Manuel Carvalho Da
Silva * | Jornal de Noticias | opinião
O INE divulgou há dias uma
atualização das Contas Nacionais. Embora a atenção, inclusive na campanha
eleitoral, tenha incidido sobre a revisão em alta, dos valores do Produto
Interno Bruto (PIB) dos últimos anos, há, nas contas nacionais, outros aspetos
bem mais relevantes que umas décimas a mais ou a menos no PIB. Um deles diz
respeito ao investimento, ou à falta dele.
Desde 1995, nunca como nos
últimos anos, o investimento foi tão reduzido em Portugal. Em 1995, 23% do PIB
era dedicado a investimento, em 2014 afundou-se nos 15%, entretanto registou-se
uma pequena recuperação, mas em 2018 é ainda, cerca de 18%. Ao mesmo tempo,
nunca o peso da remuneração do capital no PIB foi tão elevado: 41% em 1995, em
2018 48%, depois de ter batido um infame recorde de 49% em 2016.
Como é isto possível? Uma fatia
maior da riqueza produzida ir para o capital e uma parte menor da mesma riqueza
para investimento? Então não é suposto serem precisos mais lucros para haver
mais investimento?
O que as Contas Nacionais sugerem
é que - entre 1995 e os nossos dias - alguma coisa estrutural e importante se
rompeu na economia e na sociedade. A partir do ano 2000, lucros e investimento
entraram em divergência: lucros para cima, investimento para baixo. Enquanto no
ano 2000 o investimento correspondia a cerca de 70% dos lucros, hoje (2018)
corresponde apenas a 42%, isto depois de em 2013 ter batido no fundo com uns
míseros 34%.
Desde o início do milénio cada
vez menos os lucros são reinvestidos de forma produtiva. E a recuperação do
emprego e do produto na última legislatura quase não mudou a situação. Porquê?
Há duas explicações possíveis, ambas relacionadas com os múltiplos destinos que
podem tomar os rendimentos dos capitais. Eles podem ser consumidos ou
investidos, mas também aplicados em ativos financeiros ou imobiliários. Neste
caso valorizam-se, mas pouco ou nada contribuem para a capacidade de criação de
riqueza do país.
A primeira explicação do declínio
do investimento remete para estagnação da procura. Com os salários reais
estagnados desde 2000 e as despesas públicas reprimidas, a procura e o consumo
pouco ou nada aumentaram a partir do início do milénio, tendo regredido entre
2008 e 2012. Investir para quê se não há procura solvente para mais produtos e
serviços?
A segunda explicação relaciona-se
com a proliferação de novas formas de colocação dos lucros em aplicações
financeiras ou no imobiliário, com ótimo retorno e liquidez, no contexto mais
geral da financeirização da economia.
As Contas Nacionais parecem
confirmar um diagnóstico que não é novo. Quando os rendimentos do trabalho caem
em termos absolutos ou em percentagem da riqueza nacional e a procura se
ressente desse movimento, os capitais procuram oportunidades de valorização,
não na esfera produtiva, mas no mundo das finanças e do imobiliário.
É preciso definir a terapia:
chama-se revalorização do trabalho. Daí resultará um regresso a taxas de
investimento normais e até, por estranho que pareça, lucros mais robustos. E
por acréscimo menos jogos de roleta nos mercados financeiros.
Parece fácil e é, mas incomoda os
que se têm apropriado da riqueza. Há que colocar o tema no debate eleitoral.
* Investigador e professor
universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário