Para o PAN não é contraditório
que o seu deputado na Assembleia da República intervenha contra os políticos,
declarando que o regime falhou, como se ele mesmo não fosse um político em
exercício.
Manuel Augusto
Araújo | AbrilAbril | opinião
Nas eleições europeias surgiu em
Portugal uma nova estrela: o PAN. Um inegável sucesso que, sem ser uma novidade
no panorama político internacional, é um sério aviso de como o populismo faz e
multiplica os seus caminhos num arco-íris plural e muito dispare de
variadíssimas identidades que, desde algumas décadas, tem feito caminho por
esse mundo fora. Um erro vulgar é associar os movimentos populistas à direita
só porque ser essa a área onde têm adquirido mais visibilidade e angariado
maior apoio popular. Há um populismo de esquerda que gera dividendos, como se
viu nas últimas eleições europeias.
O que todos eles, de direita ou
de esquerda, utilizam com uma desarmante facilidade e um êxito inquietante é
oferecerem a solução para qualquer questão, por mais complexa que seja, em duas
sonantes frases que se multiplicam, sobretudo nas redes sociais, angariando
likes e emojis, sem que ninguém ou quase ninguém se preocupe em as escrutinar.
Exploram com eficácia o grau zero social, que um consumismo desenfreado comunicacional
e cultural foi instalando nas sociedades, uniformizando-as.
De Trump a Duterte, do 5 Estrelas
a Bolsonaro, é uma lista em crescimento de todos diferentes mas todos com um
inquietante traço comum que, simplificadamente, com os problemas que todas as
simplificações acarretam, não apontam para a questão nuclear – a desenfreada
exploração capitalista – e acabam por colocar em causa séculos de luta pela
conquista de direitos sociais e políticos. Na superfície, por vezes, até
parecem estar em campos antagónicos, aparentemente inconciliáveis nalgumas
questões centrais para o futuro do nosso planeta como, para só citar uma, as
questões ambientais, o que ilude a sua essência e os faz recrutar prosélitos
nos mais diversos campos.
Uns utilizam partidos que fazem
parte dos regimes políticos que estão no terreno. Outros fazem profissões de fé
anti-regime afirmando-se contra os partidos tradicionais enquanto se organizam
tal qual os partidos tradicionais, travestindo as suas estruturas para mimarem
ser diferentes. Outros proclamam-se como não sendo de direita nem de esquerda,
intitulam-se partidos de causas. Uma falácia velha e relha que tem desde sempre
conquistado adeptos. A raiz mais comum do seu argumentário é a de libertarem as
sociedades do seu viés ideológico vulgar aproveitando habilmente o descrédito
da política e dos políticos junto das populações.
Muitos, como por cá o PAN,
afiançam não ter ideologia, chegam mesmo a negar as ideologias com a mesma
convicção com que São Pedro negou Cristo sem que isso o impedisse de ser o
fundador da Igreja Católica e primeiro bispo de Roma, como se isso não fosse em
si mesmo uma ideologia das mais retrógradas e reaccionárias. Têm a seu favor,
com largos benefícios, os media mercenários ao serviço do pensamento dominante
totalitário. Usam sem freio nem rédeas as redes sociais onde o idiota de aldeia
se torna um sábio, na feliz síntese de Umberto Eco. A torto e a direito referem
«regime», «sistema» e outras expressões usadas no discurso populista,
expressões ambíguas que sugerem que é a democracia que gera a corrupção.
Na realidade são partidos
apoiados e financiados, de forma directa ou indirecta, pelo sistema. Veja-se o
esfalfado carinho que lhes é dedicado pelos media dominados pela
plutocracia. Para esses partidos a política é um objecto de consumo. Os
programas políticos são substituídos pelo marketing. Não se lhes pode negar o
êxito.
O PAN lê com contumácia a
cartilha dos populistas que soletram ideologia como se fosse uma blasfémia que
separa as águas entre políticas. Uma rejeição que é o casulo de uma das mais
perigosas ideologias estrumadas pelo corporativismo anti-regime. Ideologia que
camaleonicamente se sabe adaptar aos tempos saltando ao eixo do totalitarismo
para a democracia sem sair dos limites da cama elástica. O PAN, com a sua
reclamada a-ideologia, tende a conglomerar sectores muito diversificados de
muitos desiludidos, de muitos bem intencionados que se deslumbram com a árvore
sem ver a floresta – e também de não poucos oportunistas.
