Vijay Prashad [*]
Tudo sobre a guerra comercial
entre os Estados Unidos e a China é desconcertante. As duas maiores economias
do mundo entraramnuma luta titânica com palavras duras e altas
tarifas, provocando arrepios na economia global. Centenas de milhares de
milhões de dólares em mercadorias de ambos os lados depararam-se com barreiras
tarifárias que pareciam intransponíveis. Tréguas viriam do nada – como na
reunião do G20 de 2018 em Buenos Aires – mas depois seriam postas de lado pelo
presidente dos EUA, Donald Trump, em uma série de tweets em horários
estranhos.
Em Maio, Trump perseguiu a Huawei, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. O ataque desta vez não foi por motivos económicos. Trump acusou a Huawei de ser um braço de espionagem do governo chinês. Empresas dos Estados Unidos que forneciam software e chips à Huawei já não teriam permissão para fazê-lo. Os diplomatas de Trump puseram-se a caminho a fim de forçar os aliados dos EUA a deixarem de usar a tecnologia da Huawei nos seus países. A pressão sobre a China resultou na prisão de Meng Wanzhou, directora financeira da Huawei, com acusações de fraude bancária e electrónica quanto às sanções dos EUA contra o Irão. Meng Wanzhou é filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei.
Huawei
Tal como muitas empresas chinesas, a Huawei começou em 1987 com um objectivo modesto – fabricar comutadores telefónicos para empresas de telecomunicações. Então, gradualmente, emergiu como a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações – ultrapassando a multinacional sueca Ericsson – e o segundo maior fabricante de smartphones – logo atrás da multinacional sul-coreana Samsung. Actualmente é uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, com receitas anuais de mais de US$200 mil milhões.
A perda súbita de 1200 fornecedores nos EUA afectou a Huawei. Um quarto dos componentes dos sistemas da Huawei vem desses fornecedores. Estas empresas americanas perderam US$11 mil milhões por ano, mas a Huawei perdeu o acesso imediato a peças chave. Ren Zhengfei parecia tranquilo, dizendo que o ataque de Trump à sua empresa só fortaleceu a sua resolução de abastecer-se junto a fabricantes chineses. O deixar de ter acesso ao sistema operacional Android, da Google, levou a Huawei a adoptar um sistema operacional chinês chamado Hongmeng. O chip Kunpeng 920 poderia substituir os chips importados.
Em 2015, o presidente da China, Xi Jinping, lançou um programa chamado Made in China 2025, o qual insta as empresas chinesas a utilizarem material chinês tanto quanto possível. A proibição de Trump das vendas à Huawei apenas acelerou o impulso da empresa para a compra dentro da China. Temores de mais proibições e guerras tarifárias levaram até mesmo líderes corporativos mais moderados – como Ren Zhengfei e Jack Ma – a adoptarem uma linguagem de independência tecnológica.
Então, inopinadamente, Trump retirou seu assalto à Huawei. Na cimeira do G20 deste ano, em Osaka, Trump disse que as empresas americanas podem vender à Huawei. Trump anteriormente já havia retirado a proibição da venda de mercadorias a outra empresa chinesa, a ZTE. Este exemplo mostrou que ele não demoraria a desistir do seu combate contra a Huawei.
Luta sobre o 5G
A próxima geração de tecnologia sem fio de alta velocidade – a 5G – é actualmente dominada pela Huawei, com a Ericsson da Suécia e a Nokia, da Finlândia bem atrás. Nenhuma empresa dos EUA está próxima destas três na produção da tecnologia 5G.
Em Abril, o Defense Innovation Board do governo dos EUA divulgou um relatório em que observava: "O líder do 5G deve ganhar centenas de milhares de milhões de dólares em receitas ao longo da próxima década, com ampla geração de empregos em todo o sector da tecnologia sem fio. O 5G tem o potencial para revolucionar também outras indústrias, pois tecnologias como a dos veículos autónomos obterão enormes benefícios com a maior e mais rápida transferência de dados. O 5G também reforçará a Internet das Coisas ao aumentar a quantidade e a velocidade do fluxo de dados entre dispositivos múltiplos, podendo mesmo substituir a espinha dorsal (backbone) de fibra óptica de que dependem tantos produtos domésticos. O país que possui o 5G possuirá muitas destas inovações e estabelecerá os padrões para o resto do mundo. Pelas razões que se seguem, este país provavelmente não será os Estados Unidos".
Como as empresas americanas são incapazes de fabricar o equipamento actualmente produzido pela Huawei e outros, apenas 11,6% da população dos EUA é coberta pelo 5G. Não há indicação de que a AT&T e a Verizon sejam capazes de fabricar com rapidez suficiente o tipo de transmissores necessários para o novo sistema tecnológico.
