Martinho Júnior,
Luanda
1 – África é o
continente que mais precisa duma atmosfera alargada de consensos e de paz para
se voltar sobre si próprio e tornar-se determinante na sua vontade de
renascimento, resgatando seus povos do subdesenvolvimento crónico que subsiste
apesar das independências de bandeira há já meio século.
Essa atmosfera
tarda em conseguir-se, por que o fardo da hegemonia, beneficiando da lógica
capitalista dominante, expressa desde os impactos da globalização neo liberal
até à expressão dos interesses das potências, quantas vezes interesses
promotores dos seus agentes em direcção aos poderes dos vulneráveis estados,
tolhem as aspirações de liberdade, de justiça, de democracia e de sustentável
desenvolvimento.
As ingerências e as
manipulações, estão a obrigar à proliferação de manobras, de tensões, de
conflitos e de guerras, numa altura em que toda a energia deveria ser colocada
em benefício do renascimento do continente.
Quarenta e cinco anos
depois do desaparecimento físico do Che e quarenta e sete após a passagem dele
pelo Congo, África é o continente onde mais se faz sentir o neo colonialismo.
Neste momento há
três focos principais de conflitos e guerras e isso apesar de todos os povos estarem
a experimentar as desigualdades, as assimetrias e as injustiças do capitalismo
neo liberal, conforme o exemplo do que referi em “O vulcão sul africano” (http://paginaglobal.blogspot.pt/p/o-vulcao-sul-africano.html)!
Os três focos
principais são:
- A região leste,
com a Somália a funcionar como catalisador.
- A região
ocidental, agora com a crise do Mali em maior evidência na sequência dos
acontecimentos na Líbia.
- A região dos
Grandes Lagos, ainda sujeita às disputas directas larvares em relação às
riquezas naturais da bacia do Congo.
2 – Nos três casos
são evidentes os interesses das multinacionais afectas à hegemonia e por isso
não é de estranhar os vínculos de inteligência e os militares que compõem a
instrumentalização das políticas neo coloniais mentoras da hegemonia e por
tabela mentoras do atavismo africano, quando África tem alternativas
conjunturais favoráveis pelo menos à criação de infra estruturas indispensáveis
ao seu renascimento, em função das potencialidades de relacionamento com os
emergentes, sobretudo com a China.
O seu único
emergente, último componente dos BRICS, a África do Sul, por seu turno, serve
apenas de plataforma e instrumento a partir da qual radiam os interesses dum
poder que sintetiza um elitismo secular anglo-saxónico que se exerce em função
da preponderância sobre a exploração dos minérios indispensáveis à grande
indústria, incluindo sectores nevrálgicos como o ouro, a platina e os
diamantes.
A África do Sul
continua a ter o seu papel enquanto um dos factores históricos do capitalismo
que se gerou com a Revolução Industrial e por isso os seus governos “funcionam”
mais como instrumentos dilectos da aristocracia financeira mundial, de suas
servis oligarquias e suas afins elites.
As tensões, os
conflitos e as guerras em África dilaceram os tecidos sociais, destroem as
poucas infra estruturas e estruturas existentes e, ao provocarem o caos,
facilitam as ingerências, as manipulações e a omnipresença dos interesses em
cadeia que beneficiam as multinacionais que operam em função da hegemonia do
império e de seus aliados, daí a importância da ausência de tiros!
3 – A “Doutrina de
choque” nunca deixou de ser evidente em África, muito antes mesmo dela ser
identificada por Naomi Klein (“A Doutrina do choque” – http://www.fnac.pt/A-Doutrina-do-Choque-NAOMI-KLEIN/a190948?PID=5&Mn=-1&Ra=-1&To=0&Nu=1&Fr=0):
"A Doutrina do
Choque é a história absorvente de como as políticas de mercado livre da América
têm vindo a dominar o mundo - através da exploração de povos e países em choque
devido a inúmeros desastres”…
“Baseado em
investigações históricas inovadoras e em quatro anos de relatos no terreno em
zonas de desastre, A Doutrina do Choque mostra de forma vívida que o
capitalismo de desastre - a rápida reorganização corporativa de sociedades que
tentam recuperar do choque - não começou com o 11 de Setembro de 2001.
O livro traça um
percurso das suas origens que nos leva há cinquenta anos atrás, à Universidade
de Chicago sob o domínio de Milton Friedman, que produziu muitos dos principais
pensadores neoconservadores e neoliberais cuja influência, nos nossos dias,
ainda é profunda em Washington.
São estabelecidas
novas e surpreendentes ligações entre a política económica, a guerra de choque
e pavor e as experiências secretas financiadas pela CIA em electrochoques e
privação sensorial na década de 1950, pesquisa essa que ajudou a escrever os
manuais de tortura usados hoje na Baía de Guantanamo”.
