sábado, 30 de dezembro de 2023

Angola | Efeitos da Morte Cultural – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um historiador congolês estudou os laços entre o Reino do Congo e a civilização egípcia. Eu sabia que sou filho de Ísis e Hórus ainda que pertença à tribo dos que nunca tiveram pai, nunca tiveram mãe. Esses, segundo José Régio, nasceram do amor existente entre Deus e o Diabo. Que ninguém renegue as suas origens! Um ser humano sem raízes é facilmente escravizado. Foi assim que África se transformou no supermercado onde os europeus se abasteciam de escravos. Hoje podemos ser livres, se encontrarmos as raízes. Se conhecermos os nossos fabulosos mosaicos culturais onde não entra dinheiro vivo e contas bancárias.

José Redinha era um senhor simpático, reservado como todos os sábios, mas sempre disponível para ensinar. Tão aberto que publicou livros sobre os seus estudos no fabuloso mosaico cultural Lunda-Cokwe. Chegou a Angola como “aspirante” do posto administrativo do Chitato. Ficou fascinado com a cultura local! O chefe de posto deixava-o deambular pelas aldeias onde recolhia preciosidades culturais. 

Em 1936, José Redinha foi contratado pela Companhia de Diamantes de Angola (DIAMANG), antepassada da ENDIAMA, para fundar o Museu do Dundo. Em 1942, era o conservador. Falava e escrevia fluentemente a Língua Nacional Cokwe mas também todas as outras que se falam na Lunda: matapa, ukongo, txiluba, urunda e bangala. Criou uma intimidade familiar com os sobas. Fotografou e desenhou tudo e mais alguma coisa. Abandonou o Museu do Dundo em 1959, para fundar a Secção de Etnografia do Instituto de Investigação Científica de Angola e trabalhar no Museu de Angola. 

Redinha publicou estes livros: “Instrumentos Musicais de Angola (Sua Construção e Descrição) e o subtítulo Notas Históricas e Etno-sociológicas da Música Angolana”, publicado nos anos 40 e republicado pelo Instituto de Antropologia de Coimbra em 1984, “Esboço de Classificação das Máscaras Angolanas” (1963), “Insígnias e Simbologia do Mando dos Chefes Nativos em Angola” (CITA 1964), “Escultura Angolana Esboço de Classificação” (CITA 1967), “Álbum Etnográfico (CITA 1971). O Mestre ainda deixou uma fabulosa colecção de desenhos e fotografias. São milhares. Onde está este espólio cultural? Longe de Angola.

Graças ao convívio inesquecível com José Redinha um dia fui para terras do Cassai onde permaneci mais de três meses. Conheci a dança, a música, a poesia e os instrumentos. Já depois da Independência Nacional realizei um documentário sobre o txinguvo, a alma desta cantiga festiva de txianda: Maha Salucombo/Molo ueno/Uó mam’é é/Auó ielé mam’é/ Auó ielé mam’é/Ku luiji nhi cutaha meia/Uafuia Chiri/Hari jamuana/Nhi cutumba itondo? 

Na aldeia de Salucombo/Eu vos cumprimento/Uó minha mãe é é/Auó ielé minha mãe é é/ Auó ielé minha mãe é é/Na aldeia de Salucombo/Eu vos cumprimento/Uó minha mãe é é/ Auó ielé minha mãe é é/Uafuia Chiri/No rio a apanhar água/ Como pode saber/plantar mandioca?

Graças ao trabalho de José Redinha durante décadas, a Arte Sona (Lunda-Tchokwe) ganhou o estatuto de Património da Humanidade. Quando a obra fica concluída, ninguém quer saber dos andaimes. Foi assim que morreu a Cultura Congolesa. É assim que estão a morrer algumas Línguas Nacionais. A Mana Fina não deixa morrer a Língua Ngoya mesmo que seja apelidada de bárbara e selvagem. Selvagens são os destruidores dos nossos mosaicos culturais. Os corruptos que em nome do combate à corrupção puseram Angola em morte cultural. 

A Assembleia Nacional aprovou no dia 13 de Dezembro o Orçamento Geral do Estado, como sempre com o voto contra dos matadores e queimadores da Jamba. A senhora ministra das Finanças, 15 dias depois foi ouvir os agentes económicos e o governador da província do Moxico! Dina Vera devia fazer isso antes de elaborar o OGE, em todas as províncias.

Para justificar o dinheiro que anda a torrar nestas “visitas de campo”, Dona Vera recomendou inspecções às causas “da paralisação de projectos sociais na província do Moxico”. Monsieur de La Palice não fazia pior. Excelência, se não tem mais que fazer, vá para as Seychelles. Se nada tem para dizer, não é obrigada a falar. Ou faça como o chefe Miala que põe a criadagem a falar ou a escrever por ele. 

A propósito. À medida que os mandantes põem Angola sob a patorra do estado terrorista mais perigoso do mundo, em sentido contrário recuperam velhos e ultrapassados métodos soviéticos. O que fizeram com o Ministério da Interior é grave. Estamos a caminho da instauração de um estado policial. E ninguém se preocupa. Já poucos amam a cada vez mais inditosa Pátria Angolana. Viva o dinheiro! 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recuperou, este ano, activos no valor de dois mil milhões de dólares, disse ontem em Luanda o Procurador-Geral, Hélder Pitta Grós. As meias verdades são mil vezes piores que mentiras. Sua excelência não disse quanta riqueza foi destruída e quantos postos de trabalho se perderam, entre 2017 e o final de 2023. O povo sabe. A mesa e a barriga vazias dão conta todos os dias. 

Uma notícia de primeira página. O Orçamento Geral do Estado em Portugal tem uma verba para a recuperação da Fortaleza do Penedo (Casa de Reclusão) local histórico para portugueses e angolanos. O Executivo Angolano vai instalar lá o Museu da Resistência (agora somos pobres sobreviventes…) há muito sonhado mas nunca concretizado. No meu livro “LUANDA ARQUIVO HISTÓRICO” está lá tudo sobre a Fortaleza do Penedo. E de todas as outras da capital, mesmo as que desapareceram, como a de Nossa Senhora da Flor da Rosa, na Ilha do Cabo, varrida pelas calemas.

O Presidente da República enviou hoje a sua mensagem de Ano Novo ao Povo Angolano. A TPA emitiu o Hino Nacional com cortes no som. Problema técnico gravíssimo. E as palavras de João Lourenço vinham alguns segundos depois da imagem. Nem o Chefe de Estado tem direito a condições técnicas perfeitas. Ainda não perceberam que juntar num só ministério telecomunicações, tecnologias de Informação e comunicação social é o mesmo que confundir tomada de electricidade com focinho de porco ou obra-prima com a prima da obra. 

João Lourenço fez votos de paz na República Democrática do Congo, Moçambique, Sudão, Ucrânia, Palestina e Israel. Espantoso! Israel está a cometer um genocídio Na Palestina. Israel ocupa ilegalmente a Palestina. Como os racistas de Pretória ocupavam a Namíbia. E de rastos ante os EUA, o Presidente da República de Angola põe a Palestina e Israel no mesmo saco! Apoia o genocídio dos nazis de Telavive. Em 2024 vai piorar. Olhem para a Base Naval do Soyo!

* Jornalista

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