A erosão das empresas americanas no sector de telecomunicações pode ser atribuída directamente à desregulamentação da indústria pela Lei de Telecomunicações de 1996. Muitas empresas combatiam para ganhar fatias de mercado, com diferentes padrões móveis e planos de operadoras com diferentes configurações que dificultavam aos consumidores a mudança de empresa. Este mercado fragmentado significou que nenhuma empresa fez os investimentos necessários para a geração seguinte. Isto quer dizer que as empresas americanas estão numa grave desvantagem no que se refere à próxima geração de tecnologia.
O avanço rápido da Huawei e das empresas europeias ameaça tanto as empresas de tecnologia dos EUA, em particular, quanto a economia dos EUA, em geral. Nas últimas décadas, estas empresas de tecnologia estado-unidenses tornaram-se os principais investidores na economia dos EUA e os motores do seu crescimento. Se estas firmas falharem perante empresas como a Huawei, então a economia dos EUA começará a cambalear.
A guerra de Trump contra a Huawei não é tão irracional quanto parece. Sua administração – como outras antes – tem utilizado tanta pressão política quanto possível para restringir o crescimento de tecnologia na China. Acusações de roubo de propriedade intelectual e de laços estreitos entre as empresas e os militares chineses têm o objectivo de desviar clientes de produtos chineses. Estas acusações certamente prejudicaram a marca da Huawei, mas é improvável que destruam a sua capacidade de se expandir por todo o mundo.
A Huawei afirma que dois terços das redes 5G fora da China utilizam seus produtos.
Até mesmo o Reino Unido – um firme aliado dos EUA – decidiu em segredo permitir que a Huawei ajudasse a construir a rede 5G do Reino Unido. Quando o secretário de Defesa Gavin Williamson supostamente deixou escapar a notícia de que o Conselho de Segurança Nacional do Reino Unido tomara esta decisão, foi demitido do gabinete. Os avanços tecnológicos da Huawei são maiores que a tagarelice acerca de ameaças à segurança e roubo de propriedade intelectual. Todas as quatro maiores redes móveis do Reino Unido já utilizam equipamento Huawei.
É provável que a administração de Trump venha a retirar seu pedido de que a China extradite Meng Wanzhou. Em Dezembro, Trump disse que se considerar bom para os Estados Unidos, então intervirá junto ao Departamento de Justiça dos EUA para não continuar mais com a extradição. Esta declaração – feita à Reuters – sugere que Trump não está comprometido em usar a familiar pressão contra a Huawei. Isto sugere que Trump agora percebe que pode tentar torcer o braço de Ren Zhengfei o máximo possível, mas é improvável que a Huawei e a China cedam. Eles têm a vantagem.
Em Maio, Trump perseguiu a Huawei, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. O ataque desta vez não foi por motivos económicos. Trump acusou a Huawei de ser um braço de espionagem do governo chinês. Empresas dos Estados Unidos que forneciam software e chips à Huawei já não teriam permissão para fazê-lo. Os diplomatas de Trump puseram-se a caminho a fim de forçar os aliados dos EUA a deixarem de usar a tecnologia da Huawei nos seus países. A pressão sobre a China resultou na prisão de Meng Wanzhou, directora financeira da Huawei, com acusações de fraude bancária e electrónica quanto às sanções dos EUA contra o Irão. Meng Wanzhou é filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei.
Huawei
Tal como muitas empresas chinesas, a Huawei começou em 1987 com um objectivo modesto – fabricar comutadores telefónicos para empresas de telecomunicações. Então, gradualmente, emergiu como a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações – ultrapassando a multinacional sueca Ericsson – e o segundo maior fabricante de smartphones – logo atrás da multinacional sul-coreana Samsung. Actualmente é uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, com receitas anuais de mais de US$200 mil milhões.
A perda súbita de 1200 fornecedores nos EUA afectou a Huawei. Um quarto dos componentes dos sistemas da Huawei vem desses fornecedores. Estas empresas americanas perderam US$11 mil milhões por ano, mas a Huawei perdeu o acesso imediato a peças chave. Ren Zhengfei parecia tranquilo, dizendo que o ataque de Trump à sua empresa só fortaleceu a sua resolução de abastecer-se junto a fabricantes chineses. O deixar de ter acesso ao sistema operacional Android, da Google, levou a Huawei a adoptar um sistema operacional chinês chamado Hongmeng. O chip Kunpeng 920 poderia substituir os chips importados.
Em 2015, o presidente da China, Xi Jinping, lançou um programa chamado Made in China 2025, o qual insta as empresas chinesas a utilizarem material chinês tanto quanto possível. A proibição de Trump das vendas à Huawei apenas acelerou o impulso da empresa para a compra dentro da China. Temores de mais proibições e guerras tarifárias levaram até mesmo líderes corporativos mais moderados – como Ren Zhengfei e Jack Ma – a adoptarem uma linguagem de independência tecnológica.
Então, inopinadamente, Trump retirou seu assalto à Huawei. Na cimeira do G20 deste ano, em Osaka, Trump disse que as empresas americanas podem vender à Huawei. Trump anteriormente já havia retirado a proibição da venda de mercadorias a outra empresa chinesa, a ZTE. Este exemplo mostrou que ele não demoraria a desistir do seu combate contra a Huawei.
