domingo, 21 de julho de 2019

"Sistema nacional de saúde da Guiné-Bissau está doente"


Relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos apresenta um quadro negro do sistema de saúde, com corrupção à mistura. Falta tudo, desde orçamento a equipamento e fiscalização.

Um estudo apresentado em Bissau, na quinta-feira(18.07), pela Liga Guineense dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau mostra que o sistema nacional de saúde do país está doente, quase inoperante, ineficaz e pouco transparente, onde os doentes são obrigados a comprarem tudo para serem assistidos nos centros de saúde públicos, com equipamentos obsoletos. A Liga fala ainda em corrupção no processo de junta médica.

O país regista uma das mais elevadas taxas de mortalidade materna e neonatal da sub-região oeste africana, refere o relatório sobre o Direito à Saúde. O documento, produzido em 2018 e apresentado nesta quinta-feira pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, relata disfuncionamento do sistema de saúde, que contribui decisivamente para o agravar dos problemas no acesso e a qualidade do serviço de saúde prestado aos guineenses, disse o presidente da Liga, Augusto Mário da Silva.

"O disfuncionamento do nosso sistema de saúde começa desde logo com a insignificante dotação orçamental afecta a este setor estratégico, passando pela insuficiência dos recursos humanos em termos qualitativos e quantitativos, pela degradante situação das infraestruturas e dos equipamentos devido à falta de manutenção adequada, pela repartição desigual dos recursos disponíveis, venda no mercado farmacêutico nacional de medicamentos de origem duvidosa, bem como pela ausência de mecanismos de controle da atuação dos profissionais que intervém no sector", lê-se no documento apresentado em Bissau.

O relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos sobre o direito à saúde constatou que, mesmo como os apoios internacionais, os programas nacionais de combate às doenças, como a malária e o HIV/SIDA, apresentam falhas graves e que as respostas que têm sido apresentadas à população não são adequadas.

Os profissionais de saúde são acusados de fazer o mínimo possível para salvar a vida, de enraizar a cultura do improviso e de abdicar da cultura de excelência. A isto acresce uma cultura institucional pouco colaborativa em que os médicos se sabotam ou trabalham uns contra os outros.




Corrupção na junta médica

O relatório refere ainda um baixo nível de fiscalização, fraca capacidade de gestão nos hospitais e uma falta de transparência nos centros de saúde. E sublinha a corrupção no processo de atribuição de junta médica, em que os doentes ficam na Guiné-Bissau e os candidatos à imigração são contemplados.

Ainda de acordo com o diagnóstico apresentado pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, o sistema de saúde guineense não tem mínimas condições de resposta às catástrofes naturais ou epidemias. Na longa lista de problemas estão também a deficiente cobertura dos serviços de cuidados primários de saúde, insuficiência ou quase ausência de meios de diagnósticos e outros equipamentos médicos indispensáveis, diz o relatório apresentado por Augusto Mário da Silva.

"A tudo isso, se associam o disfuncionamento da inspeção sanitária, excessiva dependência de apoios do exterior para o funcionamento de rotina, ausência de um mecanismo legal e institucional de integração e coordenação do sector privado e de medicina tradicional, implantação anárquica de postos inaquados de tratamento médico, aquisição e introdução de medicamentos no mercado sem qualquer mecanismo rigoroso de controlo de qualidade, enfim, o Sistema Nacional de Saúde Guineense está doente", referiu.

Doentes compram até fios de sutura

Na Guiné-Bissau, segundo o relatório, o cidadão comum é obrigado a comprar até as luvas que o médico usa para ser assistido no hospital público. E no interior do país, onde vivem guineenses mais pobres, a situação é ainda pior. Em todos os hospitais e centros de saúde, a Liga encontrou falta de meios ou equipamentos de diagnóstico obsoletos, citando o caso do tratamento do cancro para realçar a inexistência de um modelo de despiste atempado, o que leva à morte muitos doentes que podiam ser salvos.

"Em nome do Estado Social de Direito que a Guiné-Bissau proclama formalmente, é totalmente inaceitável que os utentes do nosso sistema nacional de saúde, na sua maioria em situação de extrema pobreza, continuem a custear diretamente do seu bolso a aquisição de materiais básicos de tratamento médico nomeadamente, sondas, agulhas, cateteres, Mascaras de proteção facial, soros fisiológicos, água oxigenada, lâminas de cirurgias, luvas e até fios de sutura, com o agravante de nas regiões as populações serem obrigadas a arcar com os custos de evacuação de doentes que oscilam entre 50 e 150 mil francos CFA" revelou o estudo sobre o estado da saúde guineense.

O documento mostra que não há uma visão e vontade política dos sucessivos Governos, o que por si só evidencia a existência de uma rede de interesses obscuros que impede a efetivação de um serviço nacional de saúde eficiente e eficaz. Fato que transforma os estabelecimentos hospitalares em autenticas unidades de cuidados paliativos, e que também constitui um perigo enorme para a vida dos profissionais de saúde. Além de defender que estas falhas e faltas apontadas devem ser suprimidas, a Liga Guineense dos Direitos Humanos exorta o novo Governo a aumentar a dotação do Orçamento Geral do Estado para o setor da saúde, construir mais centros de assistência médica e, ainda, a aumentar a fiscalização da atividade sanitária, no sentido de garantir maior responsabilização dos agentes do setor.

Inverter o cenário

Na sua curta declaração aos jornalistas, a nova ministra da saúde guineense, Magda Nely Robalo Silva, avisa que a Guiné-Bissau está ainda longe de grandes progressos no sector: "Nós vamos precisar de bastante tempo para atingirmos o nível de qualidade de servições que respeite a dignidade de cada guineense, que nos façam sentir cidadãos de primeira categoria, que nos façam não ter medido de adoecer durante a noite e de ter que ir a um serviço de saúde porque sabemos que vamos estar em boas mãos. Nós ainda estamos longe disso", disse.

Para inverter a tendência, Magda Silva avisa que é preciso que todos os atores do sistema da Saúde assumam as suas responsabilidades e reconheçam que têm poder sobre a vida das pessoas. O desafio, segundo a ministra, é fazer com que as pessoas voltem a confiar no sistema de saúde guineense e uma maior consciencialização nos cuidados de saúde. Primeira mulher a dirigir o departamento de luta contra doenças transmissíveis e o programa de luta contra o paludismo (malária) na região africana da OMS, Magda Robalo espera que seja possível aumentar o nível técnico, tanto em termos de diagnóstico como de tratamento no país, dentro de quatro anos e desta forma reduzir a ida de doentes para o estrangeiro.

Magda pretende continuar a cooperação, alargar o leque de parceiros, tanto nacionais como internacionais, mas melhorar a capacidade de absorção de ajudas, melhorar a imagem do país e ainda prestar contas aos parceiros.

Braima Darame | Deutsche Welle

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