Para o PAN não é contraditório
que o seu deputado na Assembleia da República intervenha declarando que o
regime falhou, o mesmo regime que lhe possibilitou ser eleito, fazendo
intervenções contra a AR como se estivesse fora da AR, contra os políticos como
se ele não fosse um político exercendo um cargo político.
O PAN cavalga as causas que estão
mais na moda, no que está bem acompanhado por outros cruzados nessa maratona de
captar votos em que o Bloco de Esquerda é o seu mais directo concorrente e com
quem aprendeu alguns truques. Rapidamente assimilou como se apresentar como
líder de iniciativas que não lideraram para na opinião pública aparecerem como
os campeões de acções que nos últimos anos têm beneficiado os portugueses
revertendo as políticas de direitas que desde o primeiro governo constitucional
têm sido postas em prática. Muitas dessas lutas iniciaram-se ainda antes de
eles existirem. Essas e outras acções tiram-nas da cartola com habilidade mandrake para
as apresentar como novidade encabeçada por eles. Rapam o fundo do tacho do
ruído da hipercomunicação afinada pelo pensamento dominante, que desveladamente
os acarinha por saberem bem de mais que não põem em causa o sistema, por muito
que o arranhem.
Começou por se apresentar como o
partido do amor louco pelos animais (declaração de interesses: tenho um gato
sobre-dotado que olha desconfiadamente para o PAN com os olhos do gato da
gravura do Goya «O Sono da Razão produz Monstros») e rapidamente absorveu outras
causas para extrair lucros especulativos.
Na agricultura defende a
agricultura biológica abstractamente pela sua imagem pública e sem a mínima
preocupação na necessidade e até urgência em a repensar cientificamente, porque
no seu estado actual exige mais terra, segundo estudos recentes entre 25% a
110%, para produzir a mesma quantidade de alimentos, o que coloca em causa os
ecossistemas sem estar demonstrado que produzam alimentos mais nutritivos. Isso
pouco lhe interessa, como pouco lhe interessa que na agricultura biológica também se utilizem pesticidas tão
tóxicos como os utilizados na agricultura convencional. O que conta é a
repercussão que podem obter com a imagem saudável da agricultura biológica.
Sublinhe-se que não se lhe
conhece uma única intervenção consistente sobre a política agrícola da PAC, que
tem destruído sem contemplações o tecido agrícola nacional, permite culturas
agressivas como as dos eucaliptais ou dos olivais intensivos, com a desafectação
de terrenos agrícolas para especulação imobiliária turística, com a política da
água e dos rios, com a pecuária, com todas essas ameaças não só ao mundo rural
mas ao ambiente, eles que agora se vestem de verde ecológico reconvertendo-se
em partido ambientalista porque isso está a render.
Defende as Terapias Alternativas,
propondo mesmo que sejam incluídas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o que
agravaria os já graves problemas orçamentais do SNS. Nem sequer se demarcam dos
terapeutas alternativos que promovem o medo relativamente ao Plano Nacional de
Vacinação. Nem querem saber dos estudos científicos sobre os benefícios ou a
eficácia das Terapias Alternativas em confronto com outros tratamentos médicos.
O que lhes interessa é o rufar dos tambores do limbo a-científico das redes
sociais onde é consumida em grandes doses a quimicofobia sem critérios de
avaliação que se devem usar – e cada vez mais rigorosos – sobre os tratamentos
com fármacos.
É o populismo sem fronteiras que
aplica noutras áreas como a investigação animal, questões energéticas, pecuária
e alimentação, atirando a alvos fáceis de conquistarem aderentes como a caça ou
as touradas (declaração de interesses: nunca cacei nem com uma fisga nem nunca
assisti, nem sequer pela televisão, a uma tourada, contra os gostos de Lorca,
Picasso ou Hemingway, que muito aprecio).
Agora andam a apanhar beatas com
um furor tal que só lhes falta propor que se organizem operações stop para
criminalizar os detentores de instrumentos de fumo que não sejam detentores de
cinzeiros portáteis, já agora licenciados e sujeitos a imposto como no tempo do
Estado Novo eram objecto os isqueiros (declaração de interesses: sou fumador,
mea culpa, já devo ter plantado beatas no chão e tenho até beatas de estimação
– mas essas são as cantadas por Jacques Brel).
