sábado, 11 de março de 2023

Angola | OS PORTOS NO TEMPO DOS NOSSOS AVÓS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Corredor do Lobito é um instrumento de desenvolvimento e progresso se estiver ao serviço das comunidades locais. Tal como o Caminho-de-Ferro de Benguela desempenhou um papel vital entre o mar e o Luau, até no modelo de povoamento do território que atravessa.  

Este “corredor”  é o fim da linha num percurso que começou em Março de há 91 anos. Os portos de Angola, durante séculos, apenas serviram para o comércio de escravos. Para isso não precisavam de grandes infra-estruturas. Mas nas primeiras décadas do século XX pouco ou nada tinha mudado, ainda que a escravatura tivesse sido abolida no último quartel do século XIX. 

No final da segunda década do século XX, depois da assinatura do “Tratado de Loanda”, entre Portugal e a Bélgica, que permitiu definir definitivamente as fronteiras Norte e Leste, o porto do Lobito foi ampliado e transformado numa verdadeira infra-estrutura portuária. Hoje o Corredor do Lobito é uma realidade e dele se espera que seja o motor económico de todas as províncias a Sul do rio Cuanza e também da Região Austral de África.

Os portugueses negligenciaram a costa angolana e esse erro podia ter-lhes saído muito caro. Cabinda, Lândana, Noqui, Matadi e Banana só recebiam barcos negreiros. Os portos do Ambriz e Nzeto (Ambrizete) serviam igualmente para “exportar” escravos. Os ingleses decidiram reclamar a posse de todo o noroeste de Angola, entre o Ambriz e o extremo norte. Por isso ocuparam os portos. Os portugueses consideravam toda a região como parte da colónia de Angola e exigiram a retirada dos ocupantes.

Ante a indiferença aos seus argumentos, os portugueses fizeram a Londres uma longa exposição na qual enumeravam todos os seus direitos, inclusive os históricos. Face à intransigência dos ingleses, partiu de Luanda para o porto do Ambriz uma força naval capitaneada pela fragata D. Fernando II e Glória. A guerra estava por um fio. Para evitar o derramamento de sangue, Lisboa propôs a arbitragem internacional como forma de dirimir o conflito.

O Rei da Itália, Victor Emanuel, arbitrou o litígio e, em 1875, deu razão aos portugueses. Todas as terras e a costa do Ambriz até ao porto de Lândana tinham de ser restituídas a Portugal. Ponta Negra já tinha caído para os franceses. Os ingleses retiraram, mas em represália ocuparam definitivamente o Barotze, território ainda sob administração portuguesa no sudeste de Angola, prolongamento do bico da Luiana e para norte.

O porto do Ambriz a partir desta data ganhou algum protagonismo na economia angolana. Serviu durante muitos anos para exportar ferro e cobre das minas do Bembe. O minério era transportado do interior até ao mar, às costas de milhares de carregadores. Mas como a mão-de-obra escrava foi proibida, em breve as minas exigiram uma estrada entre o Bembe e o Nzeto, outro porto importante para o então Congo Português. Como as picadas nunca chegaram a estradas, a empresa mineira do Bembe encerrou portas.

O porto do Ambriz, nos anos 30, voltou a ganhar protagonismo, agora como escoadouro do café. Mas no final dos anos 40 a operação estava reduzida ao mínimo. O porto de Luanda tinha sido ampliado e equipado com guindastes modernos. O café do Congo Português e do Cuanza Norte passou a ser exportado a partir da capital.

A sul de Luanda, o primeiro porto digno desse nome era Benguela Velha ou Porto Amboim. Depois vinha o Lobito que rapidamente se transformou no maior da colónia e um dos mais importantes de África. No sul, apenas existia o porto do Namibe ( Moçâmedes).

O Lobito tinha administração própria e autonomia financeira, exigência dos ingleses do Caminho-de-Ferro-de Benguela, que começava exactamente no Lobito. Os outros portos eram administrados pelas Alfândegas e Capitanias locais.

O Porto de Lândana

Nos anos 30, Lândana adquiriu o estatuto de porto madeireiro servindo a Companhia de Cabinda, monopólio do Banco Nacional Ultramarino, então banco emissor da colónia. A moeda dos nossos avós era o angolar. A vila tornou-se o principal centro urbano de um território que começou com continuidade geográfica em relação ao resto da colónia, mas acabou um enclave, alguns anos após a Conferência de Berlim. 

Antes das anexações, mais ou menos à força, de franceses e belgas, Cabinda era mais do dobro do que é hoje. E fazia parte do então distrito do Congo Português, com capital em Maquela do Zombo. 

O porto de Cabinda exportava café, cacau e oleaginosas. Aos poucos foi perdendo importância, desde que o porto de Ponta Negra começou a funcionar em pleno. Mas era escala obrigatória para os navios da Companhia Geral (barcos exclusivamente cargueiros), da Companhia Nacional de Navegação e da Companhia Colonial de Navegação. Os navios ancoravam na baía. Carga e passageiros eram depois transportados em batelões.

