Artur Queiroz*, Luanda
Liberdade de Imprensa é um
desafio que se coloca aos jornalistas desde as Tábuas Brancas de Roma. Tanta
vida imolada. Tanto sofrimento. Mas triunfou o Jornalismo. Nós viemos dos
pasquins. Da imprensa clandestina que combateu a dinastia filipina
A Liberdade de Imprensa em Angola estava instalada no jornal Echo de Angola (12 Novembro de 1881). Era propriedade de angolanos e a Redacção composta por jornalistas africanos negros, entre os quais José de Fontes Pereira, o mestre dos mestres. Jornal Pharol do Povo, subtítulo Folha Republicana, dirigido por Arantes Braga, o mais notável cultor do Jornalismo Doutrinário, de olhos postos na Independência Nacional. Jornal A Voz de Angola (1908) dirigido por Júlio Lobato. Arauto da luta pela Independência Nacional. Jornais que foram trincheiras da Liberdade, na luta pela libertação da Pátria Angolana.
A Liberdade de Imprensa fez estremecer o poder colonial lá onde mais lhe doía. A Guerra da Patuleia teve nos jornais o mais firme apoio. Um deles, O Espectro, de Rodrigues Sampaio, encurralou os inimigos da liberdade. Os ministros do Cabralismo chegavam aos seus gabinetes e encontravam um exemplar em cima da sua secretária. Lá colocado clandestinamente!
O mesmo Rodrigues Sampaio deu um impulso decisivo ao jornal A Revolução de Setembro, (1840-1901) arauto da República. Implacável na luta contra a ditadura de Costa Cabral, o primeiro-ministro português que na Revolução da Maria da Fonte fugiu para Espanha, numa caixa de sardinha e com a pressa que levava, nem disse adeus à rainha.
Rodrigues Sampaio escreveu um “fundo” no jornal a Revolução de Setembro que se fosse escrito hoje, no Jornal de Angola, tinha actualidade, a marca distintiva da Notícia:
Disseram que o povo rouba. Quem rouba é quem não tendo nada há poucos anos, hoje está feito grande senhor – os ladrões famosos não andam entre o povo. Não querem que o povo se revolte, mas não dão conta dos dinheiros públicos! Não querem que o povo se revolte, mas fuzilam-no quando vai à urna! Não querem que o povo se revolte, mas não soltam os absolvidos pelos Tribunais!
Liberdade de Imprensa é o desafio permanente dos Jornalistas. A marca indelével do Jornalismo. Na minha lista de Heróis da Liberdade de Imprensa está Karl Kraus, o judeu austríaco que em 1899 fundou o jornal Die Fackel (ATocha), onde era o redactor, tipógrafo, paginador e ardina. Distribuía a publicação nos cafés, teatros e outros locais públicos da cidade de Viena que na época era farol cultural da Europa.
Kraus escreveu isto: “O Jornalismo é o serviço militar dos poetas”. Mas era ainda mais mordaz em relação à nossa profissão: “Há grande falta de escriturários, foram todos para o Jornalismo!” O jornal acabou violentamente em 1936 com a ascensão do nazismo. Mas também porque estava instalado, com as armas da censura e as bagagens da propaganda, o Jornalismo Industrial. A Notícia já era uma mercadoria valiosa e os Jornalistas pobres assalariados. Nenhum patrão paga salário ao seu trabalhador que lhe lixa o negócio! Lá se foi a Liberdade de Imprensa.
Alto Lá! Em 1974 e 1975 os
Jornalistas angolanos impuseram a Liberdade de Imprensa
Depois da Independência Nacional fizemos o nosso caminho. Até conseguimos cozinhar omeletes sem ovos mas com alguns bêbados da valeta e muitos analfabetos militantes, fardados de comissários políticos.
As novas tecnologias permitiram, por pouco tempo, o regresso à Liberdade de Imprensa, sem patrões, sem a trela dos salários, sem bombardeamentos informativos censórios. Os donos do poder políticos e económico rapidamente criaram as “redes sociais”. A festa acabou, a luz apagou e o povo sumiu, como diria o poeta Manuel Bandeira. Fiquei desanimado. De repente, em 2006, surgiu um meteoro chamado WikiLeaks com cobertura universal e sede na Suécia, país que hoje tem um governo de extrema-direita. Os fundadores são Julian Assange e John Young. Tem edições em árabe, alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, japonês, norueguês, português, russo, turco e ucraniano.
O WikiLeaks divulgou documentos autênticos que são provas irrefutáveis de inúmeros crimes de guerra cometidos pelo estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). Julian Assange foi condenado a uma pena de prisão que só acaba quando morrer. Uma “regra” imposta pelo ocidente alargado a quem não se submete à censura.
O fundador do WikiLeaks está na prisão desde 19 de Junho de 2012. Refugiou-se na Embaixada do Equador em Londres pedindo asilo político àquele país. O regime mudou em Quito e Assange foi entregue à polícia inglesa que o encarcerou, em 2019, na prisão de alta segurança de Belmarsh, a leste da capital britânica. Sem ser julgado nem condenado, já cumpriu 12 anos de prisão. O Jornalista que deu um novo impulso à Liberdade de Imprensa vai continuar preso até morrer. Está quase. Os seus advogados anunciaram que está em condições físicas e psíquicas muito débeis.
Um amigo mandou-me uma mensagem na qual dizia que estou velho e caquético. Já escrevi 50 vezes sobre a prisão de Julian Assange. Errado! Já escrevi milhares de vezes porque passei toda a minha vida profissional a reflectir, em voz alta, sobre a Liberdade de Imprensa. Ousei produzir um trabalho académico no qual apresentei as formas modernas de censura. É um tema que interessa a alguém que anda há 60 anos no Jornalismo. Peço desculpa por maçar-vos com estas ninharias.
Os jornalistas de todo o mundo têm mais juízo do que eu. Nem uma palavra sobre um colega preso injustamente, sem julgamento, há mais de 12 anos. Eles é que sabem. Eu sou um velho repórter formado na escola da notícia, a cair da tripeça. Mas muito burro. Tenho um conflito insanável com os patrões e a criadagem do poder.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário