São 0,1%. Alguns mostram-se
gentis, ternos. Mas, em conjunto, são predadores. Têm ideologia — mas não
ideias, nem imaginação. Nós, os 99,9%, somos mais criativos e melhor formados.
Mas eles estão coesos e organizados. Nós, nunca?
Susan George | Outras Palavras | Tradução de Simone
Paz | Ilustração de Benedetto Cristofani
“Tudo para nós e nada para os
outros parece ter sido, em toda a nossa história, a máxima vil dos
senhores da humanidade”, escreveu Adam Smith em 1776, em A Riqueza das
Nações — obra que é considerada, universalmente, a primeira pesquisa
abrangente sobre a natureza e a prática do capitalismo.
O senhores da humanidade ainda
estão entre nós: eu os chamo de a “Classe Davos” porque, do mesmo jeito que as
pessoas se encontram todo ano nos resorts de esqui na Suíça, eles são nómadas,
poderosos e permutáveis. Alguns têm poder económico e uma fortuna pessoal
considerável. Outros possuem poder político e de administração, principalmente
exercido em nome daqueles com poder económico, que os recompensam à sua
maneira. Podem até existir contradições entre seus membros — o CEO de uma
empresa industrial nem sempre tem os mesmos interesses que seus banqueiros —
mas, de um modo geral, quando se trata de escolhas sociais, eles terão a mesma
opinião.
Não estou questionando a
moralidade individual de ninguém aqui. Com certeza, existem muitos banqueiros
de bom coração, traders generosos e CEOs responsáveis socialmente. Só
estou dizendo que, como classe, podemos esperar que eles se comportem de
maneiras específicas, porque eles servem a um sistema em particular. A Classe
Davos, apesar das boas maneiras e das roupas perfeitas de seus membros, é
predatória. Não se pode esperar que essas pessoas ajam logicamente, porque eles
não estão pensando em interesses de longo prazo, mas em comer agora.
Você pode encontrar a Classe
Davos em qualquer país — seus membros não fazem parte de nenhuma conspiração e
seu modus operandi pode ser facilmente observado e identificado. Então, por que se preocupar com teorias da conspiração quando só estudar o
poder e os interesses já resolve o problema? A Classe Davos é sempre
extremamente pequena em relação à sociedade; e seus membros, naturalmente, têm
dinheiro — às vezes herdado, às vezes conquistado por si sós. Mais importante
ainda: eles possuem suas próprias instituições sociais — clubes, as melhores
escolas para seus filhos, bairros, conselhos corporativos e de caridade,
destinos de férias, organizações societárias, eventos exclusivos, e por aí vai
— tudo isso ajuda a reforçar a coesão social e o poder coletivo. Eles mandam
nas nossas maiores instituições, que incluem as mídias, sabem exatamente o que
querem e são muito mais unidos e melhor organizados do que nós.
Mas esta classe dominante também
tem suas fraquezas: uma delas é que eles têm uma ideologia, mas não possuem
ideias, nem imaginação. O programa deles, desde os anos 70, comumente chamado
de “neoliberalismo”, baseia-se na liberdade da inovação financeira nas
privatizações, na desregulamentação e no crescimento ilimitado, sem importar
aonde ela possa levar; num mercado supostamente livre e auto-regulável e no
livre comércio que deu origem à “economia de casino”. Esta economia fracassou
gravemente e perdeu sua credibilidade, pelo menos no imaginário coletivo.
A maior parte das pessoas sequer
pede mais provas; eles podem ver que o sistema não funciona nem para eles, nem
para suas famílias e amigos, nem para seu país. Muitos também reconhecem que
ele é ruim para a grande maioria e para o planeta. A única resposta da Classe
Davos é manter a antiga ordem mundial mais um pouco, com um “passe livre” para
todas as instituições que criaram a crise. Não vai funcionar, nem mesmo dentro
de seus próprios termos.
Eu acredito que “nós” — as
pessoas decentes, honestas e comuns que eu constantemente conheço ou encontro —
têm os números e votos do nosso lado. Nós temos a imaginação, as ideias e as
propostas racionais, bem como as habilidades e o conhecimento; ou seja, sabemos
o que precisa ser feito e como fazê-lo. Pertencemos a uma grande variedade de
organizações formais e informais, na luta pelas mudanças em certas instituições
ou territórios. Coletivamente, temos até o dinheiro. O que não temos é a união
ou a organização de nosso adversário e, muitas vezes, nos falta a consciência
de nosso próprio poder potencial.
O movimento Occupy Wall
Street nos Estados Unidos, junto com o Indignados e outros na
Europa, identificaram as enormes desigualdades que prevalecem em nossas
sociedades com o “1%” e o “99%” — números que coincidem, respectivamente, com a
Classe Davos e o resto de nós, embora a Classe Davos esteja mais próxima de um
0,1%.
Em outras palavras, eles
identificaram o adversário: a classe que mantém esse status quo podre.
Nossa missão agora é construir uma ampla coligação entre todos aqueles que
concordam com esse diagnóstico, todos aqueles que querem lutar por seu futuro e
também por uma sociedade mais justa, por um mundo melhor e um planeta mais
saudável. Tais alianças, que devem se tornar ao mesmo tempo locais, nacionais e
mundiais, não vão surgir por um passe de mágica: são necessárias conversas,
debates e o reconhecimento real de que, apesar de nossas pequenas diferenças de
opinião e ênfase, estamos todos do mesmo lado.
Se não nós, quem? Se não agora,
quando?
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