As comemorações da chegada dos
britânicos foram canceladas devido à pandemia. História dos aborígenes começa a
ser ouvida.
O 50.º aniversário da chegada do
capitão James Cook à Austrália, que se comemora nesta quarta-feira, foi em
grande parte desmarcado devido ao novo coronavírus.
Um evento que é cada vez menos
destacado pelo lado da "descoberta", porque holandeses (um século
antes) e portugueses (250 antes, no tempo de D. Manuel) estiveram à procura de
uma lendária Ilha do Ouro, tendo ficado cartografado como Terra Java. E também
porque a história de quem já lá vivia ganha maior relevo.
Em 29 de Abril de 1770, o capitão
Cook dirigiu o Endeavour para Botany Bay - chamado Kamay na língua
indígena local - um evento que cada vez mais é visto através dos olhos dos
aborígenes australianos que se encontravam na costa.
O primeiro-ministro Scott
Morrison disse que o aniversário representava "uma fusão de
histórias", chamando Cook de "indivíduo extraordinário".
"No dia em que Cook e a comunidade indígena local em Kamay estabeleceram o
primeiro contacto, há 250 anos, mudou para sempre o rumo da nossa terra",
afirmou. "É um momento a partir do qual embarcámos numa viagem partilhada
que se realiza na forma como vivemos hoje".
No entanto, Peter Trickett,
britânico radicado na Austrália, encontrou em 1999 uma carta náutica numa
biblioteca de Los Angeles que atribui aos portugueses o papel de pioneiros
ocidentais no que é hoje a Austrália. O Atlas Vallard, um conjunto de 15 mapas
desenhados em 1545 em França tem dois deles intitulados Terra Java. Os mapas
têm mais de cem nomes em português e alinhados de outra forma apresentam claras
semelhanças com a costa australiana.
A sua tese foi publicada no livro Para
além de Capricórnio (ed. Caderno). Para Trickett, a expedição terá
decorrido em duas vezes, a partir de Cochim. A primeira em 1521 e a seguinte em
1522-23, tendo sido comandada por Cristovão de Mendonça, e provavelmente o
francês Pedro Eanes como cartógrafo.
Comemorações canceladas
O governo de Camberra foi forçado
a cancelar os acontecimentos que marcaram os 250 anos da chegada de Cook devido
ao surto do covid-19, incluindo a circum-navegação da Austrália por uma réplica do Endeavour.
O primeiro contacto entre o
navegador britânico e os aborígenes prefigurou a colonização do continente e
séculos de expropriação para os indígenas australianos.
Durante a sua viagem, Cook declarou a Austrália Terra Nullius - ou terra legalmente desocupada - e reivindicou-a como território britânico apesar da história aborígene se estender por mais de 60 mil anos.
Mais tarde, em 1788, os
britânicos estabeleceram uma colónia penal na Nova Gales do Sul.
O presidente da Fundação Gujaga,
Ray Ingrey, disse que o povo indígena Dharawal tinha trabalhado com o Museu
Nacional da Austrália durante 18 meses para mostrar as lembranças dos seus
antepassados do encontro com Cook.
A sociedade australiana
amadureceu muito nos últimos 50 anos, desde o 200.º aniversário", disse à
AFP. "Muitas das mensagens recebidas pelo Museu Nacional foi a comunidade
em geral a dizer 'Ouvimos falar do lado de Cook, ou da história do navio, e
queremos ouvir mais sobre a história a partir da costa'."
Cook visto de terra
Uma exposição online apresenta as
histórias "largamente ausentes" transmitidas através de gerações de
indígenas australianos desses encontros com Cook e a sua tripulação.
"Quando os botes começaram a
rumar em direção à costa, os meus antepassados perceberam que não eram
aborígenes, eram na verdade um povo alienígena porque pareciam muito diferentes
de nós. Pensávamos de facto que eram fantasmas", disse Shayne Williams,
num vídeo divulgado pelo museu.
Na costa, os guerreiros começaram
a gritar e a gesticular para que partissem, antes de começarem a atirar pedras
e depois a atirar lanças, que aterraram aos pés da tripulação. "Se o nosso
povo quisesse atingir um desses marinheiros, tê-lo-ia feito facilmente. Mas foi
apenas um sinal de aviso", disse Williams.
"Então o que Cook e sua
tripulação fizeram foi ripostar com o fogo dos seus mosquetes. Na verdade,
atingiram um dos guerreiros com as pernas", continuou.
Ingrey disse que o aniversário foi um "acontecimento significativo para todos os australianos", mas o lado indígena da história há muito que tinha sido ignorado ou deturpado. "Foi o primeiro ato de violência contra o nosso povo por parte dos britânicos, mas é a nossa história comum e nós partilhamos o presente, por isso é apenas senso comum que temos um futuro comum", disse à AFP.
Ingrey disse que o aniversário foi um "acontecimento significativo para todos os australianos", mas o lado indígena da história há muito que tinha sido ignorado ou deturpado. "Foi o primeiro ato de violência contra o nosso povo por parte dos britânicos, mas é a nossa história comum e nós partilhamos o presente, por isso é apenas senso comum que temos um futuro comum", disse à AFP.
"Ambas as histórias precisam
de ser respeitadas e é tudo o que esperamos, que tenhamos a oportunidade de
contar a nossa história da forma que a queremos contar e de ser respeitados
para o fazer. Só então poderemos avançar como nação quando ambas as histórias
forem reconhecidas e aceites", conclui.
Diário de Notícias | AFP
Na imagem: A Terra Java no Atlas
Vallard, datado de 1545, contém 120 nomes de topónimos em português e
assemelha-se à costa leste australiana.
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