Artur Queiroz*, Luanda
África é levar nos braços uma mulher ao som da música. O nosso semba, o samba, a Grande Música Negra. Tu sabes, meu amor, que Dollar Brand se perdeu sozinho na imensidão do piano. Manu Dibango emergiu da fumarada do cavô soltou tantos gritos do saxofone e depois fomos beber um rouge e comer sopa de cebola aos Halles. Noite, doce noite, só nós sabemos quanto custa morrer. E África esperando seus filhos longínquos, pedindo aos pássaros de arribação que lhe devolvam os filhos. E tu vibrando. António Jacinto cansado de tanto versejar na tonga da poesia. E Agostinho Neto, sempre Agostinho Neto:
(nos batuques choro de África
nas fogueiras choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África)
Hoje as vozes sonantes dos esclavagistas mandam-nos dizer que África não é dos chineses. África não é dos russos. África é dos franceses até à Nova Caledónia. África é dos comedores de vidas. Noite doce noite, só tu sabes a que hora chega o Come Vidas. Quando começa a dança dos feiticeiros nas copas frondosas das mwanzas. Eles comeram toda a carne de África e só deixaram os ossos mais duros de roer. E agora os seus sipaios dizem que África é só para os africanos. Agora que precisamos de independência. De transformar os ossos em leite para os nossos filhos. A Terra é para os Humanos. África é para os Humanos. América é pada os Humanos. Europa é para os Humanos. Ásia é para os Humanos. Oceânia é para os Humanos.
(nos batuques choro de África
nas fogueiras choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África)
Uma mulher levada suavemente nos braços ao som da música é o último prazer dos deuses. É África inditosa, nossa amada. África suplicando por seus filhos longínquos que vão regressar um dia das Américas mo voo das aves de arribação. Que se assustem os abúteres que debicam no corpo inerte de África, Que caiam todos os sipaios que usam o chicote dos colonialistas de sempre. Senhores ministros! Senhores presidentes! Os golpes inconstitucionais podem ser o sol derretendo a escuridão. O último recurso da Liberdade. O último grito. A última esperança.
Hoje. Dia de África inditosa, a nossa amada, entrego-vos estes versos de Agostinho Neto já apresentado no estribilho desta canção em surdina:“O choro dos séculos
inventado na servidão
em histerias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
O choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no círculo de ferro
da desonesta força
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de máquinas de contar
na violência
na violência
na violência
O choro de África é um sintoma
Nós temos em nossas mãos outras
vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos”.
Por fim, hoje quero homenagear um poeta que conheci no escritório do senhor Rodrigues, dono da Padaria Bailundo. E da Serração Bailundo. Ali na estrada da Cuca. O chefe dos padeiros chamava-se Perfeito!
O poeta andou entre o Pango, Cambondo e o Golungo, à procura de uma mulher que pudesse levar nos braços ao som da música. A Grande Música Negra. António Jacinto encontrou sempre tudo, até o beco que vai dar à morte muito antes do tempo. António Jacinto é um grande poeta africano. Assim ele homenageou a inditosa África, nossa bem-amada:
Bailarina Negra
A noite
(Uma trompete, uma trompete)
fica no jazz
A noite
Sempre a noite
Sempre a indissolúvel noite
Sempre a trompete
Sempre a trépida trompete
Sempre o jazz
Sempre o xinguilante jazz
Um perfume de vida
esvoaça
adjaz
Serpente cabriolante
na ave-gesto da tua negra mão
Amor,
Vénus de quantas áfricas há,
vibrante e tonto, o ritmo no longe
preênsil endoudece
Amor
ritmo negro
no teu corpo negro
e os teus olhos
negros também
nos meus
são tantãs de fogo
amor.
* Jornalista
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