terça-feira, 4 de abril de 2023

OS MANTORAS DA LITERATURA ANGOLANA

Artur Queiroz*, Luanda

Um grupo liderado pelo sociólogo Paulo de Carvalho, presidente da Academia Angolana de Letras, foi ao Cemitério do Alto das Cruzes homenagear o poeta Viriato da Cruz. Entre os presentes etava o soldado motorista do RI20 (prémio nobel do oportunismo e do analfabetismo) e Fragasta de Morais. A TPA deu ampla cobertura ao acontecimento. Mostrou a campa, mostrou os homenageantes e ilustrou a peça com uma fotografia antiga de Mário Pinto de Andrade. O canal público de televisão não perde a mínima oportunidade para mostrar as suas habilidades na área da irresponsabilidade. O problema é que sem rigor não há jornalismo.

Fragata de Morais falou às massas e disse algo que parecendo inócuo, revela um iceberg de maldade. Disse sua excelência o embaixador reformado: “Viriato da Cruz foi secretário-geral do MPLA, muito antes do Agostinho Neto”. Estão a ver? Bom, mesmo bom era o Viriato. O Neto veio depois. A verdade é que Agostinho Neto nunca foi secretário-geral do MPLA logo a comparação só pode ser maldosa.

Um dia estava à conversa com Lúcio Lara e ele disse que nunca foi secretário-geral do MPLA mas até historiadores lhe atribuíam esse cargo: “O Lara aparece como secretário-geral nos períodos em que tivemos imensas dificuldades e problemas. O culpado era eu, pagava por todos os membros da direcção”.

Nada de falsificar a História. Por isso, é necessário esclarecer alguns aspectos do homenageado pelos Mantorras da Literatura Angolana. Viriato da Cruz é um poeta bissexto. Só escrevia no dia 29 de Fevereiro. Um dia quis saber junto de Carlos Ervedosa (foi ele que divulgou a obra do poeta de Porto Amboim) por que razão não era divulgada, mesmo clandestinamente, a produção actual do genial autor de “Namoro”. Resposta do Carlitos: “Tudo o que ele escreveu está publicado. Há poemas que não publicamos porque não tinham qualidade”. 

O que temos de Viriato da Cruz foi criado no final dos anos 40. Daí para cá ninguém conhece nada. Mas eu conheço uma peça. Durante dois anos ia todas as noites à Biblioteca Municipal da Câmara Municipal de Luanda (guarda todos os livros jornais e outras publicações oferecidos por Alfredo Troni) consultar a Imprensa do Século XIX. E fazia a recolha das crónicas de Ernesto Lara Filho que depois publiquei com o título “Crónicas da Roda Gigante”. Num jornal dos anos 40 encontrei um poema longo intitulado “Sá da Bandeira Pratinho de Porcelana”. Autor: Viriato da Cruz. Um a peça digna do soldado motorista do RI20 mas indigna do grande poeta e fundador do MPLA.

Sobre o poeta está tudo dito. Agora vamos ao político. Viriato da Cruz é um dos fundadores do MPLA. Sem dúvida. Quando a máquina de repressão colonial começou a perseguir os nacionalistas, ele partiu para o exílio. Agostinho Neto fez o percurso inverso. Mal concluiu em Portugal o curso de medicina e as especialidades regressou a Angola. E começou imediatamente a lutar pela Independência Nacional. Foi preso e deportado. Primeiro para Portugal, depois Cabo Verde e regresso a Portugal sob prisão.

Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade, ambos dirigentes do MPLA, encontraram-se com Álvaro Cunhal em Moscovo e pediram-lhe que tirasse Neto de Portugal onde continuava preso em regime de prisão domiciliária. Nessa altura, a direcção do movimento já tinha o eleito Presidente de Honra do MPLA. O Partido Comunista Português cumpriu e Agostinho Neto fugiu de Portugal para Marrocos. Se quiserem saber tudo sobre a fuga leiam o meu livro “Memórias de Jenny a Noiva do Vestido Azul”. 

Em Rabat foi recebido por vários dirigentes do MPLA, um deles era Mário Pinto de Andrade que desafiou Agostinho Neto para liderar o movimento. Ele aceitou o desafio mas impôs uma condição: Eleições para o comité director. Os dirigentes partiram todos para Kinshasa e foi aberto o processo eleitoral para a direcção do MPLA. Mário Pinto de Andrade patrocinou a lista de Agostinho Neto. Viriato da Cruz também apresentou uma lista. O mundo progressista vivia em plena querela sino-soviética e Viriato era maoista. Mobilizou todos os maioistas para a sua lista. Foram copiosamente derrotados. Como a UNITA em todas as eleições democráticas!

Viriato da Criz apresentou-se a votos com uma proposta arrojada: Vamos negociar com Holden Roberto no sentido da unidade nacional. Se ele aceitar extinguimos o MPLA e vamos todos para a FNLA. Uma vez lá dentro tomamos o poder e a revolução avança imparável. 

