Artur Queiroz*, Luanda
Isto está mau. No final, entre mortos, feridos e avençados peritos na chantagem e extorsão alguém há-de escapar. Mas vai ser difícil. A guerra contra o Jornalismo na Comunicação Social não vai ter sobreviventes. Nem prisioneiros. Enquanto todos nos afundamos, a quizomba está cada vez mais animada e divertida. Quando o Titanic se afundou, nos salões sumptuosos do navio de luxo a orquestra tocava rumbas e os passageiros dançavam animadamente. Uma boa forma de morrer, diga-se de passagem.
A Comissão da Carteira e Ética, segundo um comunicado desta instituição imprescindível ao regime democrático “é um organismo de direito público, de âmbito nacional, encarregue da auto-regulação do exercício do Jornalismo em Angola, ao abrigo da Lei nº 5/17, de 23 de Janeiro, Lei sobre o Estatuto do Jornalista”. Para não ser acusado de ampliar o erro informo que a palavra “encarregue” está errada.
No texto devia estar escrito “encarregado”. Um organismo encarregado da auto-regulação”. Encarregue é o conjuntivo do verbo encarregar. Que eu encarregue, que tu encarregues, que ele encarregue. Ou encarregue eu, encarregues tu, encarregue ele. Já fiz a minha boa acção de hoje, mereço o céu nem que seja nas bordas do inferno, em boa companhia e bebendo um tintol da minha idade enquanto leio o livro norte-americano do João Melo (nada na vida é perfeito).
O comunicado da Comissão da Carteira e Ética trata do “ambiente conturbado do Sistema Judicial do país, com realce para actos imputados a magistrados de tribunais superiores”. Esta parte precisa de um esclarecimento, coisa leve. Magistradas e magistrados judiciais não são meros funcionários públicos. Não são agentes do Ministério Público ainda que esses também devam ter larga autonomia no exercício das suas funções. Os Tribunais são órgãos de soberania onde se faz Justiça em nome do Povo Angolano. O presidente do Tribunal Supremo é titular de um órgão de soberania.
Jornalistas verdadeiros, falsos ou simples simpatizantes do Jornalismo andam entretidos na demolição do Poder Judicial às ordens sabe-se lá de quem. Porque olhando para o Poder Legislativo (Assembleia Nacional) Presidência da República (que acumula o Poder Executivo) e os operadores da Justiça não consigo perceber quem ganha com estes ataques mortais à democracia. Dizem-me que a UNITA está por trás de tudo. Se assim for, a sua direcção está fora do jogo democrático mas também longe deste mundo. Porque deve desfrutar dos resultados eleitorais de 2022. Nunca mais volta a eleger tantas deputadas e deputados. Nas próximas eleições vai tornar-se irrelevante.
Entre as baixas na guerra civil contra o Poder Judicial que estamos com ela está uma irreparável e que choro convulsivamente: A perda de credibilidade da Comissão da Carteira e Ética. A minha tristeza vem de dois lados. Sem a instituição forte, credível e actuante nunca mais vamos conseguir separar o Jornalismo da propaganda e do banditismo mediático. Para se posicionar no “ambiente conturbado do Sistema Judicial do país, com realce para actos imputados a magistrados de tribunais superiores” a instituição emitiu um comunicado onde se afirma:
“Em defesa da Classe, a CCE repudia todo e qualquer exercício tendente à responsabilização de jornalistas, alegadamente por promoverem, com o seu trabalho, o julgamento e a condenação em hasta pública dos operadores da Justiça indiciados de práticas e comportamentos desviantes, como afirmou o Professor Doutor Raul Araújo, juiz jubilado, em recente entrevista”. Temos aqui alguns equívocos, que convém esclarecer.
A Comissão da Carteira e Ética não tem nada que defender a classe. Isso é com o sindicato. Compreendo o deslize porque a minha querida amiga Luísa Rogério foi uma esforçada e competente sindicalista. Minha cara, deixa lá isso da defesa da classe para o Sindicato dos Jornalistas. O Teixeira Cândido que se desembrulhe.
