessem a gastar seus
ganhos de exportações em empréstimos ou acções e títulos dos EUA.
É isto o que torna os Estados Unidos o "país excepcional". O valor da
nossa divisa está baseado nas poupanças dos outros países. A moeda que eles
poupam tem de ser mantida na forma de dólares ou títulos que nunca
reembolsaremos, mesmo que pudéssemos.
Isto é um enorme almoço gratuito. Você poderia pensar que Donald Trump
desejasse manter esta situação. Mas ele afirma que a China está a manipular a
sua divisa ao reciclar seus dólares em empréstimos ao Tesouro dos EUA. O que
significa isso? A China está a ganhar um bocado dólares com exportações de bens
para os Estados Unidos. O que faz com estes dólares? Ela tenta fazer o que a
América fez com a Europa e a América do Sul. Ela tentou comprar companhias
americanas. Mas os Estados Unidos impediram-na de fazer isto, com argumentos
especiosos sobre segurança nacional. O governo afirma que a nossa segurança
nacional ficaria ameaçada se a China comprasse uma cadeia de postos de
abastecimento de combustíveis, como ela quis fazer na Califórnia. Os Estados
Unidos têm portanto um duplo padrão, afirmando que ficam ameaçados se a China
comprar qualquer companhia, mas insistindo no seu direito de comprar os altos
comandos de economias estrangeiras com crédito electrónico em dólares.
Isto deixa a China apenas com uma opção: comprar títulos do Tesouro dos EUA,
emprestando seus ganhos de exportação ao US Treasury.
Trump está agora a conduzir outros países para fora da órbita do dólar
A China agora percebe que o Tesouro dos EUA não vai reembolsá-la. Mesmo se
quisesse reciclar seus ganhos de exportação em títulos do Tesouro ou em acções
e títulos ou em imobiliário dos EUA, Donald Trump agora está a dizer que não
quer que a China apoie a taxa de câmbio do dólar (e mantenha baixa a sua
própria taxa de câmbio) através da compra de activos dos EUA. Estamos a dizer à
China para não fazer o que dissemos a outros países para fazerem durante os
últimos quarenta anos: comprar títulos dos EUA. Trump acusa países de
manipulação artificial da divisa se mantiverem suas reservas estrangeiras em
dólares. Assim, ele está a dizer-lhes, especificamente à China, para livrar-se
dos seus haveres em dólar, não mais comprar dólares com os seus ganhos de
exportação.
Assim, a China está a comprar ouro. A Rússia também está a comprar ouro e
grande parte do mundo está agora no processo de reverter ao padrão gold-exchange (o
que significa que o ouro é utilizado para liquidar desequilíbrios de pagamentos
internacionais, mas não está conectado à criação de moeda interna). Os países
percebem que há uma grande vantagem no padrão gold-exchange. Existe
apenas um montante limitado de ouro nos bancos centrais do mundo. Isto
significa que qualquer país que trava guerras vai incidir num grande défice de
balança de pagamentos e vai perder suas reservas-ouro. Assim, ressuscitar o
papel do ouro pode impedir qualquer país, incluindo os Estados Unidos, de irem
à guerra e sofrerem um défice militar.
A ironia disto é que Trump está a desmanchar o almoço gratuito financeiro da
América – sua política de imperialismo monetário – ao dizer às províncias para
deixar de reciclarem seus influxos de dólares. Elas têm de desdolarizar suas
economias.
O efeito disto é tornar estas economias independentes dos Estados Unidos. Trump
já anunciou que não contratará chineses nos nossos sectores de TI ou deixará
chineses estudarem em universidades [dos EUA] assuntos que possam permitir-lhes
rivalizarem connosco. De modo que nossas economias estão em vias de
separar-se.
Com efeito, Trump tem dito que se não pudermos vencer num acordo comercial, se
não pudermos fazer com que outros países percam e se tornem mais dependentes de
fornecedores estado-unidenses e com preços de monopólio, então não assinaremos
um acordo. Esta posição está a conduzir não só a China como também a Rússia e
mesmo a Europa e outros países para fora da órbita dos EUA. O resultado final
vai ser que os Estados Unidos serão isolados, sem serem capazes de manufacturar
como costumavam fazê-lo. O país está a desmantelar a sua manufactura. Assim,
como acabará isto?
