Da Devastação de Nossas Florestas e Lavouras
Passou perto, diriam os ambientalistas, com respeito à recente frustração na votação do Novo Código Florestal. Mas, enquanto muitos comemoram o adiamento da discussão, com aquela velha e conhecida ilusão brasileira de “vamos deixar para depois, que tudo acaba se resolvendo”, não percebemos a dimensão bem maior da devastação. Não estou falando da devastação de nossas florestas, cerrados, manguezais etc., que aparece mais claramente, durante a discussão dos impasses políticos da reforma. Refiro-me, em sentido mais amplo, ao país, de modo geral, que vem sendo devastado em sua infra-estrutura e sua economia, ao sabor da motosserra do populismo e da ineficiência que com ele se impõe.
O Brasil precisa conservar sua natureza, isso é unanimidade, mas igualmente necessita consolidar seu parque produtivo, sua economia emergente, sob o risco de, assim não fazendo, provocar o eterno assalto à sua natureza, como vem ocorrendo, desde sempre, para socorrer a iminente pobreza. Essa devastação política e administrativa, que já se iniciara há bastante tempo, consolidou-se, firme e forte, nos últimos governos populistas e equivocados, colocando-nos na trilha do atraso, sem que muitos se apercebessem. O impasse das reservas legais e de uma eventual e vergonhosa anistia aos desmatadores mostra claramente os resultados deste paradigma das devastações colonialistas da natureza e da economia.
Comecei minha vida profissional na lavoura. Fui pioneiro da agricultura do Mato Grosso, hoje uma das maiores potências produtivas do Mundo. Escrevi meu nome na história e me orgulho disso. Mas, calma aí, antes de me enxergarem como um vilão do agronegócio, com olhar reacionário, tal como olhamos a “bancada ruralista”, só pelo fato de que “estão do lado de lá”, vamos dar chance à reflexão, a partir de nossa capacidade humana de raciocinar. Assim, deixem-me explicar: Eu estava lá, no início dos anos de 1980, em busca do que se chama de “The adventure of a lifetime” ou a aventura de minha vida, motor de grande parte dos jovens de minha época. Por isso, talvez eu seja pessoa adequada para falar sobre tudo isso, pois passei a conhecer os dois lados deste grande país: Agronegócio e produção, de um lado, e conservação do ambiente, de outro, matéria à qual tenho dedicado minha vida profissional, há pelo menos vinte anos.
Naquele tempo, não era o primeiro milhão de dólares que movia os aventureiros como eu. Eram os desafios de realização, de conquista de novas fronteiras. E era assim que chamavam o Mato Grosso, naquele tempo – Fronteira Agrícola. Assim, em vez de ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil, decidi partir para aquele estado, que era verdadeiramente o Velho Oeste de nosso país. Dormindo sob lonas de plástico, cozinhando sobre fogão de lata de óleo e fazendo turnos de trabalho, junto com meus funcionários, sobre ruidosos tratores agrícolas, conheci sobre a dureza de se domar a natureza, aprendendo a respeitá-la, como dizia o filósofo Francis Bacon, há coisa de cinco séculos. Tive sorte, em meus propósitos, talvez, pois não fui obrigado a derrubar um hectare de mata ou de cerrado sequer, ainda que tenha sim aberto bastante área para a agricultura, com meu incansável trabalho.
Ocorreu que, quando cheguei ao Mato Grosso, encontrei terras já derrubadas e, percebendo que ainda havia cerrado em pé, determinei sua manutenção, mesmo sem saber, na época, muita coisa sobre reservas legais (reservas florestais) ou áreas de preservação permanente (APPs). Boa parte da vegetação da propriedade ficou intacta, mesmo tendo sob ela as melhores terras agrícolas do Planeta, o que motivava críticas de meus pares, sobre decisão tão estranha: “Para quê manter esse matinho mirrado, se pode plantar e lucrar mais?” Pois, eis aí a chave daquilo que pensava, desde então, e sobre o que pretendo agora falar: PRODUTIVIDADE IMPORTA MAIS QUE PRODUÇÃO. Ou seja, melhor que produzir um monte de soja, com grandes custos financeiros e ambientais, pensava eu, seria produzir mais e melhor, em menos áreas. Nessa equação, recentemente, entrou nova variável, quase tão importante quanto a produtividade no interior da fazenda – LOGÍSTICA, que significa mais ou menos: Levar o que produzimos até quem vai consumir.
