Artur Queiroz*, Luanda
Os sábados são sempre dias de descompressão e sede olímpica que ninguém consegue matar porque se espalha pelo corpo todo. Estava descontraído, livro ao lado pronto a ser lido, copinho de vinho para desobstruir as artérias coronárias e caí na asneira de ler a página de Opinião do Jornal de Angola. Deu-me um baque no coração e falei para o copo e o livro: Isto é feitiço! Fiquei inquieto, comecei a coçar a cabeça, Li e reli. Ismael Mateus assina um texto com este título “Os próximos anos serão muito agitados para a FPU e a UNITA”. Mais um imortal? Um génio que escreve a partir do mundo dos mortos? Já me lixaram o sábado.
Acalmei, li umas quantas páginas, beberiquei mas não me concentrei. Muita inquietação. Li mais umas novas do dia e bati de frente com a entrevista de João Lourenço ao New York Times. Um desses antros de internet onde assassinam o Jornalismo Angolano transcreve esta parte das declarações do Presidente da República: “O modelo acordado pelo anterior Governo para obter financiamento da China foi prejudicial para o país. Eu não aceitaria um novo empréstimo nas mesmas condições”.
O Destruidor Implacável começou por alinhar com o coro do ocidente alargado contra a Federação Russa, quando Moscovo se fartou de emitir avisos que ninguém ouviu para pararem de encostar os canhões da OTAN (ou NATO) às fronteiras russas. Vejam lá, pensem bem, não façam da Ucrânia uma imensa base militar dos EUA para nos meterem os canhões na boca! Vejam lá, deixem a Ucrânia ser neutra. Por favor, não desencaminhem os ucranianos, eles assumiram um caderno de encargos quando decidiram ser independentes. Assinaram os acordos de Minsk. Tirem de Kiev os nazis que puseram no poder, com o golpe de 2014.
Ninguém quis ouvir. Só abriram os olhos e os ouvidos quando começou a operação militar especial para desarmar e desnazificar a Ucrânia. O ocidente alargado fez da Ucrânia um imenso cemitério. Agora a Casa dos Brancos exige que os miúdos ucranianos de 18 anos sirvam de carne para os seus canhões. E puseram o Zelensky a dizer que está pronto a aceitar um acordo de paz, se a Ucrânia entrar imediatamente na OTAN (ou NATO).
O ocidente alargado exultou com tão inteligente proposta. Isto só pode ser feitiço! Os dirigentes políticos do ocidente e alargado já confundem armar com desarmar. A OTAN (ou NATO) é u m bloco militar agressivo que já destruiu países às ordens da Casa dos Brancos. Moscovo quer desarmar a Ucrânia! Desarmar, não é natificar. Desnazificar, não é incluir o país na Internacional Fascista criada pelo Trump. João Lourenço continua alinhado com a Casa dos Brancos, Bruxelas e Londres.João Lourenço diz hoje que o modelo acordado pelo anterior Presidente da República, José Eduardo dos Santos, para obter o financiamento da China foi prejudicial para o país. E garante: “Eu não aceitaria um novo empréstimo nas mesmas condições”. Que génio! Claro que hoje ninguém aceitava o empréstimo da China garantido com o “colateral petróleo”. Porque há alternativas. Porque estamos em paz há 22 anos. Porque José Eduardo dos Santos e o seu ministro José Pedro Morais removeram o veto do Clube de Paris.
Hoje ninguém aceitava as condições do empréstimo da China a Angola porque há muitas alternativas de financiamentos. Porque não é preciso reconstruir tudo o que a Casa dos Brancos e seus sócios do regime racista de Pretória mais a UNITA destruíram. Hoje não é preciso reconstruir infra-estruturas essenciais.
Na época a realidade era outra. A comunidade internacional assumiu o compromisso de financiar a reconstrução nacional depois das eleições de 1992. Lembra-se camarada João Lourenço? Não me diga que estava distraído a contar o kumbu da Argentária!
Como a UNITA perdeu as eleições, o primeiro-ministro Marcolino Moco foi a Bruxelas apresentar as necessidades da reconstrução nacional e os “doadores” bateram-lhe com a porta na cara. Não há nada para Angola onde o MPLA ganhou as eleições e com maioria absoluta.
Não fizeram o financiamento a Angola mas Jonas Savmbi recebeu armas, dinheiro, combustíveis munições para a sua rebelião armada com vista a tomar o poder pela força e matar a democracia ainda no ovo. Angola precisou de mais milhões para o esforço de guerra. O país totalmente destruído ficou ainda mais destruído. O povo vivia à míngua. Ficou ainda mais desgraçado. Foram dez anos de rebelião armada, senhor Presidente João Lourenço! A Casa dos Brancos só tinha dinheiro para o criminoso de guerra Savimbi. A União Europeia igualmente.
A Paz de Luena não trouxe dinheiro. Não trouxe financiamentos. Mas era preciso iniciar o processo de reconstrução nacional antes que tudo se desmoronasse. Só a China se encostou à frente. Só a China se disponibilizou a emprestar dinheiro. Sabe quanto, senhor Presidente? Como deve estar distraído a contar o kumbu da sua fortuna pessoal eu dou-lhe um número. Já depois de vários pagamentos, Angola ainda deve mais de 14 mil milhões de euros! Sabe quanto é isso? Interrompa a contagem do seu dinheiro e leia: O grande empréstimo do FMI (2018-2021) foi de 4,4 mil milhões de dólares.
Sabe que mais, senhor Presidente? Desde o primeiro dia do empréstimo do FMI, Angola ficou sujeito a um processo de “surveillance”. Perdeu soberania e de que maneira!
O Banco Mundial fez um grande empréstimo a Angola para financiar o Orçamento Geral do Estado de 2024 no valor de 500 milhões de euros. Uns trocos comparando com o empréstimo da China para a Reconstrução Nacional.
Mas há mais, senhor Presidente João Lourenço. Cada cêntimo que sai do FMI para Angola tem a garantia das regras do Consenso de Washington. Mesmo que esteja muito ocupado a contar os seus biliões, tome nota. O FMI impõe uma receita: Aceitação e ampliação do neoliberalismo que quer dizer perda de soberania, fome para os pobres e os ricos cada vez mais ricos.
Os chineses empestaram milhares de milhões e exigiram o “colateral petróleo”, isto é, essa matéria-prima era a garantia do pagamento. Mas Angola tem outras “commodities” tanto ou mais valiosas. Pequim não condenou Angola à fome. E emprestou quando mais ninguém no mundo aceitou emprestar. Qualquer cagalhão bajulador percebe a diferença entre os empréstimos do FMI hoje e o empréstimo da China naquelas circunstâncias.
* Jornalista
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