Alguns números demográficos foram divulgados na semana passada mostrando que o
meio da América está a esvazia-se. A população está a mudar-se dos estados do
Centro-Oeste e montanhosos para as costas Leste e Oeste e para a costa do
Golfo. Assim, as políticas de Trump estão a acelerar a desindustrialização dos
Estados Unidos sem nada fazer para colocar novas forças produtivas em
substituição e nem mesmo desejando que outros países invistam aqui. As
montadoras automobilísticas alemãs vêem Trump a aplicar tarifas sobre o aço
importado que precisam para construir carros nos Estados Unidos. Para
construí-los aqui a fim de contornar as barreiras tarifárias dos EUA contra
automóveis alemães e outros. Mas agora Trump não está sequer a deixá-los
importar as peças de que precisam para montar estes carros nas fábricas
não-sindicalizadas que construíram no Sul.
O que podem eles fazer? Talvez proponham uma troca com a General Motors e a
Chrysler. Os europeus obterão as fábricas que as empresas americanas possuem na
Europa e lhes darão suas fábricas americanas em permuta.
Está espécie de divisão está a verificar-se sem qualquer tentativa de tornar o
trabalho americano mais competitivo através da redução dos seus custos de
habitação, ou do preço dos seus seguros de saúde e cuidados médicos, ou dos
seus custos de transporte ou dos custos de infraestrutura. De modo que a
América está a ficar sem salvação como uma economia de altos preços num mundo
nacionalista, enquanto incide num enorme défice de balança de pagamentos para
suportar seus gastos militares por todo o globo.
BF : Assim, parece que quando os Estados Unidos saíram do padrão-ouro, o
dólar basicamente substituiu o ouro como o principal activo no qual os governos
estrangeiros podiam manter seus activos. Agora você está a dizer que, quando
não havia mais padrão-ouro, se economias estrangeiras não comprassem títulos do
Tesouro dos EUA, o preço das suas divisas aumentaria e os tornaria não
competitivos.
MH : Sim. Imagine se os americanos tivessem de pagar cada vez mais dólares
para comprar carros alemães. Haveria uma maior procura pela divisa alemã, o
euro, cuja taxa de câmbio subiria. Isso estava a acontecer durante os anos 1960
e 1970, antes do euro. O único meio pelo qual a Alemanha podia manter baixo o
valor do seu marco era comprar alguma coisa que custasse dólares. Ela não
comprava exportações americanas, porque os EUA já estavam a fabricar e exportar
cada vez menos, excepto quanto a alimentos – e a Alemanha só podia comer uma
quantidade limitada de trigo e soja. Assim, a única coisa que a Alemanha podia
comprar com preço em dólares eram títulos do Tesouro dos EUA. Isso impedia o
marco alemão de ascender ainda mais rapidamente e mantinha a balança de
pagamentos equilibrada.
O Japão tinha um problema semelhante. Os japoneses tentaram comprar imóveis nos
EUA, mas não tinham qualquer ideia do que fazer com o valioso imobiliário
daqui. Eles perderam mil milhões de dólares na compra do Rockefeller Center por
não perceberem que o valor do edifício era separado do valor da terra e que a
terra era possuída pela Universidade de Columbia. O próprio edifício estava a
incidir num défice. A maior parte do valor locativo era paga ao proprietário da
renda da terra. Os japoneses não tinham ideia de como funciona o imobiliário
americano.
O euro é apenas uma divisa satélite do US dólar
Alguns americanos preocupam-se com a possibilidade de o euro rivalizar com o
dólar. Afinal de contas, a Europa não está a desindustrializar-se. Está a
mover-se em frente e a produzir melhores carros, aviões e outros produtos para
exportação. Assim os Estados Unidos persuadiram políticos estrangeiros a
estropiar o euro fazendo dele uma divisa de austeridade, criando tão poucos
títulos governamentais que não há nenhum veículo euro suficientemente grande para
países estrangeiros nele manterem suas reservas. Os EUA podem criar cada vez
mais dívida em dólar incorrendo num défice orçamental. Podemos seguir políticas
keynesianas incorrendo num défice para empregar mais trabalho. Mas a eurozona
recusa-se a deixar seus países incorrerem num défice superior a 3% do PIB. Este
nível é muito marginal em comparação com o dos Estados Unidos. E se estiver a
tentar não incidir de todo em qualquer défice – e mesmo se o mantiver em menos
de 3% – então estará a impor austeridade sobre o seu país, mantendo baixo o seu
emprego. Estará a sufocar seu mercado interno, a cortar sua garganta ao ser
incapaz de criar um rival real para o dólar. Eis porque Donald Rumsfeld chamou
a Europa de zona morta e porque a única alternativa para uma divisa real é o
yuan chinês. Eles estão a movimentar-se para uma área com divisa baseada no
ouro juntamente com a Rússia, o Irão e outros membros da Organização de
Cooperação de Shangai.
