sexta-feira, 31 de agosto de 2012

25 ANOS DEPOIS! – I

 

Martinho Júnior
 
1 – Faz 25 anos que Angola viveu experiências impressivas para a sua trajectória de jovem país africano e para a vida em toda a África Austral; de entre essas experiências há duas sintomáticas da evolução que se seguiria ao longo da década final do século XX e primeira década do século XXI:
 
- As “South Africa Defence Forces” do regime do “apartheid”, tirando partido da panóplia de bases na Namíbia ocupada e da sua posição de força em toda a região desencadeava a “Operation Modular”, em socorro de seus “apêndices” em Mavinga, numa altura em que as FAPLA procuravam exercer a soberania angolana em todo o espaço nacional e muito em particular no imenso sudeste do país.
 
- O estado angolano iniciava as transformações a que se foi sujeitando a partir de 1985, levando a julgamento os oficiais da sua segurança que ousaram, no seguimento de orientações, dar combate ao tráfico ilícito de diamantes e à panóplia de interesses que agiam nesse âmbito e com essa cobertura, entre eles alguns interesses externos contra a orientação socialista de então.
 
2 – A tendência de muitos analistas, observadores e até historiadores é para estudar os fenómenos sem os correlacionar e sem correlacioná-los com a conjuntura global e sua evolução no espaço e no tempo; no entanto o que estava a acontecer em Angola e em toda a região, era já sintomático das transformações que ocorriam no mundo e em função disso chamo desde logo a atenção para o facto de que o que se passava a nível interno do estado angolano, tocando seus próprios instrumentos de poder, ser indissociável em relação aos acontecimentos que se desenrolavam na região ainda contaminada pelo regime do “apartheid” e seus “apêndices” (os “bantustões” e os “freedom fighters” afins), assim como era indissociável da evolução global, tendo em conta muito em particular os fenómenos que ocorriam nos países socialistas do leste da Europa e na própria URSS.
 
A “globalização” em função da hegemonia do império, explorando a lógica capitalista e o neo liberalismo, estava já em curso, depois dos ensaios na América Latina da “Escola de Chicago” tendo Milton Friedman como ideólogo e figura de destaque.
 
Karl Popper e a “Oppen Society” do “especulador-filantropo” George Soros viriam em tempo oportuno em seu socorro quando se acelerou o processo de implosão nos países socialistas, tudo sob a supervisão dos serviços de inteligência ao dispor da hegemonia e das multinacionais afectas ao domínio, tirando partido da multiplicidade de culturas indexadas à dominante cultura anglo-saxónica.
 
Se em Angola se iniciavam as transformações que iriam pôr de lado as pretensões socialistas, o regime do “apartheid” por seu turno entrava no seu período final e mais crítico, daí a intensidade dos combates que ocorreriam em Mavinga e Cuito Cuanavale, precisamente numa enorme área reclamada para prospecção por parte da De Beers!
 
Se os países do socialismo real estavam a ser intestinamente tocados, também o movimento de libertação em África se iria ressentir, pelo que as transformações se coadunavam com a lógica capitalista prevalecente: para ela sair em vantagem, a hegemonia podia tirar partido da luta entre contrários levados ao antagonismo e à guerra e, entre uma tese como a do movimento de libertação e uma antítese como a do “apartheid”, a síntese da “democracia representativa”, com as sociedades abertas aos interesses neo liberais, tornava-se de realização possível – seria por essa via que se conduziria a “globalização” ao sabor da aristocracia financeira mundial, das oligarquias e das elites formatadas, conforme às lições resultantes das experiências realizadas na América Latina, como conforme às lições que as culturas elitistas detinham em África, tendo como ponto de partida as experiências “incontornáveis” de Cecil John Rhodes… “do cabo ao Cairo”!...
 
3 – Desde então passou a ser indispensável a formação das novas elites africanas, aferidas ao padrão das “democracias representativas” e aptas para o continuado exercício de poder, se possível prevendo as suas alternâncias, pelo que o processo angolano, como de todos os componentes da SADC, deu passos imediatos nessa direcção a partir de 1985.
 
As doutrinas socialistas no quadro do movimento de libertação serviam ainda para fazer frente à besta do “apartheid”, mas mesmo sendo elas doutrinas que visavam a construção da paz, seguindo uma trilha de equilíbrio, de harmonia e de luta contra o subdesenvolvimento, ficaram à mercê da lógica capitalista que passou a iluminar os mentores do poder de estado vocacionado para o “mercado” das sociedades de consumo, até por que a reconstrução e a reconciliação nacionais iriam estabelecer o plasma para as integrações ao mesmo tempo que poderiam absorver os interesses provenientes do exterior.
 
Como sustentáculo da sua projecção em Angola, a “globalização” iria tirar partido do petróleo e da indústria mineira, sobretudo dos diamantes, binómio esse que seria alvo das disputas que levariam à “guerra dos diamantes de sangue”, que só teve fim com a morte de Savimbi em 2002.
 
Savimbi aproveitou o episódio das transformações dos instrumentos do poder de estado, sintomático na prisão dos oficiais que haviam levado a julgamento os traficantes do 105/83, para ocupar um espaço que só lhe foi possível graças ao “laxismo” e falta de prevenção do poder angolano, ele próprio também “aberto” em relação às possibilidades de “privatização” em relação à exploração e comércio dos diamantes: os recursos já não eram para benefício do povo por via do estado e desse modo, ocupar o espaço dos diamantes aluviais tornou-se-lhe apetecível ao ponto dos diamantes poderem financiar a tentativa de tomada do poder pela guerra!
 
Os dois contendores utilizaram os recursos (o petróleo dum lado, os diamantes do outro), como “barricadas”, até por que as explorações de uns e de outros eram em território distinto: o petróleo era junto ao litoral e os diamantes bem no “interior profundo”!...
 
O cartel dos diamantes tentou por via de Savimbi, encontrar soluções para chegar ao poder em Angola numa posição privilegiada e, não o conseguindo por via da guerra, haveria de o alcançar em condições satisfatórias por via da inteligência, no momento em que a “síntese” se tornou possível.
 
O “modelo” da “globalização” em Angola e em toda a África Austral, em função dos interesses e conveniências da aristocracia financeira mundial e da sua hegemonia, em função do império, iria apropriar-se da necessidade da paz que fazia parte da essência do socialismo e aproveitar esse fundamento para, depois do vazio criado pelo desalojar das correntes que se prontificavam a realizá-la, fazer coincidir isso com o final das grandes conflagrações militares: o socialismo serviria para ir até ao fim das guerras, mas já não serviria para protagonizar a paz enquanto doutrina dominante, ou mesmo de doutrina com reflexos no poder!
 
Gravura: Capa do livro “War in Angola – The final South African phase” de Helmoed-Romer Heitman: da instalação dos “Liaision Teams” em 1986, até à assinatura do “”Acordo de Nova York” a 22 de Dezembro de 1988.
 

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