A Turquia comprou um sistema
antimísseis russo ao mesmo tempo em que desejava continuar participando do
projeto de caças F-35 com os EUA. Washington disse "não". Foi uma
decisão consequente, opina Erkan Arikan.
Washington tomou uma decisão
lógica e consequente: a Turquia passará a estar excluída do programa de jatos
de combate F-35. Lógica, pois não é possível um parceiro da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) fazer negócios com a Rússia, um antigo inimigo
da Guerra Fria – por melhor que seja a relação de confiança que ambos
desenvolveram.
Consequente, pois há muito os
Estados Unidos vinham advertindo o presidente Recep Tayyip Erdogan para
que ele não insistisse na compra do sistema antimísseis russo S-400. Como
Ancara não acatou a advertência, os americanos acabaram tomando uma decisão.
A Turquia, que há anos emprega em
sua Força Aérea caças americanos do seu parceiro de Otan, precisará agora
procurar novos aviões. Os soldados turcos que colaboram com o projeto terão que
deixar os EUA em breve. O fato de a Rússia agora oferecer seus caças Su-35
parece, na sequência, antes uma piada atrasada de Moscovo.
A Turquia se encontra numa região
altamente perigosa, do ponto de vista geopolítico. Tem entre seus vizinhos ao
leste o Irão, o Iraque e a Síria. Estava claro que, já antes da guerra civil
síria, os turcos precisavam de um sistema antimísseis eficiente. Como parceiros
da Otan, estaria a sua disposição o sistema americano Patriot – porém só como
empréstimo, e diversas tentativas anteriores de Ancara para adquiri-lo
fracassaram.
Em reação, Erdogan tentou comprar
um sistema antimísseis da China. As negociações binacionais começaram em 2013,
mas foram declaradas fracassadas dois anos mais tarde. Representantes do
governo turco alegaram que a pressão dos EUA fora grande demais, forçando
Erdogan a ceder e anunciar que seu país pretendia desenvolver um sistema
próprio.
Críticas severas partem agora de
Ancara: essa decisão teria sido um "erro grave". É claro que o governo
turco não está feliz por ter sido excluído do programa F-35. No entanto Erdogan
apostou – e perdeu. Sua meta era comprar o sistema antimísseis S-400 da Rússia,
e mesmo assim fechar o acordo com os EUA sobre os jatos de combate F-35.
No entanto o governo turco foi
forçado a fazer negócios com a Rússia. Durante a presidência de Barack Obama
travaram-se as primeiras negociações entre o Ministério turco da Defesa e o
Pentágono. Parecia que tudo ia bem. Mas os dois lados não alcançaram um
consenso, e por isso Ancara desistiu dos americanos. "Se não der certo com
Washington, vamos para Moscovo", era o raciocínio. Oposicionistas turcos
acusam o governo Erdogan de ter negociado de forma diletante.
A retirada da Turquia do projeto
F-35 tem também consequências económicas. As empresas turcas que forneciam
peças para o caça terão agora que procurar outra fonte de renda. Nos meios
oposicionistas estima-se que o país contribui para o sistema com quase 900
componentes, num volume de exportação superior a 12 bilhões de dólares. Ao
mesmo tempo, aponta-se que a indústria armamentista turca emprega mais de 30
mil funcionários. É questionável se será possível empregar essas pessoas em
outros setores.
Paira também a questão se a
Turquia decidirá abandonar a Aliança Atlântica. Aqui, a resposta é um decidido
"não": a Otan precisa de Ancara, mas o contrário também é verdade. Os
turcos dependem dela e de seus parceiros, como explicitou o secretário-geral da
aliança, Jens Stoltenberg, durante sua visita ao país, em maio.
Certo é que, caso Ancara não recue, renunciando ao sistema antimísseis russo, então vai ficar sem os aviões de combate F-35. Contudo é difícil imaginar que Erdogan vá ceder, pois os primeiros componentes do S-400 já chegaram à Turquia.
A decisão sobre a exclusão dos
turcos do programa F-35 será decidida, o mais tardar, em março de 2020. Porém
isso não deverá afetar a relação dos dois parceiros de aliança, como um todo:
uma porta-voz de Washington enfatizou que seu país segue prezando as relações
estratégicas com a Turquia. Um consolo para Erdogan – mas que não traz nenhum
alívio.
Erkan Arikan (av) | Deutsche
Welle | opinião
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