quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Angola | Negócios do Petróleo -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O ano de 1958 foi de mudanças em Angola. O Bilhete de Identidade chegou às populações do mato. Lá no Bindo o Arquivo de Identificação montou uma estrutura móvel para registar a população negra da aldeia e emitir o documento já sem a “raça”, que na época era negra, banca e “mixta”. Os brancos nascidos na colónia eram “brancos de segunda”. Os colonos ficavam furiosos com essa designação porque tinha implicações discriminatórias no futuro. Os filhos brancos de segunda não podiam chegar ao topo de nada. Cheiravam a negro. Os novos documentos de identificação já não tinham a designação da raça

Os funcionários do Arquivo de Identificação instalaram duas mesas debaixo de uma mangueira frondosa na fazenda de meu Pai, mesmo ao lado da aldeia. Primeiro foram registados os velhos. Eu estava de férias escolares e assistia aos trabalhos. Primeiro um  fotógrafo “paga já” tirava a xipala. Depois dois funcionários pediam a cada ancião o nome, filiação e por fim a idade. Esse conceito não existia na comunidade e diziam o número que lhes vinha à cabeça. Ouvi velhas e velhos declarem que tinham três anos! Naturalidade era Bindo, Ambaca, Cuanza Norte.

Chamei à atenção dos funcionários para os erros na idade e eles mandaram-me calar. Percebi porquê. Só iam registar velhos. Quando começaram a chegar jovens encartaram o estojo e seguiram para a fazenda do senhor Carlos Uking, a meio caminho até à grande fazenda Pumbassai. Mas foi um passo em frente. Até 1958 só os assimilados tinham direito a Bilhete de Identidade. Era obrigatório provar que falavam português, sabiam ler e escrever. Os seus hábitos eram europeus. Os Mais Velhos do Bindo estavam fora desses parâmetros mas receberam o seu Bilhete de Identidade. Eram todos crianças!

Hoje o Conselho de Ministros “analisou” a universalização do Bilhete de Identidade. No próximo ano vai arrancar. Todos vão existir. E o Executivo vai “facilitar” o registo dos bebés recém-nascidos. Eu sabia que João Lourenço é para nós mais do que uma mãe. Mas não ter Bilhete de Identidade tem as suas vantagens. A Dona Vera Daves não pode sacar aos indocumentados dinheiro para pagar a dívida pública e as despesas do Estado. Até porque nunca tiveram número de contribuinte. Eu sabia que não ter papéis é mais seguro do que andar armado.

A administração da Sonangol, no tempo de Manuel Vicente, decidiu concentrar todos os seus esforços no negócio do petróleo. A primeira consequência desta decisão foi não ir ao aumento de capital no Banco Comercial Português, depois do accionista ter assumido o compromisso de participar nessa operação. A posição da Sonangol “encolheu”. Na mesma lógica a Sonangol não foi aos aumentos de capital na AAA Seguros. A petrolífera nacional ficou reduzida a uma posição accionista de dez por cento. Os gestores da Sonangol também decidiram sair do negócio da aviação. Só petróleo.

Hoje a visão é outra. O Pai Querido fez da empresa um salmo, uma sucursal de Deus todo-poderoso e voltou aos negócios fora do gás e do crude. A administração acaba de anunciar que vai entrar no negócio do ferro na Jamba Mineira. Manuel Vicente devia explicar aos angolanos a razão ou razões que levaram a sua administração a não ir aos aumentos de capita no Banco Comercial Português e na empresa AAA. Se o tivesse feito no Tribunal, não tínhamos um inocente preso: Carlos São Vicente. 

Gilberto Manhiça, bastonário da Ordem dos Médicos de Moçambique, deu uma conferência de imprensa em Maputo para condenar a violência que, segundo divulgou, já custou a vida de 10 pessoas em todo o país. Nem uma vez exigiu que os “manifestantes” cumpram a lei. Faz caminho a ideia de que manifestações no espaço público são à vontade do freguês. 

A direcção do partido PODEMOS atira com os cidadãos para a rua, estimula o vandalismo, apela a destruições, promove o caos. Mas ontem foram ungidos por uma onda de bom senso. Anunciaram que vão contestar os resultados eleitorais no sítio certo: O Conselho Constitucional. Sem armas, sem tiros, sem assaltos, sem destruições, sem vandalismo. A Veneranda Presidente do Conselho Constitucional, Lúcia Ribeiro, anunciou hoje que os processos contenciosos estão em análise. O processo fica concluído dentro de 24 dias. 

Mal vai a Ordem dos Advogados de Moçambique que hoje mesmo pressionou o Conselho Constitucional a concluir que houve fraude eleitoral. Num comunicado até deu ordens aos juízes. A Internacional Fascista tem muito poder. Que isto sirva de lição para as eleições de 2027 em Angola. Há muito tempo para cortar as vasas ao banditismo político.

Abílio Camalata Numa, sicário da UNITA, publicou no Cub K um texto que é verdadeiramente um crime de alta traição à pátria. Título: “MPLA impõe aos angolanos um pai da nação”. Depois faz afirmações que colocam o país no tempo dos sobados. Leiam: “Angola é um conjunto de Nações que certamente ao longo do tempo, se irão constituir numa única Nação”. Portanto, não existe o Estado Angolano. As instituições republicanas não existem. Abílio Numa escreveu: “Neste momento, em Angola, não há nenhuma instituição com capacidade legal, excepto pelo poder da força, de impor um Pai da Nação a todos os angolanos”.

É mesmo verdade o que leram. Mas a dose é ainda mais grave: “Fazer do Dr. António Agostinho Neto único Pai da Nação de Angola é dividir os angolanos. Um referendo nacional reprovaria esta pretensão do MPLA numa percentagem que nunca atingiria os 30 por cento”. Vamos ao final da diatribe do sicário Abílio Camalata Numa: “Impor pela violência a construção de Angola é ignorar a diversidade que enriquece o ser e estar destes povos e mutilar a sustentabilidade do seu futuro”.

As memórias são muito curtas mas a minha ainda regista que uma das razões para os deputados da UNITA abandonarem a Assembleia Nacional quando foi votada e aprovada a Constituição da República foi esta: A UNITA queria Lei Fundamental a expressão “Povos de Angola” e não Povo Angolano. O tribalismo com dignidade constitucional!

Enquanto existir a UNITA, o regime democrático fica bloqueado.,A alternância é impossível. Ninguém vai colocar no poder, com o seu voto, sicários que negam a existência de Angola. Para o Galo Negro, Angola só existe se estiver sob a bandeira do colonialismo português ou do regime de apartheid sul-africano, esmagado no Triângulo do Tumpo e em todos os campos de batalha na Pátria Angolana.  

* Jornalista

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