Em novo episódio do
ataque à democracia, eleições norte-americanas escondem da sociedade exatamente
o que ela mais precisaria saber
Noam Chomsky –
Outras Palavras - Tradução: Gabriela Leite e Antonio Martins
Nossos políticos
mostram uma estraordinária vontade de sacrificar as vidas de nossos filhos e
netos por ganhos a curto prazo. No momento em que as eleições para a
Presidência chegam ao momento decisivo, é útil indagar como as campanhas
políticas estão lidando com os temas mais cruciais que enfrentamos. A resposta é:
ou muito mal, ou simplesmente não tratam destes assuntos. Sendo assim, surgem
algumas questões importantes: por que? E o que podemos fazer em relação a isso?
Existem dois
problemas de importância fundamental, porque o destino da espécie está em jogo:
o desastre ambiental e a guerra nuclear. O primeiro está regularmente nas
primeiras páginas. Em 19 de setembro, por exemplo, Justin Gillis escreveu uma
reportagem para o New York Times sobre como o derretimento do gelo do Oceano
Ártico cessou por esse ano, “mas não sem antes derrubar seu recorde anterior —
desencadeando novas preocupações sobre o ritmo acelerado nas mudanças da
região.” O derretimento está se dando de modo muito mais rápido do que era
previsto por modelos matemáticos sofisticados e pelos últimos relatórios da ONU
sobre o aquecimento global.
Novos dados indicam
que o gelo deve desaparecer durante o verão até 2020, com consequências
severas. Pesquisas estimam que o gelo desaparecerá completamente por volta do
ano 2050. “Mas os governos não responderam à mudança com a urgência necessária
para limitar as emissões de efeito estufa,” escreve Gillis. “Ao contrário, sua
resposta principal tem sido planejar a exploração dos agora acessíveis minerais
do Ártico, incluindo a extração de mais petróleo” — isso é, acelerando a
catástrofe. A reação demonstra, novamente, uma extraordinária vontade de
sacrificar vidas das nossos filhos e netos pelo curto prazo.
Ou, talvez, uma
vontade igualmente notável de fechar nossos olhos, para que não vejamos o
perigo iminente. Não é só. Um novo estudo do Monitor da Vulnerabilidade Climática verificou que
“as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global estão reduzindo a
produção econômica mundial em 1,6% ao ano, e provocarão a duplicação de certos
custos estratégicos nas próximas duas décadas”. O estudo foi amplamente
divulgado em outros países, mas os norte-americanos foram poupados de tais
notícias perturbadoras. As plataformas dos partidos Democrata e Republicano
sobre assuntos climáticos foram analisadas na edição de 14 de setembro da
revista Science.
Num caso raro de
ação comum, os dois partidos propõem que tornemos o problema mais grave. Em
2008, ambas as plataformas dedicavam alguma atenção às políticas do governo
diante da mudança climática. Agora, o tema quase desapareceu da plataforma
republicana — que, no entanto, pede que o Congresso “aja rapidamente” para
evitar que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês) — criada pelo
ex-presidente republicano Richard Nixon em dias mais sãos — regule a emissão de
gases do efeito-estufa. E devemos abrir o Refúgio Ártico do Alaska à
perfuração, para tirar “vantagem de todos os recursos que Deus ofereceu aos
americanos”. Não podemos desobedecer o Senhor, afinal de contas. A plataforma
também sustenta que “devemos restaurar a integridade científica de nossas
instituições de pesquisa e eliminar incentivos políticos relacionados à
pesquisa desenvolvida com recursos públicos” — um código para referir-se à ciência
do Clima.
Tentando escapar do
estigma de ter se preocupado com mudança climática há alguns anos, Mitt Rommey,
o candidato republicano, declarou que não há consenso científico sobre o tema.
Portanto, deveríamos apoiar mais debate e investigações — mas não ações, exceto
as que tornam o problema mais sério. Os democratas mencionam, em sua
plataforma, que há um problema, e recomendam trabalharmos “em direção a um
acordo para definir limites às emissões, com outras potências emergentes”.
