Artur Queiroz*, Luanda
No início da minha aventura no Jornalismo apaixonei-me pela crónica. Nessa altura os jornais cultivavam o parentesco com a Literatura e todos os números eram abrilhantados por um cronista. Também existiam os folhetins, alguns de elevado nível. O genial Augusto Bastos publicou na Imprensa da sua época folhetins sob o título “As Aventuras do Repórter Zimbro”, que foram a primeira (que eu saiba única) incursão de um angolano no género policial. O Repórter X (Reinaldo Ferreira) imitou o nosso escritor, músico, compositor (As Furnas do Lobito), historiador, linguista (O Kimbundu de Benguela), matemático e astrónomo.
Inspirados na obra de Augusto Bastos, um dia pusemos uma misteriosa senhora a aparecer nos canaviais entre Benguela e a Catumbela. Primeiro convencemos o Santos Cota a publicar a história no semanário Sul, de Benguela, como se fosse um milagre. O Óscar Saraiva fez uma foto muito bem trabalhada no laboratório, com a candidata a santa no meio das canas-de-açúcar. A modelo era uma amiga de noitadas que falava inglês, francês, alemão e ngoia, a língua de sua mamã da Gabela. Ela embrulhou-se num lençol imaculadamente branco, uma grande vela acesa na mão e meteu-se no meio das canas. Etra de noite. O fotógrafo registou o momento. Um instantâneo.
O semanário Sul contou a aparição e nós amplificámos o acontecimento no diário O Lobito. Foi um êxito estrondoso. Já se falava à boca cheia de aparições da Nossa Senhora. Aquilo acabou porque os ricaços der Benguela deixaram de ir aos cabarés do Lobito. Centenas de pessoas esquadrinhavam a estrada e os canaviais na ânsia de verem a santa, que namorava ao mesmo tempo com o Ernesto Lara Filho e o Esperança, sem um saber do outro. Os consumidores de pecados noscturnos não podiam atravessar aquelas multidões sem serem vistos. E as meninas da Calema reclamando as ausências. O negócio estava a ressentir-se do milagre.
Mais tarde escrevia as “Crónicas de Viagens”. Aquilo tinha uma personagem, o Índio Chupista. Era ele que viajava pelo mundo, à cata de ricaços que aliviava das suas fortunas com golpes baixos e contos do vigário. Quando as vítimas não se deixavam extorquir, ele tinha uma partenaire que fazia mauanga para cada situação. Os encontros entre o extorsionista e as suas vítimas eram nos bares de grandes hotéis ou mesmo em buates com pistas de dança. Com o barulho das luzes os feitiços pegavam melhor.
Um dia o Índio Chupista foi à cidade Kudilunga, muita luz, muita riqueza, muita paz. Vítima e extorsionista encontraram-se num bar de luxo. Ao balcão estava a produtora de feitiços, sempre atenta, fingindo beber. Como os avanos correram mal, ele fez-lhe um sinal discreto e ela apareceu linda, vaporosa, perfumada, impossível não apreciar. Sentou-se, muitos cumprimentos, muito prazer, como está senhor ricaço.
Com as mãos impecavelmente tratadas, foi à orelha direita do milionário e tirou de lá duas notas de mil, que ofereceu ao endinheirado. E ele hipnotizado com tanta mulher à sua frente. Aproveitando o momento de catatonia, ela colocou uma pílula minúscula no seu copo de uísque e depois a magia fez o resto.
O senhor ricaço disse definitivament6e não ao Índio Chupista, a bela aparição foi para o quarto que uma senhora não deve recolher-se muito tarde, o extorsionista disse boa noite excelência e o negador sentiu una vontade indomável de urinar. Foi aos lavabos e expeliu águas. Reparou que mijava azul. Ficou outra vez hipnotizado. Que lindo fio de água! E quanto mais urinava, mais se sentia fascinado pelo líquido azul que expelia.
A viagem acabou com o senhor ricaço a esvair-se em urina azul. Foi desaparecendo, desaparecendo até se transformar numa mínima gota azul que caiu ligeiramente fora do urinol. Um dia os censores repararam que os ricaços tinham sempre um mau fim e o Índio Chupista ganhava mesmo quando perdia, tipo Adalberto da Costa Júnior. E resolveram cortar impiedosamente as minhas pobres prosas. Acabaram as Crónicas de Viagens. Mudei para umas mais justas, intituladas “Estórias do Meu Amigo Charli Bar”. Grande sucesso.
Um dia o meu amigo encontrou um senhor muito rico, muito rico. Acendia os charutos com notas de mil e usava um anel de ouro e diamantes em cada dedo gorducho (mas não era tão repugnante como o Chico Viana, da UNITA).
A pança descomunal começava no
queixo e esbarrondava-se até aos joelhos. Parecia uma bola de banha com duas
perninhas cambaias. Os joelhos eram
Um desastre. Do furo começaram a
libertar-se gazes, nauseabundos. E o buraco foi alargando, alargando, alargando
até dele serem expelidos pedacinhos de substâncias que depois de irem ao ar,
caíam lentamente como chuva miudinha. Era merda,
O Meu Amigo Charli Bar percorreu a cidade e encontrou na Tamar um ricaço ainda com a pança maior. Atraiu-o ao local onde estava o resto mortal do primeiro pançudo. Furou-o e aconteceu o mesmo fenómeno. Toda a riqueza será castigada e acaba assim.
O segundo balão terminou em forma de chouriço, mesmo ao lado do primeiro. Foi assim que nasceu a palavra fezes. Dois ricaços dão um produto completo, depois de furados.
Confesso que as Crónicas do Meu Amigo Charli Bar nunca passaram na censura. Anos mais tarde, regressei ao local do crime. O meu amigo Jorge Castilho publicou no Jornal de Coimbra as minhas crónicas onde os ricos tinham sempre um fim péssimo. O senhor Cavaco da Silva tinha um ministro chamado Penedo mas ele assinava Peneda, que era a senhora sua mãe. Um analfabeto ministeriável, como os intelectuais da UNITA. Era personagem permanente.
Claro que tive sempre um conflito insanável com os patrões e sua criadagem da economia de mercado. Apesar de terem tanto poder, ainda não conseguiram calar-me e muito menos o meu extermínio. Por isso, sou um abusador.
*Jornalista