BF : A União Europeia ao não permitir países europeus dentro da eurozona
incorrerem em défices de mais de 3% está basicamente cortar a sua própria
garganta. Por que fariam eles uma tal coisa?
MH : Porque os responsáveis do Banco Central estão a combater uma guerra
de classe. Eles consideram-se como generais financeiros no combate económico
contra o trabalho, para prejudicar a classe trabalhadora, reduzir salários e
ajudar o seu eleitorado político, a classe investidora rica. A Europa sempre
teve uma guerra de classe mais viciosa do que os Estados Unidos. Ela nunca emergiu
realmente do seu aristocrático sistema pós feudal. Seus banqueiros centrais e
universidades seguem a escola do livre mercado da Universidade de Chicago,
dizendo que o meio de ficar rico é tornar os seus trabalhadores mais pobres e
criar um governo em que o trabalho não tenha voz. Essa é a filosofia económica
da Europa e é por isso que a Europa não tem alcançado o crescimento que a China
e outros países estão a experimentar.
BF : Assim, parece que desde 1971 os Estados Unidos foram capazes de
dominar a economia mundial a partir de uma posição devedora.
Michael Hudson : Quando perdia ouro, de 1950 a 1971, não estavam a
dominar; estavam a perder a oferta de ouro da América para a França, Alemanha,
Japão e outros países. Somente quando cessou o padrão gold-exchange e
os países ficaram sem alternativa para suas poupanças internacionais, excepto
comprar títulos do Tesouro dos EUA ou outros títulos, os EUA foram capazes de
pagar pelos seus gastos militares sem perder seu poder.
Desde 1971, a
diplomacia mundial tem sido essencialmente apoiada pelo poder militar
americano. Não é um mercado livre. O poder militar mantém países numa camisa de
força financeira na qual os Estados Unidos podem incidir em dívida sem terem de
reembolsá-la. Aos outros países que incidem em défices de pagamentos não é
permitido expandirem suas economias, ou rivalizar os Estados Unidos ou mesmo
melhorar padrões de vida da sua força de trabalho. Só países fora da órbita dos
EUA – China e em princípio a Rússia e alguns outros países na Ásia – são
capazes de aumentar seus padrões de vida e investimento de capital e tecnologia
por estarem livres desta guerra de classe financeira globalizada.
BF: Em Super Imperialism você escreve que: "Pressões para
criar uma Nova Ordem Económica Internacional entraram em colapso no fim da
década de 1970". Estará você a dizer que outros países simplesmente
abandonaram e aceitaram o imperialismo monetário americano? O que
aconteceu?
MH : Contaram-me que foi suborno em grande escala. Responsáveis da
administração Reagan contaram-me que simplesmente pagaram a responsáveis
estrangeiros para apoiar a posição dos EUA e não uma Nova Ordem Económica
Internacional. Agências dos EUA manobravam dentro da política partidária de
países europeus e do Oriente Próximo para promover responsáveis pró-americanos
e marginalizar aqueles que não concordassem em actuar como satélites dos EUA.
Muito dinheiro esteve envolvido nessa intromissão.
Assim os Estados Unidos corromperam a política democrática por toda a Europa,
Oriente Próximo e grande parte da Ásia. Isso conseguiu esterilizar a
independência estrangeira nos EUA. Enquanto isso, as ideias neoliberais de
Thatcher e Reagan foram promovidas ao invés da espécie de economia mista que
Roosevelt e a social-democracia haviam impulsionado durante cinquenta
anos.
Quem planeará economias: Administradores financeiros ou governos
democráticos?
BF : Se houve pressões para criar uma Nova Ordem Económica Internacional
na década de 1970, o que era esta nova ordem que se pretendia alcançar?
MH : Outros países quiseram fazer para as suas economias o que os Estados
Unidos fizeram há muito para a sua própria economia: utilizar gastos
deficitários do governo para construir infraestrutura, elevar padrões de vida,
criar habitação e promover tributação progressiva que impedisse uma
classe rentista, uma classe de latifundiários e financistas, de tomar
as rédeas da administração económica. No campo financeiro, eles queriam que os
governos criassem sua própria moeda, para promover o seu próprio desenvolvimento,
tal como os Estados Unidos fizeram. O papel do neoliberalismo era o oposto: era
promover o sector financeiro e imobiliário e os monopólios para afastar a
administração económica do governo.