Porém, o presidente
Barack Obama enfatizou que os EUA devem conquistar cem anos de independência
energética empregando extração por fratura hidráulica (fracking) e outras tecnologias — sem se perguntar o
que este tipo de prática provocará no planeta, em cem anos. Há, portanto,
diferenças entre os dois partidos: dizem respeito a quão entusiasticamente os
ratos devem marchar até o abismo. Um segundo grande tema, a guerra nuclear,
também está nas primeiras páginas todos os dias, mas de uma forma que
escandalizaria um marciano observando fatos estranhos na Terra.
A ameaça atual
está, de novo, no Oriente Médio, especificamente no Irã — ao menos segundo o
Ocidente. No próprio Oriente Médios, os EUA e Israel são considerados ameaças
muito maiores. Ao contrário do Irã, Israel recusa-se a permitir inspeções ou a
assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Possui centenas de ogivas
nucleares e sistemas avançados de mísseis, além de uma longa história de violência,
agressão e desrespeito ao direito internacional, graças a apoio norte-americano
incessante. Se o Irã está tentando desenvolver armas nucleares, os serviços de
inteligência dos EUA não sabem. Em seu último relatório, a Agência
Internacional de Energia Atômica afirma que não pode demonstrar “a ausência de
material e atividades nucleares não-declaradas no Irã” — um rodeio em que a
instituição condena o país, como Washington exige, ao mesmo tempo em que
reconhece não poder acrescentar nada às conclusões da inteligência
norte-americana.
Portanto, deve-se
negar ao Irã o direito de enriquecer urânio, que é assegurado pelo TNP e
endossado pela maior parte do mundo — inclusive o movimento dos países
não-alinhados, que acabam de se reunir em Teerã. A possibilidade de que o Irã
desenvolva armas nucleares sobressai na campanha eleitoral (o fato de Israel já
tê-las, não…). Duas posições se contrapõem. Os Estados Unidos deveriam declarar
que atacarão, caso o Irã alcance capacidade de desenvolver armas nucleares,
como dezenas de outros países? Ou Washington deveria manter a “linha vermelha”
mais indefinida? A segunda posição e a da Casa Branca; a primeira é exigida
pelos falcões israelenses — e aceita pelo Congresso norte-americano.
O Senado acaba de
votar, por 90 x 1, em favor do apoio a Israel. Está ausente do debate a
alternativa óbvia para mitigar ou eliminar qualquer ameaça que o Irã possa
representar. Basta estabelecer uma zona livre de armas nucleares no Oriente
Médio. A oportunidade está ao alcance da mão: uma conferência internacional
sobre o tema irá se reunir em alguns meses para trabalhar por este objetivo,
apoiado no mundo todo — inclusive, por uma maioria de israelenses. O governo de
Telaviv, no entanto, anunciou que não participará, até que haja uma acordo de
paz na região, algo inatingível enquanto Israel persistir em suas atividades ilegais
nos territórios ocupados da Palestina. Washington aferra-se à mesma posição, e
insiste que Israel deve ser excluído de tal acordo regional.
Podemos estar
caminhando para uma guerra devastadora, talvez nuclear. Há caminhos diretos de
superar esta ameaça, mas não serão adotados exceto se houver ativismo social em
larga escala, exigindo que se aproveite a oportunidade. Isso, no entanto, é
muito improvável, enquanto tais temas permanecerem fora da agenda — não só a do
circo eleitoral mas também a da mídia e do debate nacional mais amplo. As
eleições são feitas pela indústria de relaçẽos públicas, cujo principal afazer é a publicidade comercial. É
concebida para subverter os mercados, criando consumidores desinformados que
tomam decisões irracionais — o oposto exato de como se supõe que os mercados
funcionariam. As vítimas, porém, não estão obrigadas a obedecer. A passividade
costuma ser o caminho mais fácil — porém, quase nunca, o honroso.
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