Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
O espalhanço populista de Rui Rio na entrevista à TVI deixou bem claro que um candidato a "rei da integridade" pode passar, num ápice e por vontade própria, a "mestre do contorcionismo". Rio decepciona mesmo os seus indefectíveis, aqueles que sempre o abençoaram pela ilusão de verticalidade que proporcionava. "Não quero chegar a primeiro-ministro de qualquer maneira", afirma sem pestanejar. Talvez tenha escolhido a pior maneira para que nunca o possa vir a ser.
O processo de flagelação do PSD está a ser liderado pela falta de mundo e percepção daquele que havia chegado com a missão de "limpar" o partido e de o resgatar dos habituais interesses instalados. Como tantas vezes ficou claro enquanto presidente da Câmara do Porto, Rio padece da desconsideração dessas "coisas da cultura". Arrasta e assoma a personalidade, a teimosia e mania da perseguição. No acordo dos Açores não foi feita "uma barulheira" para "abafar a verdade", como disse. Parte do PSD nacional, como muitos dos seus dirigentes confirmaram nos dias seguintes, estava sequioso e pronto, ansiando por mais.
O ataque de Rui Rio aos mais pobres que não querem trabalhar, à boleia da falta de fiscalização do RSI e de alguns casos evidentes de errónea atribuição é, sobretudo nos Açores, um triste momento de demagogia populista. Um argumento criminoso, uma mancha no currículo para o carácter de um social-democrata. Cada caso é um caso e 30% dos beneficiários do RSI nos Açores têm menos de 18 anos. Rabo de Peixe, queiram ou não os homens ir ao mar (as mulheres com RSI não contam muito para o líder do PSD, está visto), não é só dos concelhos mais pobres do país: Rabo de Peixe é uma das zonas mais pobres da Europa. Rui Rio, escolha a boleia do argumento da subsídio-dependência populista do seu novo parceiro da extrema-direita, coloca-a geograficamente no epicentro da fome e omite a realidade da pobreza que ali existe. Encolhe-se, enquanto político e cidadão, perante a miséria que o RSI ali diminui. Que pior exemplo pode ter escolhido, quando nem sequer aponta os responsáveis por quem manteve, até agora, toda aquela gente no desamparo? Tem que haver uma enorme riqueza nas gentes de Rabo de Peixe para aguentarem o infortúnio de lidar com tanta miséria alheia.
Portugal era visto, há um ano, como um paraíso de imunidade ao fascismo. Um ano depois, ver o PSD a aniquilar a Direita democrática em Portugal (nos Açores, arrastando o CDS e a IL), é uma irresponsabilidade e dor de alma para os valores democráticos. A Direita democrática portuguesa está no limite de uma tragédia autodestrutiva, engolida numa estratégia extremista onde vai ser parte integrante e nunca integradora. A prazo, será integrada. Está na história. Há quem na Direita a tente salvar, manter à distância de quem, ainda esta semana, voltou a sugerir que uma deputada voltasse para a Guiné. Que sejam firmes e que venham mais. E, sem hesitações, que contem com a Esquerda nesse combate.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e jurista
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