Para esses ambientalistas é como
se o gás mais relevante no efeito de estufa fosse o CO2 sem referir o metano
(CH4), 60 vezes superior ao do dióxido de carbono e o óxido nitroso (N2O) quase
300 vezes superior, que a agricultura intensiva seja responsável por 25% das
emissões de CO2, 60% de metano, 80% do óxido nitroso. A grande diferença é que
o CO2 é essencial para a existência de vida na Terra, os outros são tóxicos,
poluentes e agressivos.
Centrar a problemática das
alterações climáticas na descabornização e nesse quadro na mobilidade
eléctrica, leia-se automóveis ligeiros, quando circulam milhões de veículos
pesados pelas estradas de todo o mundo, quando menos de metade dos navios de
cruzeiro que aportam a Portugal têm um peso muitíssimo maior nas emissões de
CO2 que toda a circulação automóvel, ou quando se atira para debaixo do tapete
o comércio das cotas de carbono que afectam o desenvolvimento de 75% dos países
subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, que só são responsáveis por 10%
das emissões de CO2, é demagogia barata alinhada com os discursos (bem pagos!)
género algores & obama sarl, com as variantes paroquiais guterres e os
alarmes da jovem Greta Thunberg.
Alarmes justos, que só interessam
aos pan’s pela repercussão mediática e pela mobilização de jovens que fomentou,
o que explica, sem ser necessário recorrer a explicadores, o PAN ter proposto
na AR uma revisão constitucional extraordinária para consagrar o direito de
voto aos cidadãos maiores de 16 anos, com o argumento do combate à abstenção. É
um tema que evidentemente merece discussão, até porque aos 16 anos um jovem
português já pode trabalhar, pagar impostos e descontar; já pode receber um
salário e administrar o que daí advier; já pode casar, mesmo que, em princípio,
com autorização parental; já pode perfilhar; ser responsabilizado
criminalmente; já pode pedir a mudança da menção de sexo no registo civil e
alterar o nome; já pode interromper a gravidez, sem precisar de autorização
parental, na escola já teve de fazer escolhas sobre o seu futuro. Não são essas
as razões que moveram o PAN, não é isso o que lhe interessa debater. O
objectivo é a pesca de arrasto nas águas abertas por uma ecologia de superfície
que vulgarmente se classifica de ambientalista e que não é uma ecologia
profunda, como bem expôs António Guerreiro num texto no Ípsilon,
e a agitação juvenil que provoca.
A degradação ambiental e
ecológica soma décadas sobre décadas e as políticas agrícolas, o
(des)ordenamento dos territórios para ela muito têm contribuído. Agora anda a
reboque de sensacionalismos polarizados na mediatização da descarbornização
desde que continue enquadrada nos interesses das multinacionais. É essa a
agenda dos acordos de Paris com uma metalinguagem que não age sobre as causas
mas somente nos efeitos. Mas é o que está a dar dividendos eleitorais para
os partidos de geração pan. Sopram as trombetas que os anunciam à entrada das
galerias dos famosos, colam cartazes de grande formato «A Nossa Ideologia é a
Ecologia» a concorrer com «Não há Planeta B».
Descobriram em passo de corrida,
as eleições estão à porta, uma ideologia a rimar tonycarreiramente com
ecologia. Sabem bem que às muitas intervenções do Partido Ecologista os Verdes
(PEV) sobre questões ambientais e alterações climáticas os media dizem nada,
faça-se uma estatística dos minutos que o PEV dedicou a esse tema na AR e as
notícias editadas para se verificar essa realidade, enquanto para eles basta um
pestanejar, um bater de orelhas para logo irem parar às ondas mediáticas. O PAN
não se perde. Na cozinha tem uma boa reserva de fermento para fazer crescer
votos. Já anda a pedalar activamente pelas ruas nas manifs, não as dos
trabalhadores evidentemente, das que se coleccionam imagens nas televisões para
multiplicar os andrésilvas que em muitas intervenções, nem todas faça-se justiça,
responde de forma a-científica, a-tecnológica e popularucha às sérias
ansiedades ambientais da população que não se resolvem com demagogias que não
atacam o fundo das questões.
Para PAN mascarado de
ambientalista, PUM! Para o populismo rasca do PAN, PIM!
Vídeo: Jacques Brel: Les Bigotes
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