Rui Peralta
We, the lobbies, decide
É por todos conhecida a enorme influência dos lobbies económicos nos poderes legislativo e executivo dos USA, ao ponto de uma das principais denúncias do movimento Occupy Wall Street, ser esta corrupção que mina e impede o exercício da soberania popular, definida na Constituição norte-americana, cuja introdução começa com a frase: “We, the people, decide”. A influência lobística é de tal ordem que este princípio da soberania popular está seriamente ameaçado pelos grupos de interesse que se movimentam na sombra do Poder. E de tal forma este fenómeno do capitalismo é sentido pelos norte-americanos que um estudo realizado por diversas Universidades e Institutos de vários estados, utilizando um universo de dois milhões de inquiridos, das mais diversas origens e grupos socioprofissionais e etários, revela que 68% dos inquiridos acredita que estes grupos controlam o Congresso e 78% acreditam que os lobbies financeiros e económicos controlam o governo federal.
É este o sistema do Corporate América, aquilo a que o Occupy intitula o 1%. Mas não é um exclusivo da sociedade norte-americana. Também na Federação Russa a democracia é posta em alto risco de extinção pelos grupos que se abrigam no Kremlin, sob a protecção do czar Putin. Também aí fortes movimentações populares ocupam espaços públicos, protestando contra a corrupção da classe politica, por mais direitos, melhores condições de vida, cumprimento das liberdades e garantias. O czar, que apareceu como o redentor da nação, limpando o lixo dos oligarcas (escondendo-o por debaixo dos enormes tapetes do Kremlin), que já experimentou vários altos cargos, que já foi presidente, que contornou a lei constitucional e voltou á presidência (onde tinha deixado um boneco, para o assento da cadeira não arrefecer) mandou reprimir, logo no acto da sua eleição, uma manifestação convocada por diversos sectores políticos (desde o Partido Comunista á Rússia Unida, passando pela Frente de Esquerda e variados quadrantes) que reuniu 60 mil manifestantes que acamparam no parque Chistie Prudi, em Moscovo.
Mas os níveis mais elevados de corrupção e desrespeito pelos direitos dos cidadãos surgem na UE e nas suas instituições. As civilizadas democracias europeias mergulham na barbárie da corrupção, infernizando a vida dos cidadãos. Mas antes de aprofundar a vertente europeia do inferno, vou continuar com o relato de Chris Two, que entrou precisamente no dito cujo. Contou o Chris:
As Portas do Ocidente das Trevas são a entrada. Tenebrosa região, de fumos e gases, que a enxofre tresandava e a fezes. Por ali entrava cada alma condenada a este Inferno ardente, acompanhada por um guardião. Entra a alma condenada numa sala oval, sem janelas, de calor imenso. É a alma confrontada com o seu passado, assume a culpa de todo o mal e num momento intenso implora limpar o pecado.
Em seguida são levadas para o jardim dos suplícios, onde são lançadas na lava incandescente em longos martírios de dor crescente. No Inferno este é o passo primeiro. O passo segundo no Inferno da alma consiste em esperar ao lado do carcereiro. A cada tortura ele pede calma á alma sofrida. “É vasto o Inferno. Imenso. Muito maior que o Paraíso… E mais intenso, não achas querida?” Chris esboçou um sorriso
Passaram para uma zona de grutas profundas. Na sua escuridão habitavam as almas dos maquiavélicos, sussurrando, manipulando e conspirando entre si. Mais á frente o solo tornou-se árido e arenoso, lugar habitado pelas almas dos que detinham títulos académicos, mas que foram em vida medianamente medíocres e que nunca estiveram á altura do título que orgulhosamente ostentavam. Já os teólogos medianamente medíocres residiam nos terrenos áridos rochosos. Neste Inferno os ricos que assumiram a sua riqueza de forma ignóbil e os nobres sem nobreza de espírito continuam a viver em mansões e palacetes opulentos, dedicando-se á magia e coisas ocultas. Quanto aos ladrões, homicidas, vigaristas, pedófilos e almas vingativas, habitavam em ruas nauseabundas, por onde buscam restos inexistentes.
Entraram depois numa zona, imensa, onde só existiam jaulas. O Anjo explicou: “Esta é uma área para as almas dos que viviam normalmente as suas vidas. Só que cometeram diversas faltas menos graves. No Inferno a cada falta cometida em vida corresponde uma jaula e essa falta acompanha, eternamente, a alma, o que implica que esta fica enjaulada para todo o sempre, porque a falta cometida em vida é uma ferida que nunca sara.” Mais á frente a paisagem altera-se ligeiramente.