Outro equívoco tem a ver com o “trabalho dos jornalistas”. Em nenhum código, nunca em tempo algum esse “trabalho” pode estar ao serviço de quem pretende fazer julgamentos na praça pública de pessoas e instituições. O papel dos jornalistas é informar, nunca julgar, condenar e executar as suas vítimas ao serviço de donos instalados ilegitimamente nos Media.
O comunicado da Comissão da Carteira e Ética afirma que há “operadores da Justiça indiciados de práticas e comportamentos desviantes”. Indiciados por quem? Que autoridade os indiciou? Há algum documento oficial das autoridades que exercem a investigação e acção penal? Alguma acusação? Alguma sentença ou acórdão? Nada. Apenas exercícios repugnantes de chantagem e extorsão. Ataques à Honra e Bom Nome de cidadãos que até prova em contrário são tão inocentes como Luísa Rogério.
Não me incluo na inocência porque sou culpadíssimo do crime de me ter metido no Jornalismo. Fui eu que entrei nisto, voluntariamente. Tenho uma atenuante. Nunca imaginei que o Jornalismo Angolano se tornasse num antro de comprados, vendidos e alugados. Mas como ajudei jovens a exercer a honrosa profissão de Jornalista, não posso virar a cara à luta. Por eles e sempre com eles, vou continuar a lutar pela dignidade. E pelo regresso às origens. O Jornalismo Angolano começou sob o signo da Liberdade e Autonomia! Vale a pena lutar por isso até à última palavra, ao último parágrafo, à última notícia.
Um órgão de informação diz que o activista Gangsta (Nelson Dembo) “não cumpre ordens judiciais”. Luísa Rogério, os Tribunais não dão ordens aos arguidos! Ditam medidas cautelares e sentenças. O “activista” está acusado dos crimes de associação criminosa, instigação à rebelião, desobediência civil, ultraje ao Presidente da República e aos órgãos de soberania. Para aguardar o julgamento em liberdade foram-lhe impostas medidas de coação. Uma delas foi a apresentação periódica às autoridades policiais. E ele não cumpriu porque, como declarou à DW (instrumento de agressão mediática da Alemanha) “não cumpro leis injustas”.
O jornal O País (ainda tem alguma credibilidade) cita uma fonte anónima da Procuradoria-Geral da República (PGR) para confirmar que a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) “emitiu um mandado de buscas e apreensão nos escritórios do juiz Joel Leonardo no Tribunal Supremo e no Conselho Superior da Magistratura Judicial”. A notícia só pode ser falsa.
A falsidade podia ser evitada se o jornal e o jornalista tivessem cumprido as regras básicas do Jornalismo. Quando está em causa a Honra, o Bom Nome e a consideração social de uma pessoa ou instituição é obrigatório confirmar e reconfirmar os factos. Ouvir a outra parte. E nada de fontes anónimas!
Ao violar tão gravemente as regras, o jornalista já não está amparado “pela Liberdade de Imprensa, plasmada no artigo 44.º da Constituição da República”. E é de mau gosto “recitar a máxima não quer que noticiemos, não deixe que aconteça!". Essa brasileirada era boa no tempo da ditadura militar para deitar abaixo os democratas que se atravessavam no caminho dos ditadores.
O comunicado (desastrado, desgraçado, desbocado, equivocado) acaba bem:
“A Comissão da Carteira e Ética lembra que as instituições e os cidadãos podem recorrer a si, enquanto auto-reguladora, caso identifiquem indícios de atropelo da ética e deontologia profissional por parte dos jornalistas, a quem exorta a prosseguirem com o seu trabalho, sempre em obediência aos factos e ao cruzamento das fontes”.
Isso mesmo, cara Luísa Rogério, o nosso trabalho deve obedecer sempre “aos factos e ao cruzamento das fontes” Mas não fiquem à espera que os cidadãos se queixem à Comissão da Carteira e Ética. Quando as violações das regras são tão evidentes, tão gritantes, é a instituição que tem de agir. Aliás, o ideal é que não haja queixas. A comissão actua antes. Caso contrário pode ser confundida com uma esquadra da polícia.
*Jornalista
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