Porto de Luanda

Em 1930, Luanda tinha um pequeno cais de cabotagem com apenas 400 metros e uma profundidade de três metros. Os passageiros usavam um embarcadouro flutuante. A capital estava mal servida e em 1934 começou a ser construído um cais “em cimento arnado para quatro navios ao mesmo tempo”. 

Apesar desta ampliação, a infra-estrutura ainda não respondia às necessidades da economia angolana. Em 1930, no porto de Luanda foram desembarcadas 49.846 toneladas de carga. E foram exportadas 17.268, sobretudo café e sisal. Em 1932, já com medidas governamentais em vigor que visavam promover as exportações e travar as importações, o porto da capital recebeu 37.398 toneladas de carga e foram exportadas 24.821 toneladas. O desequilíbrio ainda era notório.

O porto de Luanda está situado na baía de Luanda e tem excelentes condições naturais. A entrada tem uma milha e meia de largura o que torna o acesso muito fácil. É o principal porto de Angola. Tem 2.738 metros de cais de acostagem, divididos em sete terminais e ainda uma plataforma logística.

O porto dispõe de três rebocadores. Movimenta 1,5 milhões de toneladas por ano. O calado máximo no canal de aproximação é de nove metros e meio, o triplo dos anos 30. A profundidade ao longo dos cais varia entre os 10,5 e os 12,5 metros, excepto no terminal de cabotagem, cujo calado vai dos 3,5 aos 5,5 metros.

Apesar destas condições, o Executivo está a construir um novo porto mais a norte, na Barra do Dande. O crescimento económico desde que acabou a guerra exige uma infra-estrutura maior e mais moderna.

Um Porto Regional

Porto Amboim nasceu  para exportar o café que chegava nos comboios do Caminho-de-Ferro do Amboim. Se Lândana era o porto madeireiro, este era o porto cafezeiro, batendo o Ambriz. Os registos de 1930 indicam que o porto recebeu 98 vapores, 30 veleiros e manipulou 548.231 toneladas de carga, na sua maioria café. Nunca se impôs como um grande porto, apesar das suas excelentes condições. Mas mais a sul, o Lobito viu nascer aquele que na época foi o maior porto de Angola e um dos maiores e melhores de África. 

Nos anos 20 do século passado o cais era tosco, pequeno e de madeira, o que dificultava a operação. Mas em 1928, quando a fronteira Leste ficou definitivamente definida e a “Bota do Dilolo” passou do Congo Belga para a colónia de Angola, Norton de Matos, governador-geral, mandou construir “um porto que sirva toda a região”.

A empresa inglesa Pauling & Cº Ltd, especialista na construção de portos, recebeu a incumbência de construir um cais acostável em cimento armado com 220 metros de comprimento.

No ano de 1931 o porto foi de novo ampliado. Desta vez a obra foi adjudicada à firma alemã Grun & Bilfinger AG Manheim. No ano de 1934 estavam concluídos mais 633 metros de cais acostável. O Lobito era o maior porto de Angola e um dos maiores de África. Nesse ano, existiam 853 metros de cais acostável “para navios de alto bordo”.

Em 1932, há 90 anos, o porto do Lobito recebeu 403 navios e movimentou 1.956.109 toneladas de carga! No mesmo ano desembarcaram no Lobito 2.568 passageiros. Nesta época ainda não existiam ligações aéreas com a Europa, África do Sul e África Oriental ou a “outra costa”. Só no final dos anos 60 do século passado Luanda ultrapassou o Lobito em movimento de cargas e passageiros.

À Espera do Celeiro

O Caminho-de-Ferro de Moçâmedes nasceu para “desencravar” a Huíla (nesse tempo o Cunene ainda não existia como província) e o Cuando Cubango. As infra-estruturas deste porto foram acompanhando o movimento de cargas, mas nunca atingiram o nível esperado. O porto nasceu para exportar o gado da Huíla e Cunene e os cereais do Cuando-Cubango. Nas imensas terras irrigadas da província do sudeste estava previsto criar um dos maiores celeiros do mundo, mas a verdade é que tal nunca aconteceu.

A riquíssima rede hidrográfica do Cuando Cubango não foi aproveitada e os cereais nunca foram produzidos em grande escala. O couto mineiro de Cassinga (Jamba Mineira) substituiu os cereais e em vez de grãos, o Namibe recebeu milhões de toneladas de ferro, “com importantes indícios de ouro”. Para exportar o minério que chegava nos vagões do caminho-de-ferro foi criado o porto mineiro do Saco do Giraúl. A empresa concessionária da Jamba Mineira construiu um ramal do caminho-de-ferro onde pela primeira vez os carris eram inteiriços.

Hoje o comboio regressou ao Cuando Cubango, o couto mineiro de Cassinga está a despertar e as imensas terras da província estão agora em condições de serem o celeiro de África. Assim o Corredor do Lobito seja colocado ao serviço da Economia Nacional e não apenas do lucro dos concessionários.

*Jornalista

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