O próximo Inferno foi o dos Ignorantes. Talvez porque tenha sido teorizado por eruditos, juristas e teólogos, o Inferno é muito pior para os ignorantes do que para os ladrões, vigaristas, pedófilos, homicidas, etc. Os ignorantes são os únicos que podem ter uma segunda morte, ou seja, a alma dos ignorantes pode morrer, não é eterna (o que no Inferno é mais um alivio do que um castigo). As suas almas, depois de morrerem, renascem no mundo terreno, como animais domésticos, abandonados durante a sua infância. Quando estes animais morrem, as suas almas, que são as almas dos ignorantes que morreram no Inferno, renascem como vermes. Ao tornarem a morrer, voltam ao primeiro ciclo, ao Inferno e recomeçam todo o ciclo de novo.
O Inferno seguinte foi o dos voluptuosos. A alma dos voluptuosos é encaminhada para o Inferno porque a volúpia é crime no Paraíso. Com o propósito de castigarem estas almas, os demónios esculpiram duas estátuas em chamas: Uma de mulher esbelta, outra de homem com porte atlético. Para a primeira estátua, os demónios auxiliares atiram as almas voluptuosas dos heterossexuais masculinos e das adoradoras de Lesbos. Para a segunda estátua, os demónios atiram as almas voluptuosas das heterossexuais femininas e dos homossexuais masculinos. Chris e o Anjo passaram por uma antecâmara em que um espelho de sombras espelha os delitos. Cada vez que a alma condenada olha-se no espelho, este reflete todos os crimes e pecados, cometidos em vida, por essa alma. Neste Inferno, há um anjo, criado por Deus, que tem tantos dedos como o número de almas condenadas. Quando alguma alma assume o arrependimento e obtém o perdão do Senhor, é ele que a transporta para o Paraíso, perdendo um dedo. Outra curiosidade é uma enorme aranha, que tece uma teia infinita, por onde passam todas as almas condenadas. A aranha é aterradora, mas apenas tece, eternamente, a sua teia.
Foram depois para um Inferno que é usado exclusivamente para purificar as almas, tipo Purgatório. È um pequeno inferno, de curta duração, não identificável. Os suplícios não são horrendos, pois são almas condenadas em processo de purificação. As penas neste inferno vão de um mínimo de 9 anos ao máximo de 3 mil anos. Ao saírem deste inferno pela primeira vez, as almas ocupam os corpos de répteis. Na segunda vez ocupam os corpos de animais aquáticos. Na terceira ocupam animais terrestres de grande porte. Na quarta e última vez, ocupam os corpos humanos. Se após este processo a alma continuar impura recomeça o ciclo num dos Infernos e por lá fica, eternamente.
Estavam a chegar ao fim da região Ocidental do Inferno. Iriam pernoitar no Inferno dos franceses. Apesar das imensas penas a aplicar às almas condenadas, este não é um Inferno eterno e depois de cumpridas as penas, os franceses voltam á vida terrena para uma nova vida. É essencialmente um inferno político. Os comunistas voltam como socialistas, os socialistas voltam como gaullistas, estes como neogaullistas, estes como extrema-direita e depois repetem o ciclo.
E com estas linhas sobre o inferno gaulês volto ao tema e abandono o relato da peregrinação do Chris Two até ao próximo Ampla Cidade. A corrupção na Grécia, por exemplo, serve para justificar as medidas de austeridade, troikamente impostas ao Povo grego. Mas quando as troikas e merkelizadas luminárias referem a corrupção grega não mencionam a classe politica e as elites financeiras e económicas deste país que perpetuaram um sistema fraudulento (uma Parceria Publico Privada, como manda a regra), com o qual beneficiaram-se em detrimento do conteúdo dos cofres públicos. Um exemplo: as Olimpíadas de Atenas em 2004. Com um orçamento previsto de 9 mil milhões de euros, os custos foram multiplicando-se, vertiginosamente e chegaram aos 28 mil milhões de euros, coisa que ninguém, hoje, consegue justificar. Outro exemplo: desde 2010 mais de 60 mil milhões de euros (27%) saíram da Grécia directamente para os paraísos fiscais, á conta da famosa prática da livre circulação de capitais imposta pelos regulamentos ultraliberais do FMI, Banco Mundial, OCDE e UE. Enfim…
Um informe do Banco Mundial, referente ao ano de 2010, sobre a corrupção na Grécia, menciona que o volume de comissões ilegais e subornos pagos a funcionários públicos, dos mais variados escalões hierárquicos da burocracia grega, por empresas gregas para obtenção de licenças, contratos e concessões e para evitar ou encobrir inspecções fiscais e baixa de impostos, ronda os 436 milhões de euros.
Mas deixemos Atenas e passemos a Bruxelas. Um estudo dos sindicatos austríacos revela que existem entre 15 mil a 20 mil lobbies instalados na Comissão Europeia e que são gastos 3 mil milhões de euros a influenciar a Comissão. 68% dos lobbies são formados por interesses das grandes empresas do sector financeiro. Mais interessante ainda é que a Comissão considera esses lobbies como aliados, sendo periodicamente consultados para a tomada de decisões.
Vai haver um dia em que teremos de agir para podermos decidir.
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