Luta sobre o 5G
A próxima geração de tecnologia sem fio de alta velocidade – a 5G – é actualmente dominada pela Huawei, com a Ericsson da Suécia e a Nokia, da Finlândia bem atrás. Nenhuma empresa dos EUA está próxima destas três na produção da tecnologia 5G.
Em Abril, o Defense Innovation Board do governo dos EUA divulgou um relatório em que observava: "O líder do 5G deve ganhar centenas de milhares de milhões de dólares em receitas ao longo da próxima década, com ampla geração de empregos em todo o sector da tecnologia sem fio. O 5G tem o potencial para revolucionar também outras indústrias, pois tecnologias como a dos veículos autónomos obterão enormes benefícios com a maior e mais rápida transferência de dados. O 5G também reforçará a Internet das Coisas ao aumentar a quantidade e a velocidade do fluxo de dados entre dispositivos múltiplos, podendo mesmo substituir a espinha dorsal (backbone) de fibra óptica de que dependem tantos produtos domésticos. O país que possui o 5G possuirá muitas destas inovações e estabelecerá os padrões para o resto do mundo. Pelas razões que se seguem, este país provavelmente não será os Estados Unidos".
Como as empresas americanas são incapazes de fabricar o equipamento actualmente produzido pela Huawei e outros, apenas 11,6% da população dos EUA é coberta pelo 5G. Não há indicação de que a AT&T e a Verizon sejam capazes de fabricar com rapidez suficiente o tipo de transmissores necessários para o novo sistema tecnológico.
A erosão das empresas americanas no sector de telecomunicações pode ser atribuída directamente à desregulamentação da indústria pela Lei de Telecomunicações de 1996. Muitas empresas combatiam para ganhar fatias de mercado, com diferentes padrões móveis e planos de operadoras com diferentes configurações que dificultavam aos consumidores a mudança de empresa. Este mercado fragmentado significou que nenhuma empresa fez os investimentos necessários para a geração seguinte. Isto quer dizer que as empresas americanas estão numa grave desvantagem no que se refere à próxima geração de tecnologia.
O avanço rápido da Huawei e das empresas europeias ameaça tanto as empresas de tecnologia dos EUA, em particular, quanto a economia dos EUA, em geral. Nas últimas décadas, estas empresas de tecnologia estado-unidenses tornaram-se os principais investidores na economia dos EUA e os motores do seu crescimento. Se estas firmas falharem perante empresas como a Huawei, então a economia dos EUA começará a cambalear.
A guerra de Trump contra a Huawei não é tão irracional quanto parece. Sua administração – como outras antes – tem utilizado tanta pressão política quanto possível para restringir o crescimento de tecnologia na China. Acusações de roubo de propriedade intelectual e de laços estreitos entre as empresas e os militares chineses têm o objectivo de desviar clientes de produtos chineses. Estas acusações certamente prejudicaram a marca da Huawei, mas é improvável que destruam a sua capacidade de se expandir por todo o mundo.
A Huawei afirma que dois terços das redes 5G fora da China utilizam seus produtos.
Até mesmo o Reino Unido – um firme aliado dos EUA – decidiu em segredo permitir que a Huawei ajudasse a construir a rede 5G do Reino Unido. Quando o secretário de Defesa Gavin Williamson supostamente deixou escapar a notícia de que o Conselho de Segurança Nacional do Reino Unido tomara esta decisão, foi demitido do gabinete. Os avanços tecnológicos da Huawei são maiores que a tagarelice acerca de ameaças à segurança e roubo de propriedade intelectual. Todas as quatro maiores redes móveis do Reino Unido já utilizam equipamento Huawei.
É provável que a administração de Trump venha a retirar seu pedido de que a China extradite Meng Wanzhou. Em Dezembro, Trump disse que se considerar bom para os Estados Unidos, então intervirá junto ao Departamento de Justiça dos EUA para não continuar mais com a extradição. Esta declaração – feita à Reuters – sugere que Trump não está comprometido em usar a familiar pressão contra a Huawei. Isto sugere que Trump agora percebe que pode tentar torcer o braço de Ren Zhengfei o máximo possível, mas é improvável que a Huawei e a China cedam. Eles têm a vantagem.
09/Julho/2019
[*] Historiador,
editor e jornalista indiano. É o redactor-chefe da Globetrotter ,
um projecto do Independent Media Institute; editor-chefe da LeftWord Books e
director do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais
de vinte livros, incluindo The Darker Nations: A People's History of the Third World (The
New Press, 2007), The Poorer Nations: A Possible History of the Global South (Verso,
2013), The Death of the Nation and the Future of the Arab Revolution (University
of California Press, 2016) and Red Star Over the Third World (LeftWord, 2017).
Colabora regularmente com Frontline, the Hindu, Newsclick, AlterNet and
BirGün.
O original encontra-se em mronline.org/2019/07/09/why-trump-caved-to-china-and-huawei/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
O original encontra-se em mronline.org/2019/07/09/why-trump-caved-to-china-and-huawei/
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