Foi derrotado. Mas ele e seus apoiantes saíram do MPLA e foram mesmo para a FNLA. Um dos maoistas era Matias Miguéis que depois de aderir à FNLA entregou à morte  os camaradas que partiram em reforço à I Região Político-Militar, então muito debilitada e isolada.

Ninguém mandou Viriato embora. Ele foi pelo seu pé, depois de derrotado. Esteve pouco tempo na FNLA. Desgostoso com o que viu no movimento de Holden Roberto, partiu para Paris. Também não aqueceu lugar. Decidiu então viver na República Popular da China onde convencia as autoridades de Pequim (era funcionário governamental) a esconjurar o MPLA! Leiam o livro de memórias que Sócrates Dáskalos publicou. A sua fúria anti MPLA era tal que um dia Gentil Viana andou à porrada com Viriato.

O poeta viveu na República Popular da China até falecer em Junho de 1973. Exilado. Ninguém o afastou do MPLA. Foi ele que se afastou. O seu comportamento político violou todas as regras que ele mesmo criou no movimento. Crimes capitais: Deserção, delação e traição. Ele desertou e traiu. É público e notório. 

O poeta Viriato da Criz fechou a oficina da Poesia no início dosa anos 50 para se dedicar à política em exclusivo. Mas deixou quatro ou cinco poemas que valem por toda a Literatura. Ninguém o silenciou. Foi ele que se remeteu ao silêncio. Politicamente foi um desastre. Lembro que defendeu com unhas e dentes esta tese: A luta armada não pode ser feita com mestiços e brancos. Estes só podem desempenhar serviços auxiliares como o apoio aos refugiados. Eu jamais homenagearia este político. 

Senhor embaixador Fragata de Morais: Agostinho Neto nunca foi secretário-geral do MPLA. Quando assumiu a liderança do movimento existiam graves divisões internas. Tudo paralisado, até a luta armada. Foi preciso chamar o “preto” para governar o barco e levá-lo até à Independência Nacional. Querem ver que o Viriato tinha razão? Não tinha e jamais terá. A Luta Armada de Libertação Nacional, a Guerra pela Soberania e a Integridade Territorial provaram isso à saciedade. Milhares de mestiços e brancos bateram-se até à morte pela Pátria Angolana.

 Angola tem um novo Mantorras na Literatura, chama-se Tchikondo e o seu livro de estreia foi traduzido para inglês. Vai ser lançado no Ruanda e na África do Sul. O escriba chama-se realmente Francisco Queiroz que, pelos vistos, depois do negócio das ossadas vai agora dedicar-se ao difícil comércio das palavras. O homem pensa assim:

 “Muda em termos de evolução, com mudanças pelas quais temos de estar preparados. Os padrões alteram-se, quer económicos, políticos, demográficos e inclusive dos relacionamentos matrimoniais, bem como o quadro de valores de referências éticas e morais sofrem uma evolução. Essa evolução foi a técnica utilizada na narrativa do meu livro, para colocar o leitor nessa distância de daqui a 150 anos, vivendo essa nova realidade mas olhar a partir dessa realidade o presente”. Temos mais um génio literário ao nível do soldado motorista do RI20 ou do Agualusa, o mártir da gramática!

Fui atacadíssimo porque ontem escrevi esta frase: “Gabriela Antunes, Luísa Rogério, Rosa Cruz e Silva foram colocadas ao nível de Miraldina Jamba. Parece mentira mas é verdade”. Porque sou sectário, sou isto e aquilo. Tenho de esclarecer. Luísa Rogério vai ser condecorada amanhã porque é uma grande jornalista. Tem feito tudo pela grandeza do Jornalismo Angolano. Grande sindicalista, grande lutadora. Não sei se tem algum partido ou com quem é casada. Merece a condecoração.

Rosa Cruz e Silva é uma das mais importantes figuras da Cultura Angolana. Não sei se tem partido ou se é casada. Sei que merece a distinção pela obra realizada, por engrandecer Angola. 

Gabriela Antunes, a minha amiga Gaby. Não sei se tinha partido. Casou com o Claude Jacques. Sei que fez muitíssimo por Angola na área da Educação e da Cultura. Merece a distinção. 

Miraldina Jamba só existe porque é da UNITA e casou com Jaka Jamba. Não fez mais nada de útil. Não pode ser colocada ao nível das outras três grandes mulheres que vão ser condecoradas. Perceberam?

Senhor embaixador Fragata de Morais. Agostinho Neto nunca foi secretário-geral do MPLA. Foi o Presidente. E o que ele fez por nós! O Viriato escreveu quatro ou cinco poemas e fez tanta confusão na política que se não fosse o génio de Neto atirava com o MPLA ao fundo. Percebeu?

*Jornalista

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