Assim, a questão real dos anos 1980 era acerca de quem seria o centro básico de
planeamento da sociedade. Seria o sector financeiro – os bancos e accionistas
dos bancos, cujo interesse está realmente nos Um Porcento que possuem a maior
parte dos títulos e acções dos bancos? Ou seriam governos a tentarem subsidiar
a economia para ajudar os 99 Porcento a crescerem e prosperarem? Essa era a
visão social-democrata a que se opunha o Thatcherismo e o Reaganismo.
O impulso internacional para desdolarizar
BF : Foi esta pressão que bloqueou uma Nova Ordem Económica Internacional
provocada pelos Estados Unidos ao saírem do padrão gold-exchange ?
MH : Não. Foi uma reacção contra a política dos EUA de apropriar-se dos
altos comandos de economias estrangeiras. Os Estados Unidos querem controlar
suas exportações de matérias-primas, especialmente seu petróleo e gás. Querem
controlar seus sistemas financeiros, de modo a que todos os seus ganhos
económicos irão para investidores estrangeiros, principalmente investidores dos
EUA. Querem tornar outras economias em economias de serviço para os Estados
Unidos e fazer delas uma espécie de aliança militar super-NATO que se oporá a
qualquer país que não queira fazer parte da ordem global unilateral centrada
nos EUA.
BF : Como é que o imperialismo monetário de hoje – super imperialismo –
difere do imperialismo do passado?
MH : É uma etapa mais alta do imperialismo. O velho imperialismo era
colonialismo. Você vinha e utilizava poder militar para instalar uma classe
dominante cliente. Mas cada país teria a sua própria divisa. O que tornou o
imperialismo "super" é que a América não tem de colonizar um outro
país. Ela não tem de invadir um país ou realmente ir à guerra com ele. Tudo o
que precisa é ter o país a investir suas poupanças, seus ganhos de exportação,
em empréstimos ao Governo dos Estados Unidos. Isto permite aos EUA manterem
suas taxas de juro baixas e permite a investidores americanos tomar emprestado
de bancos americanos a taxas baixas para comprarem indústria e agricultura
estrangeira que rende 10%, 15% ou mais. De modo que os investidores americanos
percebem que apesar do défice da balança de pagamentos, podem emprestar esses
dólares a uma taxa tão baixa de países estrangeiros – pagando apenas 1% a 3%
sobre os títulos do Tesouro que mantêm – enquanto bombeiam dólares para dentro
economias estrangeiras ao comprarem sua indústria, agricultura, infra-estrutura
e serviços públicos, obtendo grandes ganhos de capital. A esperança é que, em
breve, consigamos sair da dívida através deste esquema de almoço
gratuito.
O imperialismo está a obter algo em troca de nada. É uma estratégia para obter
excedente de outros países sem desempenhar um papel produtivo, mas sim pela
criação de um sistema extractivo rentista. Uma potência imperialista
obriga outros países a pagarem tributo. Naturalmente, a América não diz
directamente aos outros países: "Você tem de nos pagar um tributo",
tal como os imperadores romanos diziam às províncias que governavam. Os
diplomatas dos EUA simplesmente insistem em que outros países invistam seus
influxos da balança de pagamentos e as poupanças dos seus bancos centrais em US
dólares, especialmente em US Treasury (IOUs). Este padrão de títulos do Tesouro
transforma o sistema monetário e financeiro global num sistema de
tributos.
É isto o que paga os custos dos gastos militares dos EUA, incluindo suas 800
bases militares por todo o mundo e sua legião estrangeira de combatentes do
ISIS, Al Qaeda e de "revoluções coloridas" para desestabilizar países
que não aderem ao sistema económico global centrado no dólar.
BF: Você escreve: "Hoje seria necessário para a Europa e a Ásia
conceberem uma alternativa artificial, criada politicamente, ao dólar como um
armazém internacional de valor. Isto promete tornar-se o ponto crucial de
tensões políticas internacionais durante a próxima geração". Como é que o
mundo romperia com este duplo padrão de dominação do dólar?
