domingo, 26 de agosto de 2012

Portugal: DEPOIS LOGO SE VÊ

 


Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
 
De muitas coisas se pode acusar este Governo, mas não de falta de criatividade ou de capacidade para surpreender.
 
Desta feita tivemos a novidade de assistir a um consultor do Governo a dar uma entrevista a um canal de televisão, em horário nobre, para nos explicar em que pé andam as privatizações. Ou seja, sobre um assunto importantíssimo para o País, convenhamos que as privatizações da TAP, ANA ou RTP não são propriamente temas de lana caprina, em vez de termos um ministro ou mesmo o próprio primeiro-ministro a informar os portugueses (e, já agora, o CDS) dos respectivos processos, aparece António Borges. Mas, tentemos compreender, até se entende a ida de António Borges à TVI para informar os cidadãos sobre os dossiers em causa: o ministro da Economia não sabe e o ministro para a Comunicação Social não pode.
 
Santos Pereira anda perdido num ministério ingovernável e só aceitou ser ministro de semelhante monstro por não ter o mínimo de experiência governativa ou empresarial. Como a sua gritante falta de capacidade para um cargo destes ficou logo à vista de toda a gente, Passos Coelho tratou de lhe tirar as suas atribuições espalhando-as por este ou aquele ministro e por um sem-numero de comissões e comités. Pode lá ele falar sobre a TAP ou privatizações e ser levado a sério por quem quer que seja.
 
Miguel Relvas não pode aparecer sem que não lhe façam perguntas incómodas sobre licenciaturas, serviços secretos, mentiras em inquéritos parlamentares e tudo mais. A sua popularidade e credibilidade junto do cidadão comum faz com que qualquer proposta vinda da sua boca seja imediatamente repudiada. Relvas é um zombie político. Pode ser essencial para Passos Coelho, e, como muito boa gente diz, o único ministro que não tem medo de tomar decisões, mas politicamente acabou. Não podia ser ele a apresentar o que quer que fosse sobre a RTP.
 
Mas, seja como for, o Governo demonstrou uma falta de respeito gritante pelos portugueses quando enviou um consultor falar sobre o destino a dar a empresas tão importantes como a RTP e a TAP. Além disso, como se fosse pouco, mostrou outro mal bem mais profundo que este Executivo vem amiúde revelando: não havia planos nenhuns para assuntos vitais da governação e foi preciso arranjar uns senhores muito inteligentes para dizer o que fazer. Havia assim umas ideias coladas a cuspo, decoradas à pressa e sem o mínimo de reflexão.
 
Não, longe disso, não é o facto de os dois ministros teoricamente responsáveis pelos dossiers não poderem aparecer e terem de mandar um consultor que, na ignorância deles, pensam ser mais credível, é sobretudo nós percebermos que afinal não havia nenhuma ideia para a privatização da TAP, ou que ninguém tinha pensado verdadeiramente o que fazer com a RTP.
 
O caso da RTP é chocante: aquela patética comissão, as notícias plantadas nos jornais sobre possíveis compradores, fica com este canal, vende o outro ou fica com este e vende o outro, e agora esta coisa que Borges conseguiu apresentar aparentemente sem um pingo de vergonha. Uma revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto- -estradas.
 
É evidente que esta vergonha cairá no caixote do lixo das ideias, junto do fim da TSU e outras, que o Governo manda "cá para fora" para serem testadas. A comunidade ainda não está suficientemente adormecida para deixar passar uma coisa destas. Todo este processo é dum experimentalismo bacoco, duma falta de sentido de Estado, duma evidente impreparação, que assusta o mais crente nas qualidades deste Governo. Onde estão afinal as milhares de páginas de planos? As contribuições dos diversos grupos de trabalho? As ideias sólidas sobre o que fazer com a televisão pública? Eram precisos consultores para mostrar que a privatização da RTP não valia um chavo?
 
António Borges prestou-se, mais uma vez, a um triste papel: o de mostrar que afinal Passos Coelho e a sua equipa não sabiam o que fazer em questões fulcrais e mentiram dizendo que sabiam. O drama é que ainda não sabem e não é só, infelizmente, no caso da RTP.
 

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