É aí que chegamos ao meu ponto de vista sobre essa luta econômica e política fratricida, durante o embate do Novo Código Florestal, uma guerra destrutiva para o ambiente, que é de todos nós, agricultores ou cidadãos comuns. Quem viveu os tempos da ditadura, poderá lembrar que o governo punha patrões e empregados um contra o outro, enquanto se dedicava, por trás das cortinas, a mergulhar o país numa de suas piores jornadas em sua história: o expansionismo, a inflação e a dívida. Hoje, assistimos ao governo adotar estratégia semelhante, ao empurrar agricultores e ambientalistas para o confronto, enquanto escapa pela tangente das mais importantes discussões sobre o país que queremos ser. Enquanto pólos aparentemente opostos – conservação ambiental e agropecuária – se enfrentam, o poder se dedica às mais suspeitas manobras, junto ao capital internacional, ávido para entrar pelas nossas fronteiras, sem tratar de suas mais elementares missões, dentro do país, que seriam aquelas que realmente lhe caberiam: Melhorar nossa infra-estrutura, nossa eficiência, preparando-nos para nos transformarmos num país verdadeiramente desenvolvido.
Os produtores gastam seu tempo, seu dinheiro e sua energia tentando garantir aparentes vantagens para sua classe: Resumindo, pleiteiam a pura e simples diminuição das áreas legalmente protegidas, dispostas no atual Código Florestal, apresentando, para isso, as mais diversas razões. Entre tantos pontos, destacam-se a diminuição – dispensa, em certos casos – da chamada RESERVA LEGAL, que é uma parte das propriedades que devem ser mantidas intocadas, de modo a formar um mosaico complexo, país afora, contendo uma fração da vegetação um dia existente. Em outra frente mais dramática, pedem – praticamente exigem – anistia para aqueles que não respeitaram os limites de preservação das reservas legais, desde 1965, quando se promulgou o atual Código, transformando integralmente suas terras em lavouras e pastos. Os ambientalistas, com virtual apoio do restante da sociedade, reclamam deste retrocesso, acusando os “ruralistas” de desmatadores e destruidores da natureza.
Se o Brasil quiser trazer para o centro, onde residem as virtudes, essa acalorada discussão, terá que entender as duas vertentes do problema e, de forma inevitável, acabará percebendo o quão deslocado se encontra o foco do debate, pois não foi capaz de enxergar as verdadeiras responsabilidades. Os produtores alegam, sem mentir, pois assim era, nos tempos das fronteiras agrícolas, que o poder público estimulava a abertura de terras, através exatamente de suas políticas ruinosas de expansionismo, quando abarrotava de dinheiro – INFLAÇÃO DE ALGUM TEMPO DEPOIS – as contas dos agricultores, com a concomitante obrigação destes de abrir mais e mais áreas no Cerrado e na Amazônia. Os ambientalistas, evidentemente mais lúcidos, ainda que sem a “batata quente” do endividamento contraído pelos produtores nas mãos, contra-atacam com o inequívoco argumento de que a Lei já existia, desde 1965, e não se pode alegar seu desconhecimento. Mas, acima das eventuais negociações, para se encontrar termo de bom senso para a questão, uma coisa tem que ficar bem clara e não está: O poder público terá que coçar o bolso, além de envidar necessários esforços institucionais, para ajudar a resolver esta pendenga, de uma forma ampla e definitiva. Assim, tornemos claras suas responsabilidades, para depois definirmos aquelas da sociedade civil – produtores e ambientalistas.