MH : Isto já está a acontecer. E Trump é um grande catalisador acelerando
a partida dos hóspedes. A China e a Rússia estão a reduzir seus haveres em
dólares. Eles não querem manter títulos do Tesouro americano, porque se os EUA
entrarem em guerra com eles isso lhes fará o mesmo que fez ao Irão. Os EUA
simplesmente manterão todo o dinheiro, não reembolsarão o investimento que a
China tem efectuado em bancos dos EUA e no Tesouro. Assim, eles estão a
livrar-se dos dólares que possuem. Estão a comprar ouro e a mover-se tão rápido
quanto possível para serem independentes de quaisquer exportações dos EUA. Eles
estão construindo suas forças armadas, para que, se os Estados Unidos tentarem
ameaçá-los, possam defender-se. O mundo está a fracturar-se.
BF : O que é que países estrangeiros como a China e a Rússia estão a
utilizar para comprar ouro? Estarão a comprar com dólares?
MH : Sim. Eles ganham dólares ou euros do que estão a exportar. Esta moeda
vai para o banco central da China, porque os exportadores chineses querem o
yuan interno para pagar aos seus trabalhadores e fornecedores. Assim, vão ao
Banco da China e trocam seus dólares por yuans. O Banco da China, o banco
central, decide então o que fazer com esta divisa estrangeira. Eles podem ir ao
mercado aberto e comprar ouro. Ou pode gastá-la em países estrangeiros, na
iniciativa Estrada da Seda para construir uma ferrovia e infraestrutura de
navegação e desenvolvimento de portos para ajudar exportadores da China a
integrarem sua economia com outras e finalmente com a Europa, substituindo os
Estados Unidos como cliente e fornecedor. Eles encaram os Estados Unidos como
uma economia moribunda.
BF : Podem os chineses construir seus projectos de infraestrutura da
Estrada da Seda com dólares?
MH : Não, eles estão a livrar-se de dólares. Eles já estão a receber tão
grande excedente a cada ano que apenas utilizam os dólares para comprar ouro ou
alguns bens, tais como aviões Boeing, mas sobretudo alimentos e
matérias-primas. Quando a China compra ferro da Austrália, por exemplo, ela
vende dólares das suas reservas de moeda estrangeira e compra a divisa
australiana para pagar aos australianos pelo minério de ferro importado. Ela
utiliza dólares para pagar outros países que ainda fazem parte da área do dólar
e ainda desejam continuar a acrescentar estes dólares às suas reservas
monetárias oficiais ao invés de possuir ouro.
BF : Bem, é bastante surpreendente, Michael, que países não tenham
começado a fazer isto bem mais cedo.
MH : Houve pressão política para não se retirarem do sistema de dívida em
dólar. Se países actuarem de forma independente, correm o risco de serem
derrubados. É preciso um governo forte para resistir à interferência americana
e aos truques sujos para colocar seu próprio país em primeiro lugar, em vez de
seguir conselheiros e agentes dos EUA que lhes pagam para servir a economia dos
EUA ao invés da sua própria, ou para resistir à lavagem cerebral da teoria
económica lixo da Universidade de Chicago.
BF : Quão distante está a morte do dólar como a divisa de reserva do
mundo?
MH: O dólar já está a desacelerar. Trump faz tudo o que pode para acelerar
a sua morte, ameaçando que se países estrangeiros continuarem a reciclar seus
ganhos de exportação em dólares (elevando a taxa de câmbio do dólar), nós os
acusaremos de manipular sua divisa. Assim, ele gostaria de acabar isso tudo até
o final do seu segundo mandato em 2024.
BF: Com o que se pareceriam os Estados Unidos se o dólar já não fosse a
divisa de reserva do mundo?
MH : Se continuarem a deixar a Wall Street fazer o planeamento económico,
a economia dos EUA parecer-se-á à da Argentina.
BF : E com o que se parece a Argentina?
MH : Uma estreita oligarquia no topo, mantendo o trabalho na base,
retirando direitos do trabalho de sindicalizar-se – uma economia cujos sectores
financeiro e militar venceram a guerra de classe.
BF : A China, com o seu projecto de infraestrutura da Estrada da Seda,
está agora a comprar ouro no mercado aberto, tal como um certo número de outros
países. Será que o sistema bancário ocidental penetrou a China? E se assim for,
como você caracterizaria o sistema bancário da China?
