Relatório da Liga Guineense dos
Direitos Humanos apresenta um quadro negro do sistema de saúde, com corrupção à
mistura. Falta tudo, desde orçamento a equipamento e fiscalização.
Um estudo apresentado em Bissau,
na quinta-feira(18.07), pela Liga Guineense dos Direitos Humanos da
Guiné-Bissau mostra que o sistema nacional de saúde do país está doente, quase
inoperante, ineficaz e pouco transparente, onde os doentes são obrigados a
comprarem tudo para serem assistidos nos centros de saúde públicos,
com equipamentos obsoletos. A Liga fala ainda em corrupção no processo de
junta médica.
O país regista uma das mais
elevadas taxas de mortalidade materna e neonatal da sub-região oeste africana,
refere o relatório sobre o Direito à Saúde. O documento, produzido em 2018 e
apresentado nesta quinta-feira pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, relata
disfuncionamento do sistema de saúde, que contribui decisivamente para o
agravar dos problemas no acesso e a qualidade do serviço de saúde prestado aos
guineenses, disse o presidente da Liga, Augusto Mário da Silva.
"O disfuncionamento do nosso
sistema de saúde começa desde logo com a insignificante dotação orçamental
afecta a este setor estratégico, passando pela insuficiência dos recursos
humanos em termos qualitativos e quantitativos, pela degradante situação das
infraestruturas e dos equipamentos devido à falta de manutenção adequada, pela
repartição desigual dos recursos disponíveis, venda no mercado farmacêutico
nacional de medicamentos de origem duvidosa, bem como pela ausência de
mecanismos de controle da atuação dos profissionais que intervém no
sector", lê-se no documento apresentado em Bissau.
O relatório da Liga Guineense dos
Direitos Humanos sobre o direito à saúde constatou que, mesmo como os apoios
internacionais, os programas nacionais de combate às doenças, como a malária e
o HIV/SIDA, apresentam falhas graves e que as respostas que têm sido
apresentadas à população não são adequadas.
Os profissionais de saúde são
acusados de fazer o mínimo possível para salvar a vida, de enraizar a cultura
do improviso e de abdicar da cultura de excelência. A isto acresce uma cultura
institucional pouco colaborativa em que os médicos se sabotam ou trabalham uns
contra os outros.
Corrupção na junta médica
O relatório refere ainda um baixo
nível de fiscalização, fraca capacidade de gestão nos hospitais e uma falta de
transparência nos centros de saúde. E sublinha a corrupção no processo de
atribuição de junta médica, em que os doentes ficam na Guiné-Bissau e os
candidatos à imigração são contemplados.
Ainda de acordo com o diagnóstico
apresentado pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, o sistema de saúde
guineense não tem mínimas condições de resposta às catástrofes naturais ou
epidemias. Na longa lista de problemas estão também a deficiente cobertura dos
serviços de cuidados primários de saúde, insuficiência ou quase ausência de
meios de diagnósticos e outros equipamentos médicos indispensáveis, diz o
relatório apresentado por Augusto Mário da Silva.
"A tudo isso, se associam o
disfuncionamento da inspeção sanitária, excessiva dependência de apoios do
exterior para o funcionamento de rotina, ausência de um mecanismo legal e
institucional de integração e coordenação do sector privado e de medicina
tradicional, implantação anárquica de postos inaquados de tratamento médico,
aquisição e introdução de medicamentos no mercado sem qualquer mecanismo
rigoroso de controlo de qualidade, enfim, o Sistema Nacional de Saúde Guineense
está doente", referiu.
Doentes compram até fios de
sutura
Na Guiné-Bissau, segundo o
relatório, o cidadão comum é obrigado a comprar até as luvas que o médico usa
para ser assistido no hospital público. E no interior do país, onde vivem
guineenses mais pobres, a situação é ainda pior. Em todos os hospitais e
centros de saúde, a Liga encontrou falta de meios ou equipamentos de
diagnóstico obsoletos, citando o caso do tratamento do cancro para realçar a
inexistência de um modelo de despiste atempado, o que leva à morte muitos
doentes que podiam ser salvos.
"Em nome do Estado Social de
Direito que a Guiné-Bissau proclama formalmente, é totalmente inaceitável que
os utentes do nosso sistema nacional de saúde, na sua maioria em situação de
extrema pobreza, continuem a custear diretamente do seu bolso a aquisição de
materiais básicos de tratamento médico nomeadamente, sondas, agulhas,
cateteres, Mascaras de proteção facial, soros fisiológicos, água oxigenada,
lâminas de cirurgias, luvas e até fios de sutura, com o agravante de nas
regiões as populações serem obrigadas a arcar com os custos de evacuação de
doentes que oscilam entre 50 e 150 mil francos CFA" revelou o estudo
sobre o estado da saúde guineense.
O documento mostra que não há uma
visão e vontade política dos sucessivos Governos, o que por si só evidencia a
existência de uma rede de interesses obscuros que impede a efetivação de um
serviço nacional de saúde eficiente e eficaz. Fato que transforma os
estabelecimentos hospitalares em autenticas unidades de cuidados paliativos, e
que também constitui um perigo enorme para a vida dos profissionais de
saúde. Além de defender que estas falhas e faltas apontadas devem ser
suprimidas, a Liga Guineense dos Direitos Humanos exorta o novo Governo a
aumentar a dotação do Orçamento Geral do Estado para o setor da saúde,
construir mais centros de assistência médica e, ainda, a aumentar a
fiscalização da atividade sanitária, no sentido de garantir maior
responsabilização dos agentes do setor.
Inverter o cenário
Na sua curta declaração aos
jornalistas, a nova ministra da saúde guineense, Magda Nely Robalo Silva, avisa
que a Guiné-Bissau está ainda longe de grandes progressos no sector: "Nós
vamos precisar de bastante tempo para atingirmos o nível de qualidade de servições
que respeite a dignidade de cada guineense, que nos façam sentir cidadãos de
primeira categoria, que nos façam não ter medido de adoecer durante a noite e
de ter que ir a um serviço de saúde porque sabemos que vamos estar em boas
mãos. Nós ainda estamos longe disso", disse.
Para inverter a tendência, Magda
Silva avisa que é preciso que todos os atores do sistema da Saúde assumam as
suas responsabilidades e reconheçam que têm poder sobre a vida das pessoas. O
desafio, segundo a ministra, é fazer com que as pessoas voltem a confiar no
sistema de saúde guineense e uma maior consciencialização nos cuidados de
saúde. Primeira mulher a dirigir o departamento de luta contra doenças
transmissíveis e o programa de luta contra o paludismo (malária) na região africana
da OMS, Magda Robalo espera que seja possível aumentar o nível técnico, tanto
em termos de diagnóstico como de tratamento no país, dentro de quatro anos e
desta forma reduzir a ida de doentes para o estrangeiro.
Magda pretende continuar a
cooperação, alargar o leque de parceiros, tanto nacionais como internacionais,
mas melhorar a capacidade de absorção de ajudas, melhorar a imagem do país e
ainda prestar contas aos parceiros.
Braima Darame | Deutsche Welle
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