O poder tem tratado o país como um grande shopping-center, mobilizando forças para trazer capitais – SIM, CAPITAIS, aqueles que o PT tanto repudiava! – para abarrotar nosso caixa. Mas, praticamente nenhum esforço faz para garantir a infra-estrutura que tornará possível ao país aproveitar suas chances no cenário mundial. Isso significa, por exemplo, que sobram recursos abundantes para financiamento de qualquer lavoura, no Centro-Oeste, propiciando meios ao aumento nominal da produção. Porém, o governo patina, como um caminhão na lama das estradas do Mato Grosso, na tarefa de garantir a LOGÍSTICA e a qualidade do parque produtivo. É O GOVERNO, COM SUA DESÍDIA NOS TRANSPORTES, POR EXEMPLO, O GRANDE RESPONSÁVEL PELA LUTA DO AGRONEGÓCIO POR MAIS TERRAS. Por quê? Vejamos, então.
Poucos sabem, nas grandes cidades, que uma saca de 60kg de soja devolve ao produtor de Mato Grosso, hoje, algo em torno de R$ 38,00, enquanto se paga por ela, no Paraná, próximo ao Porto de Paranaguá, por onde ela será enviada à Europa ou China, algo em torno de R$ 44,00. Uma diferença que chega a ser de quase 15%, em média, a menos, nas mãos do produtor mato-grossense. Tudo isso, por conta das péssimas rodovias e ferrovias, que não contam com a obrigatória atenção do governo, já há bastante tempo. Além disso, devido à precariedade da infra-estrutura viária os fertilizantes chegam ao Centro-Oeste custando até 20% mais do que no Sudeste. Devemos lembrar que os solos do Cerrado são fracos e sua capacidade produtiva se deve mais à topografia plana e extensa disponibilidade de terras, jamais à sua fertilidade. Assim, o parque produtivo do Centro-Oeste e Amazônia gasta muito mais, onerando a produção. Como a agenda de INVESTIMENTOS é dura para os agricultores, pela taxa de juros aqui praticada, fica difícil aumentar a PRODUTIVIDADE… Ou seja, por essas contas, melhor abrir mais áreas. Afinal, quem manda é a economia de escala – QUANTO MAIOR O EMPREENDIMENTO, MAIOR O RETORNO, POR CAUSA DAS PEQUENAS MARGENS DE LUCRO.
Com suas lavouras devastadas pela ausência de políticas sérias de transporte e agricultura, os produtores somente encontram uma solução para seus problemas: A DEVASTAÇÃO DAS FLORESTAS E CERRADOS. Pode-se inferir, sem dificuldades, que a adoção de políticas sérias e responsáveis de fomento à produtividade e de melhorias nas estradas e ferrovias poderia poupar o país de atacar, uma vez mais, suas florestas e cerrados, para pagar esta conta de ineficiência, ora sobre os ombros dos produtores. Ou seja, enquanto dormimos tranqüilos, pelo adiamento da votação do Código Florestal, esquecendo-nos de pressionar em outras frentes, consolida-se a devastação silenciosa, tanto de nossas florestas, quanto de nossas lavouras. Deveríamos voltar logo à discussão de nossa Lei Ambiental Maior, tendo a consciência de que o país não abrirá mão de um só hectare de seu parque produtivo atual. Mas, por outro lado, teremos que colocar o governo no seio da discussão, para que ele mostre suas intenções reais, quanto ao futuro de nossas matas e lavouras. Se abrirmos os olhos, poderemos encontrar via de compensação pela devastação já realizada e, com muito esforço, impedir que prossiga este nefasto processo de irmão destruindo irmão; cidade versus campo; ambientalistas contra ruralistas. O que queremos é um país melhor. Só que, para isso, talvez não possamos contar com nossos atuais governantes. Espero que tenhamos tempo para mudá-los.
*Orlando Graeff é engenheiro agrônomo e consultor em Meio Ambiente.
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