segunda-feira, 20 de maio de 2024

Angola | Lourencismo com Ana Evita – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje é um grande dia. Está confirmado que temos um Peron pai do lourencismo e está na forja a nossa Evita, que já começou a ensaiar a canção Não Chores Por Mim Angola. O saco do arroz em breve desce para preços rastejantes, os candongueiros cobram 20 Kwanzas a corrida e a inflação desce vertiginosamente. No máximo, 240 por cento, apenas cem vezes mais do que prevê o senhor ministro Massano. Só um povo eleito pode usufruir de tantas benesses.

Hoje é um dia grande porque já habitam no parque do Iona girafas treinadas para comer areia e pedras em vez de acácias. Um dia destes, graças ao Presidente João Lourenço, vão ser acompanhadas e cobertas por camelos. Os sicários da UNITA nem acreditam que vão ser contemplados com fêmeas de longos pescoços.

Hoje é o dia maior dos grandes dias que vivemos desde 2017. Os representantes dos assassinos golpistas do 27 de Maio dizem que o golpe de estado militar não foi um conflito político. Nada disso. Segundo as organizações e os seus membros que vivem à custa do sangue e vidas das vítimas desde 1992, o golpe “tem de ser entendido como um processo de desaparecimentos forçados, seguidos de execuções sumárias e extrajudiciais”. Por isso querem uma “investigação histórica” a cargo do Carlos Pacheco, Silva Mateus, da Chica e de outros escravos da verdade. Viva Portugal e as suas colónias.

Em 1977 Angola era uma democracia popular na via do socialismo. Em 1977 o MPLA era uma organização revolucionária e seus militantes cavaram trincheiras onde defendiam intransigentemente, heroicamente, a revolução em África. Em 1977 o Presidente da República não era Peron nem impunha o lourencismo. A primeira-dama não era Evita nem facturava com a Fundação Ngana Zanza. Eu sei que para esta tropa Angola só existe desde que João Lourenço chegou aso poder. Mas estão errados. E lá atrás, no início, nem tínhamos onde comprar um quilo de fuba quanto mais Tribunais e juízes.

Em 1977 os golpistas tomaram de assalto o quartel da IX Brigada que na época era a maior unidade militar de Angola e uma das maiores de África. Tomaram de assalto a sede da DISA (Segurança de Estado). Tomaram de assalto a prisão de São Paulo. Convidaram mercenários e outros prisioneiros de guerra a saírem das suas celas e juntarem-se ao golpe. Em 1977 os golpistas tomaram de assalto a Rádio Nacional de Angola. Prenderam e mataram quem se lhes opôs. Cantaram vitória. Disseram aos microfones que os golpistas tinham derribado o governo legítimo. 

Em 1977 os golpistas decapitaram o Estado-Maior General das FAPLA. Assassinaram cruelmente os Comandantes Nzaji, Eurico, Bula Matadi e Dangereux. Só não mataram o chefe máximo das Forças Armadas, Comandante Xyetu, porque o seu motorista conseguiu fugir a tempo dos golpistas. Prenderam e levaram à força para a IX Brigada o Comandante Petrof, responsável máximo do Corpo de Polícia Popular de Angola, hoje Policia Nacional. Salvou-se do fuzilamento graças a um estratagema. O comissário político da polícia, Comandante Tetembwa andou a fugir aos golpistas nas ruas de Luanda. Até foi perseguido por um tanque de guerra!

Gravíssimo. Os golpistas montaram uma cilada ao ministro das Finanças, Comandante Saidy Mingas. Foi preso e torturado até à morte. Vingança por ele ter acabado com o “escudo” numa operação secreta que ele e Agostinho Neto dirigiram. O pai do Kwanza foi assassinado com requintes de malvadez. 

O Comandante Monstro Imortal, afilhado de Agostinho Neto, tinha a missão de matar o Presidente da República e líder do MPLA, explorando a proximidade entre ambos. Foi o único golpista que teve a dignidade e a cortagem de assumir as suas responsabilidades.

Em Maio de 1977 A gola era um país independente há 18 meses. Um ano e meio. Durante a transição, entre 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975, A CIA e Mário Soares organizaram pontes aéreas paras Lisboa, que esvaziaram a ainda colónia de praticamente todos os quadros técnicos. Todos os quadros superiores. Quase todos os operários especializados. Mais de 95 por cento dos funcionários públicos. Mais de 98 por cento dos comerciantes. Todos os serviços públicos encerraram, excepto os hospitais nas grandes cidades, graças aos poucos angolanos que ficaram nos seus postos e pessoal cubano.

