domingo, 11 de dezembro de 2022

Portugal | INFLAÇÃO E CONTAS CERTAS… PARA QUEM?

Há um conjunto de preços e prestações que têm mecanismos anuais automáticos de actualização do seu valor para reagirem à taxa de inflação. Temos o caso das pensões, das rendas, das concessões rodoviárias. Mas há mais.

Manuel Correia | AbrilAbril | opinião

ace a uma inflação de 10%, o que fazer? Aumentar todos esses preços e prestações 10%? Aumentar umas coisas e não aumentar outras? É um debate que surgiu naturalmente. E também naturalmente já se formaram dois grupos de opiniões – uns a exigir que sejam aumentados os salários e pensões e travados os aumentos de preços que for possível ir travando, e outros, apontando a necessidade de conter o aumento de salários e pensões, mas respeitando as obrigações contratuais do Estado para com as empresas.

No fundo, e de forma crua, cada lado olhando o mundo por antagónicos interesses de classe.

Vejamos o caso das portagens. Há quem as pague e há quem as receba. Tomando partido pelas necessidades de quem as recebe, lemos, com uma clareza que é rara, a constatação do Jornal de Negócios sobre o impacto de um eventual não aumento de 10% nas portagens, alertando que o impacto se faria igualmente sentir «quer na do próximo ano, quer até ao final do prazo das concessões, já que um travão ao aumento das portagens no próximo ano afecta a base em que serão determinadas futuras actualizações até ao fim dos contratos.»

Isto é verdade. Para quem recebe e para quem paga. Veja-se o exemplo do quadro 1:

Mesmo com aumentos iguais em 2024 e 2025, o menor aumento em 2023 vai ter um impacto por toda a vida destas concessões.

Isto é o suficiente para que o patronato do sector se ache no direito de exigir – para não aplicar um aumento de 10% – elevadas compensações e um prolongamento do prazo das concessões.

O que claramente o Jornal de Negócios compreende. E compreende-se que compreenda.

Acontece que isto também é verdade para salários e pensões. Mesmo que este ano seja pago um prémio – solução, inspirada nos 125 euros do Governo, que está a ser implementada em várias empresas – tal não irá «compensar» a perda deste ano face à inflação. Sem aumentos salariais, a perda de 2022 vai repercutir-se sobre todos os anos seguintes, quer activos, quer na reforma. Veja-se o quadro 2:

* (com meio ano de retroactividade para compensar custos já suportados)

Como se pode facilmente constatar, a diferença é brutal e vai aumentando a cada ano, repercutindo-se também num futuro valor de pensão inferior. E um eventual prémio só «parece» compensar, mas não altera o estrago para o futuro.

E, no entanto, não lemos um artigo na comunicação social dominada a alertar para o efeito sobre os rendimentos futuros dos trabalhadores se o aumento de 10% não se efectuar. E os próprios capitalistas, que já aumentaram os preços provocando a inflação ou reclamam o direito de o fazer devido à inflação, incluindo os donos do capital das concessionárias rodoviárias, nem sequer admitem aumentar os salários dos seus trabalhadores em 10%.

O acima exposto serve só para recordar que o grande capital e os membros do seu Governo sabem muito bem que aquilo que estão a fazer é um roubo nos rendimentos de pensionistas e trabalhadores, e que esse roubo se vai fazer sentir até ao fim da vida desses trabalhadores e desses pensionistas.

Mas é assim. Cada um vê o mundo de um dos lados da luta. Não há neutros nem inocentes, excepto no vasto campo daqueles que acreditam que não há luta de classes, e que sistematicamente dão força aos que, objectivamente, trabalham contra os seus interesses.

Claro que travar o aumento das portagens vai prejudicar os capitalistas do sector. Vai reduzir-lhes o lucro. Mas a alternativa iria prejudicar milhões, incluindo milhares de empresas que fazem bastante mais falta a Portugal do que estes cobradores de rendas. Da mesma forma, actualizar os salários e as pensões em 10%, corrigindo o efeito da inflação, é fundamental para manter os rendimentos de milhões de portugueses – mas vai objectivamente prejudicar a classe que vive da extração da mais-valia. É preciso optar. Em vez de fingir inevitabilidades ou que é possível encontrar falsas soluções «para todos».

Nada é inevitável. Tudo é luta e correlação de forças.

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