O blogger "Mano
Shottas" é uma das dezenas de pessoas mortas nos protestos em contestação
aos resultados eleitorais
Nádia Issufo | Deutsche Welle
Um fim duplamente indigno: assassinado injustificadamente e desrespeitado no enterro. Uma brutalidade da polícia que não mereceu nota de pesar e muito menos o reconhecimento dos erros. Por cumprir fica o sonho de cantar.
O blogger de Ressano Garcia deixou forçadamente algo por cumprir, conta o irmão Basilito: "Ele era uma pessoa especial. Era uma pessoa que acreditava e que seguia o seu sonho, que era cantar. Era capaz de trabalhar em qualquer coisa que encontrava só para entrar no estúdio."
Mais um sonho abatido pela polícia em plena "live" nas redes sociais, a 12 de dezembro, durante um protesto na fronteira de Ressano Garcia. Assim começou o fim do "Mano Shottas", que chegou a pedir socorro ao vivo. O blogger acabou por morrer no Hospital da Moamba, relata ainda o irmão Basilito, que o socorreu, num contexto de condições médicas precárias.
"Tinha um assistente ali, não sei se era do hospital ou dos manifestantes, não estava uniformizado. Procurámos soro ali mesmo no hospital, colocaram nele e acho que um médico disse 'aqui tem muito barulho, não vou vos acompanhar, porque eu não recebo por isso'", relata o irmão.
Albino Sibiac, o nome verdadeiro do "Mano Shottas", tinha acabado de fazer 30 anos, a 7 de dezembro. Liane, de 2 anos e meio, não mais terá o amor e proteção do pai, nem a mãe, Vânia. O fim do produtor de conteúdos foi duplamente trágico, é que o seu enterro foi arrasado pela polícia, que irrompeu cemitério adentro a disparar contra os presentes.
Uma mãe sem chão
Ainda abalado, o irmão de Shottas conta: "Foi muito difícil, principalmente para a minha mãe. Foi muito difícil não conseguir segurar a minha mãe, foi muito difícil. Outros familiares tentaram fugir para casa, quando chegámos, a nossa casa tinha gás lacrimogéneo, ao ponto de eu filmar."
O último adeus ao filho de Ressano Garcia foi no sábado (14.12), dia em que a Polícia da República de Moçambique (PRM) se mostrou apostada em regar o chão da vila de sangue, disparando, aparentemente para impedir que a semente bem implantada dos protestos contra a má governação vingasse: "Mataram quatro pessoas e feriram outras nove", afirma Basilito, comovido.
O saldo partiu o coração dos moradores da vila. "Explicar essa situação foi muito difícil, porque não foram disparos em vão, a assustar, para levar as pessoas para casa. Já estamos acostumados a disparos contra alvos e não foi só um alvo, foram alvos", acrescenta.
Derrubada a narrativa de "bala perdida"?
Cidadãos já rechassam a repetitiva narrativa das autoridades de "bala perdida". O produtor de conteúdos digitais reportava as injustiças da sua vila e tinha mais de 67 mil seguidores. Por isso, consolida-se a ideia, entre os críticos do regime, de que o tiro foi intencional. Leitura semelhante faz a sociedade civil.
O ativista André Mulungo, da ONG Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), não tem dúvidas de que a morte de Shottas seja resultado de "ordens superiores": "Nós acreditamos que é uma ordem clara, mas não condenamos a polícia, pois também é vítima e está a ser instrumentalizada, está a ser usada como um instrumento de repressão por parte dos dirigentes deste país."
Talvez Shottas passe a ser visto
como um herói
"Enquanto CDD vamos entrar com uma ação para a responsabilização do Estado por conta do assassinato do jovem blogger. Entendemos que o agente que atirou, atirou numa missão do Estado. A ação vai ser contra o Estado", garante.
O ativista entende também que "se este [Estado] entender que a ação do seu agente foi ilegal, ele vai ter de responder, também ao que a Constituição chama de 'direito de regresso', que é buscar a reparação ao seu servidor".
Ler/Ver em DW:
Moçambique: Pico dos protestos pode ainda estar para chegar
Sem comentários:
Enviar um comentário