Os Tribunais fecharam ou funcionavam de uma forma precária. O Ministro da Justiça, Diógenes Boavida, mobilizou funcionários judiciais para porem a funcionar algumas estruturas do Poder Judicial. Um esforço tremendo mas obviamente insuficiente. Praticamente não existiam advogados. Em 1977, Agostinho Neto e Diógenes Boavida decidiram que Angola tinha de ser um Estado Revolucionário e de Direito. Em Angola não existia o curso de Direito. A primeira coisa que fizeram foi criar condições para instalar uma Faculdade para formar os primeiros servidores do Poder Judicial. O projecto só se concretizou depois do golpe.

Em 1977 Angola era um país em guerra. No Norte ainda existiam bolsas de unidades militares que faziam a guerra ao Estado Angolano. No Sul registavam-se as agressões das tropas do regime racista de Pretória. Na Faixa de Caprivi, o coronel sul-afticano Ian Breytenbach preparava o “«exército” da UNITA. Guerra total contra Angola.

Em 1977 o poder era exercido pelo MPLA. As forças de defesa e segurança eram comandadas por dirigentes do MPLA. O Chefe de Estado era líder do MPLA. O MPLA era a vanguarda revolucionária do Povo Angolano. Nos estatutos do MPLA os crimes de traição, sedição e deserção eram punidos como fuzilamento. Regras da Revolução.

Em 1976, logo nos primeiros meses de existência da República Popular de Angola, os membros da direcção política e militar do golpe de 27 de Maio prenderam, torturaram e fuzilaram muitos angolanos por serem “contra revolucionários” ou sabotadores do processo produtivo. Eu escapei por pouco. Obrigado, camarada Lúcio Lara. Salvou-me a pele. Nito Alves foi o idiota útil dos golpistas nessas matanças, porque desempenhava o cargo de ministro do Interior, sem saber ler nem escrever. Era uma marionete. 

Em 1977 o edifício do Poder Judicial estava a ser construído mas ainda não tinha passado dos alicerces. Não existiam magistrados nem funcionários judiciais. Mas estava a ser construído. Os membros da direcção política e militar do golpe de estado de 27 de Maio foram todos julgados em Tribunal Marcial ou Conselho de Guerra. Uma estrutura criada para julgar os militares que cometeram os crimes de traição, sedição e deserção. 

O Tribunal Marcial que julgou os membros da direcção política e militar do golpe foi instalado no Ministério da Defesa. Os juízes eram militares. Na época, os militantes do MPLA eram políticos obrigados a pegar em armas. Primeiro contras o colonialismo. Depois contra os invasores estrangeiros. Quem pegou em armas para matar camaradas e derrubar a revolução foi condenado a fuzilamento. 

É verdade que na contensão do golpe militar foram detidos cidadãos que andavam na rua. Uns eram apoiantes dos golpistas. Outros apenas curiosos. Nada tinham a ver com os golpistas. Não foi feita uma triagem e todos tiveram o mesmo tratamento. São vítimas do golpe. Mas os responsáveis foram os golpistas. 

Hoje é um grande dia. O senhor ministro da Cultura disse que está preocupado com a proliferação de igrejas. Maravilha. Cá por mim, uma é demasiado. Zero é a conta certa. Por favor, Filipe Zau. Livra-nos das quitandas do ópio do povo. A ganza de ópio é lixada. Ficamos quietinhos, sossegados, sem mexer, quase anestesiados mas extremamente lúcidos. Não é uma boa viagem.

Hoje é um grande dia. O Brigadeiro Mualupassa da UNITA confirmou que o General Begin morreu mesmo vítima de um conflito grave com a diabetes. Leiam o seu depoimento: “Ninguém pode ousar dizer que foi vítima de assassinato. Aquando do recuo de Andulo, em 1998, o General Begin encontrava-se no Hospital do Chikumbi, de onde viajou até as áreas da Lúbia e, próximo das Comunicações Fixas, fixou a sua residência. Visitamo-lo eu e o Brigadeiro Xanja.

Nessa altura, pediu-nos que fizéssemos uma mensagem ao General Chimuku a pedir medicamentos, principalmente insulina. Saindo dali, não só fizemos a mensagem como também comunicamos ao Velho (Jonas Savimbi) sobre o estado de saúde do General, que era péssimo, com dificuldades de se locomover. Pouco tempo depois, o Velho enviou emissários em sua busca.

Nessas andanças, reencontramo-nos no Tchanji, onde ocorreu o seu falecimento por doença que vinha sendo acometido. Teve um funeral com honras correspondentes ao momento, num pequeno cemitério ao longo da estrada ou picada Luando-Chindumba-Kuemba. Como cemitério, era um local demasiado conhecido. Existem outros corpos que permanecem aí. Nada mais de especial”.

Já posso morrer descansado. Temos Peron e Lourencismo. Temos Evita. Temos o negócio do 27 de Maio em alta. Temos inflação descontrolada. E temos candongueiros cobrando por cada rota o mesmo que a turma da recuperação de activos recebe de comissões. Milhões. Deus é grande. O amor é ainda maior.

* Jornalista

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