sábado, 30 de dezembro de 2023

Angola | A Demolição do Estado Nação – Artur Queiroz


Artur Queiroz*, Luanda

Portugal era o país ocupante das suas colónias em África e por isso não tinha o direito de se defender. Os povos de Angola, Guiné Bissau e Moçambique, que enveredaram pela Luta Armada de Libertação Nacional, sim, tinham o direito de lutar contra os ocupantes. A ONU foi chamada a resolver o diferendo. Era bom que o Ministério das Relações Exteriores publicasse com urgência tudo o que aconteceu na Assembleia-Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre Angola, entre o final dos anos 50 e 1974.

Em 1960, um grupo de países anticolonialistas apresentou a Resolução 1542 que condena Portugal “por incumprimento do Capítulo XI da Carta das Nações Unidas”. Foi aprovada! Lisboa dizia que não tinha colónias, mas “províncias ultramarinas”. Ficou decidido que Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, São João Baptista de Ajudá (hoje República do Benim), Angola, Moçambique, Estado da Índia (Goa Damão e Diu), Macau e Timor eram colónias. Territórios sob ocupação portuguesa.

A Resolução 1542 (15 de Dezembro de 1960) foi aprovada. Votaram contra a África do Sul racista, Bélgica e França colonialistas, Portugal e Espanha fascistas mais o Brasil! O embaixador Vasco Garin protestou. Franco Nogueira, que no ano seguinte veio a ser ministro dos negócios estrangeiros de Salazar, excrementou a ONU. 

O regime fascista organizou manifestações de repúdio da Resolução 1542 e contra as Nações Unidas pelo “assalto ao ultramar português”. Desde então sucederam-se manifestações nas ruas das cidades portuguesas mas também em Luanda, contra a ONU “por estar ao lado dos terroristas”. Hoje Israel faz o mesmo!

Ano de 1961, 4 de Fevereiro. A Revolução Angolana saiu à rua sob a Bandeira do MPLA. E ainda dura! As forças de repressão colonialistas causaram um banho de sangue em Luanda. Milhares de mortos! Logo no dia 20, países africanos pediram uma reunião de emergência do Conselho de Segurança “para impedir que os direitos humanos continuassem a ser violados em Angola”. O Conselho de Segurança só discutiu a questão entre 10 e 15 de Março de 1961.

No dia em que foi aprovada a Resolução 1807 rebentou a Grande Insurreição no Norte de Angola sob a Bandeira da União dos Povos de Angola (UPA). A Resolução 1807 exige “o reconhecimento imediato dos povos das colónias portuguesas à autodeterminação e independência”. Mas também a “cessação imediata de todos os actos de repressão e retirada das forças, e outras, utilizadas como tal fim”.

Esta histórica Resolução da ONU também exige uma “Amnistia política incondicional e liberdade de funcionamento dos partidos políticos; Início de negociações, na base da autodeterminação, com os representantes autorizados, existentes dentro e fora do território, com o fim de transferir os poderes para instituições políticas livremente eleitas e representativas da população; Rápida concessão de independência a todos os territórios, de acordo com as aspirações da população”. Estamos em 15 de Março de 1961.

Sabem qual foi a votação desta Resolução 1807 na Assembleia-Geral da ONU? Aprovada por 82 votos. Votaram contra Bélgica, França, Portugal, Reino Unido, África do Sul, Espanha e EUA. Mais 13 abstenções, entre as quais países do chamado Grupo NATO. João Lourenço escolhe bem as companhias, as amizades e o estado terrorista mais perigoso do mundo foi escolhido como parceiro estratégico. Eles não querem saber da História e odeiam quem tem memória!

Em fins de Agosto de 1961, animado pela reposição da administração colonial nos Dembos e a reconquista da emblemática vila de Nambuangongo, o ditador Salazar escreveu ao primeiro-ministro sul-africano uma carta secreta a propor uma aliança estreita porque “estamos quase sós em África”. Na mensagem, o ditador diz a Hendrik Frensch Verwoerd, um bóer da linha dura racista que nasceu em Amesterdão: “Ou o bastião português resiste ou a guerra atinge a África do Sul”. 

Salazar Acertou. Derrotado o colonialismo português, o regime racista de Pretória foi esmagado pelas heroicas FAPLA no Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. Teve que capitular e assinar os Acordos de Nova Iorque, em 22 de Dezembro de 1988.

Um combatente do Triângulo do Tumpo (escondo o nome para não ser perseguido pelo chefe Miala) disse-me na mensagem de Boas Festas: Estes gajos vão demolir o Memorial da Batalha do Cuito Cuanavale. Basta o Joe Biden dar ordens! A demolição já começou.