MH : Há uma tentativa dos Estados Unidos de penetrar na China. Nos
recentes acordos comerciais a China permitiu que bancos dos EUA criassem seu
próprio crédito. Não estou seguro de que isso vá realmente em frente, agora que
Trump está a intensificar a guerra comercial. Mas basicamente, na América, você
tem bancos privados a concederem, crédito a corporações. Na China, você tem os
bancos do governo a concederem os empréstimos. Isso salva a China de ter uma
crise financeira do mesmo modo dos Estados Unidos.
Cerca de 12% das companhias americanas são consideradas companhias zumbi. Elas
já estão insolventes, incapazes de fazer um lucro depois de pagarem seu pesado
serviço de dívida. Mas os bancos ainda estão a dar-lhes crédito suficiente para
permanecerem no negócio, de modo a não terem de ir à bancarrota e criar uma
crise. A China não tem esse problema, porque quando indústrias e fábricas
chinesas não são capazes de pagar, o Banco da China (público) pode simplesmente
perdoar a dívida. Sua escolha é clara. Ou ele pode deixar companhias irem à
bancarrota e serem vendidas a baixo preços a algum comprador, sobretudo
americano, ou pode limpar as dívidas podres da contabilidade.
Se a China tivesse sido bastante louca para ter empréstimos estudantis que deixassem
seus licenciados empobrecidos ao invés de proporcionar universidades gratuitas,
o banco central da China poderia simplesmente cancelar os referidos
empréstimos. Nenhum investidor perderia, porque os bancos são propriedade do
governo. Sua posição é: "Se se trata de uma fábrica, não queremos que
tenha de encerrá-la e desempregar seus trabalhadores. Vamos apenas cancelar
parcialmente a dívida. E se os seus empregados estiverem em dificuldades,
cancelamos parcialmente as suas dívidas, de modo a que possam gastar seu
dinheiro em bens e serviços para ajudar a expandir nosso mercado
interno".
Os bancos da América são possuídos pelos accionistas e detentores dos títulos,
os quais nunca deixariam o Chase Manhattan ou o Citibank ou o Wells Fargo
simplesmente perdoarem suas várias categorias de empréstimos. Esta é a razão
porque a banca pública é muito mais eficiente ao nível de uma economia vasta do
que bancos privados. Esta é a razão porque a banca deveria ser um serviço
público e não privatizada.
BF : Pode explicar com mais pormenor como o cancelamento parcial de
dívidas é bom para a economia?
MH : Bem, pense na alternativa a cancelar dívidas. Se você não cancelar
parcialmente as dívidas de estudantes da América os licenciados têm de pagar
tanto do serviço de dívida estudantil (agora ao governo) que não têm dinheiro
suficiente para poderem comprar uma casa, não têm bastante dinheiro para se
casarem, não têm dinheiro suficiente para comprar bens e serviços. Isto
significa que a maior parte das pessoas que pode comprar casas são licenciados
com fundos fiduciários (trust funds) – estudantes cujos pais são
bastante ricos de modo a que não tivessem de recorrer a um empréstimo
estudantil para pagar pela educação dos filhos. Estas famílias hereditárias são
suficientemente ricas para lhes comprarem seu próprio apartamento.
Eis porque a economia americana está a polarizar-se entre pessoas que herdam
bastante dinheiro para serem capazes de ter a sua própria habitação e
orçamentos livres de empréstimos estudantis, a comparar com famílias que estão
presas a dívidas e incidindo cada vez mais profundamente em dívidas e sem
grandes poupanças. Esta bifurcação financeira está a tornar-nos mais pobres.
Mas a teoria económica neoliberal encara isto como uma vantagem competitiva.
Para eles, e para o patronato, a pobreza não é um problema a ser resolvido. É a
solução para o seu próprio objectivo da lucratividade.
BF : Assim é todo este esquema de privatização, particularmente a
privatização do sistema bancário e a privatização de muitas infraestruturas que
está a levar os Estados Unidos à bancarrota?
MH : Sim, tal como levou a Inglaterra e outros países à bancarrota que se
seguiu ao thatcherismo ou à filosofia neoliberal desde cerca de 1980.
BF : Michael Hudson, muito obrigado mais uma vez.
MH : É sempre um prazer ter estas discussões.
[1] 1 onça troy = 31,103
gramas
[2] IOUs: notas de reconhecimento de dívida ou notas promissórias (I owe you)
O áudio desta entrevista está disponível em soundcloud.com/...
O original encontra-se em thesaker.is/bonnie-faulkner-interviews-michael-hudson/
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/
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