Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Os dados revelados esta semana, quer pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e pelo ministro da Economia, quer pela Deco/Proteste, confirmam, com dados muito concretos sobre preços no setor alimentar, aquilo que as portuguesas e portugueses sentem há muito tempo. O surto inflacionista está a atingir, de forma muito dura, as pessoas e famílias de mais baixos rendimentos agravando brutalmente a pobreza, e a generalidade dos trabalhadores e pensionistas vão ficando mais pobres, dado que as atualizações salariais e de pensões (os que delas beneficiam) ficam a léguas do valor da inflação. Mas, as maldades estendem-se a outros setores, como o financeiro.
Quando, por má gestão ou por negociatas fraudulentas, os bancos entram em crise, os cidadãos pagam a fatura. Quando os cidadãos ficam prisioneiros de "crises" como acontece no presente, em que a guerra e a inflação "justificam" todos os sacrifícios, os bancos aproveitam para aumentar escandalosamente os seus lucros. Os dados publicados ontem, neste jornal, são elucidativos: "as seis maiores instituições financeiras a operar no país alcançaram um resultado líquido superior a 2,5 mil milhões de euros" em 2022. Um aumento nos lucros "de quase 70%", obtido à custa de altas taxas de juros, de comissões diversas, da não remuneração de depósitos e através de despedimentos.
No comércio a retalho, os
portugueses são todos os dias roubados. Aos preços de produtos de primeira
necessidade são impostas escandalosas margens de lucro. Segundo a ASAE "no
retalho, registámos margens médias de lucro bruto, referentes ao ano de 2022,
entre: 20% e 30% (açúcar branco, óleo alimentar, dourada); 30% e 40% (conservas
de atum, azeite, couve-coração); 40% e 50% (ovos, laranja, cenoura, febras de
porco); e mais de 50% (cebola)". Este roubo prossegue em
O presidente da República, na entrevista que concedeu à RTP e "Público" na noite de quinta-feira, reconheceu haver, por parte de empresários de vários setores, "aproveitamento da conjuntura como oportunidade de negócio inaceitável". Todavia, considerou que o combate à inflação apenas "depende da economia" e ele "espera" que "haja fatores que a façam descer". Direi que se ficarmos à espera de solução por essa via, será melhor esperar sentados. Os parasitas vão sugar o povo até ao limite.
O Governo promete ser inflexível e o ministro da Economia, num exercício de retórica, ameaçou recorrer a "medidas musculadas". Há muito tempo que o Governo conhece e devia combater esta ignóbil especulação. Agora, vamos assistir a discussões sobre os conceitos contabilísticos de "lucro bruto" e "lucro líquido", designadamente nos poucos casos que chegarem a tribunal. E teremos setores empresarias a tentarem ganhar contrapartidas, em nome do pretenso esforço que terão de fazer para praticarem preços minimamente justos
O Parlamento já aprovou um diploma para tributar os lucros excessivos (que deixou o setor financeiro de fora). O Governo tem de agir, de proteger preços de bens essenciais, de impor ação fiscalizadora em tempo útil e penalizações de forma a evitar que o crime compense, de proteger preços de bens essenciais. Mas, acima de tudo, deverá promover o aumento dos salários e assegurar atualização das pensões em conformidade com a inflação.
*Investigador e professor universitário
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