Em Portugal existe uma coisa sinistra chamada “Observador” (jornal digital) que congrega a extrema-direita racista e colonialista que vai desde o cavaquismo ao Chega e tem a bênção de Marcelo Rebelo de Sousa. De mãos dadas com a agência noticiosa Lusa, órgão oficial dos sicários da UNITA, cozinharam um texto sobre a Batalha do Cuito Cuanavale e o seu Memorial. Primeira investida da dupla ao serviço do aniquilamento da História Contemporânea de Angola que interessa muito a João Lourenço e aos seus amigos dos EUA:

“No Memorial da famosa batalha no Cuando Cubango, o papel da UNITA é totalmente omitido. Mas há negociações em curso para que também o partido do Galo Negro possa dar a sua versão dos acontecimentos”. Começou a demolição. O Palácio da Cidade Alta não brinca em serviço. Perdoar, abraçar, falsificar e agora demolir a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial.

A tripla Observador/Lusa/Miala afirma:

“Entre 15 de Novembro de 1987 e 23 de Março de 1988, no Cuito Cuanaval se enfrentaram as FAPLA do Estado angolano, apoiadas por Cuba e pela União Soviética, e os guerrilheiros da UNITA, liderados por Jonas Savimbi (…) mas no memorial o papel da UNITA é totalmente omitido, aclamando-se antes uma vitória gloriosa que permitiu libertar a África Austral das grilhetas do apartheid”. 

A tripla demolidora também diz que sobre a Batalha do Cuito Cuanavale “ainda há muito por contar”.  

Na madrugada do dia 26 de Dezembro perdi num incêndio quase toda a minha biblioteca e centenas de documentos históricos. Milhares de fotos. Estavam lá sete livros de autores sul-africanos sobre a Batalha do Cuito Cuanavale e a guerra dos racistas sul-africanos contra Angola. Está tudo contado, tudo escrito. 

Destaco as obras do Coronel Ian Breytenbach porque foi ele o “pai” das tropas da UNITA, transformadas em biombo das agressões sul-africanas contra Angola e unidade especial das forças de defesa e segurança da África do Sul racista para fazer o trabalho mais sujo. Eis os títulos: “The Buffalo Soldiers: The Story of South Africa’s 32ºBattalion” e “Eagle Strike!” (Editora Manie Grove Publishing, Sandton, África do Sul). 

Outra obra fundamental que conta tudo: “WAR IN ANGOLA: The Final South African Phase”, do analista militar sul-africano Helmoed Römer Heitman. 

Também podem ler “High noon in Southern Africa” de Chester Crocker, insuspeito secretário de Estado dos EUA.

Os Generais angolanos Higino Carneiro e Zumbi também publicaram livros onde há abundante informação sobre as agressões da África do Sul nas províncias angolanas de Cabinda, Zaire, Uíge, Luanda, Cuanza Sul, Huambo, Bié, Moxico, Huíla, Cunene e Cuando Cubango.  

A UNITA não está no Memorial porque era uma unidade do regime racista de Pretória. Por isso mesmo não esteve nas negociações de Nova Iorque, estiveram os seus chefes sul-africanos. A tripla tenebrosa diz que a Batalha do Cuito Cuanaval foi entre as FAPLA, ajudadas Cuba e a União Soviética,  “e guerrilheiros da UNITA”. O chefe Miala devia estar em Kinkuzu quando decorreram as operações sul-africanas em Angola. As tropas auxiliares da UNITA estavam integradas nas forças estrangeiras do apartheid.

Quanto aos cubanos na Batalha do Cuito Cuanavale, vou transcrever o que escreveu o Comandante Fidel de Castro no seu livro “Cuba e Angola Lutando pela liberdade de África e a Nossa”, página 80: “Uma situação verdadeiramente crítica foi criada no Cuito Cuanavale, onde não estavam cubanos, porque a unidade cubana mais próxima, estava 200 quilómetros a Oeste”. Quanto a soviéticos, nem a 200 quilómetros estavam. 

Falsificar a História Contemporânea de Angola com o apoio (por acção, omissão ou silêncio cúmplice) das mais altas instâncias de Angola é um crime sem perdão. Porque a História é a única matéria-prima com a qual se edifica o Estado Nação.

*Jornalista

Ler/Ver em PG:

Angola| Cuito Cuanavale, a história que está por escrever, da Lusa

Angola | Efeitos da Morte Cultural – Artur Queiroz

Angola | Fraudes dos Media aos Altares – Artur Queiroz

Angola | Propaganda e a Comitiva da Dona Vera – Artur Queiroz

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