Em relação a África
contudo o colonialismo foi imediatamente antecessor ao exercício das
experiências da “escola de Chicago”, pelo que ela é de facto também uma sua
redundância histórica.
Sem o colonialismo
a “escola de Chicago” não usaria alguma vez nem o manancial de experiências,
nem a inspiração para, por via do capitalismo neo liberal, impor a ditadura
financeira dos mercados subordinada aos interesses da hegemonia do império!
4 – A redundância é
de tal ordem que, por exemplo, África tem sido tolhida pela propaganda das
campanhas eleitorais de Barack Hussein Obama, que vinculam os Democratas nos
Estados Unidos da América fazendo a indexação às elites sul africanas
contemporâneas surgidas do húmus do “apartheid”, quando houve outros negros que
concorreram à Presidência dos Estados Unidos, entre eles a ex-Congressista
Cynthia McKinney, ela sim, muito mais sensível e identificada com África e
conhecedora das razões causais que provocam o subdesenvolvimento do
continente-berço por causa do exercício de hegemonia do império em função das
heranças coloniais e do domínio britânico!
Em relação à região
do Sahara e do Sahel, onde se encontra o frágil Mali, há provas evidentes de
quanto as experiências coloniais são hoje aproveitadas pelo império no seu afã
de impor o capitalismo neo liberal de acordo com as suas conveniência e
figurino a África!
Em “America’s
conquest os Africa: the roles of France and Israel” (http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=26886),
por exemplo, Cynthia McKinney, Mahdi Darius Nazemroaya e Julien Teil sintetizam a
situação e detalham:
“Fighting terrorism
and executing humanitarian missions are just façades or smokescreens for
Washington and its allies.
While the stated goals of the Pentagon are to fight terrorism in Africa, the real aims of Washington are to restructure Africa and to establish a neo-colonial order. In this regard, Washington has actually adopted the old colonial projects of France in Africa. This also includes the U.S., British, Italian, and French initiative to divide Libya after 1943 as well as the unilateral French initiative to redraw North Africa. In this scheme, the U.S. and its cohorts plan on creating ethnic wars and sectarian hatred between the Berbers, the Arabs, and others in North Africa.
The map used by Washington for combating terrorism under the Pan-Sahel
Initiative says a lot. The range or area of activity for the terrorists, within
the borders of Algeria, Libya, Niger, Chad, Mali, and Mauritania according to
Washington’s designation, is very similar to the boundaries or borders of the
colonial territorial entity which France attempted to sustain in Africa in
1957. Paris had planned to prop up this African entity in the western central
Sahara as a French department (province) directly tied to France, along with
coastal Algeria”…
Imediatamente os
Estados Unidos, ansiosos de fazerem valer o AFRICOM, responderam conforme o que
noticiou a ANGOP (“EUA dispostos a apoiar uma força militar africana bem
preparada" – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2012/9/40/EUA-dispostos-apoiar-uma-forca-militar-africana-bem-preparada,aa5a1354-176c-4989-a5da-5a85955cee35.html):
“Os Estados Unidos
estão prontos a apoiar uma intervenção armada dos países africanos bem
preparada no norte do Mali, para expulsar a rebelião islamita ligada a
Al-Qaeda, indicou hoje (segunda-feira) um alto responsável americano.
Haverá um momento certo para uma acção militar contra os extremistas ligados a
Al-Qaeda no Maghreb islâmico (Aqmi) no norte do Mali, declarou o mais alto
responsável para África do departamento de Estado americano, Johnnie Carson.
O diplomata advogou, no decurso de uma conferência de imprensa telefónica, que
um eventual desdobramento de tropas da Comunidade dos Estados da África do
Oeste (Cedeao), sob a égide da ONU, seja conduzida pelo exército maliano, com o
apoio de todos os Estados da região, como a Mauritânia e a Argélia.
Toda acção militar
deverá ser bem preparada, bem organizada, bem munida, bem pensada e deverá
incluir esses países, que estariam directamente envolvidos, insistiu Carson.
O Primeiro-ministro maliano, Cheikh Modibo Diarra , apelou sábado aos ocidentais e a França, em particular, para intervirem militarmente no norte do Mali e à enviarem aviões e forças especiais.
A França e a
Alemanha responderam hoje (segunda-feira) que podem prestar um apoio logístico
à uma eventual Missão Africana no norte do Mali, excluindo o desdobramento de
tropas de combate.
A OTAN declarou igualmente hoje (segunda-feira) não ter nenhum projecto de intervenção no Mali, enquanto que o Alto Comandante das Forças Armadas Americanas na África (Africom), Carter Ham, assegurou que a solução da crise não pode ser politica e diplomática".
O fardo da
hegemonia nos seus aspectos mais dialecticamente contraditórios, está a
impor-se a África: por um lado atiçam-se os radicalismos e os fundamentalismos
ao sabor das manobras dilatórias das emoções, das provocações e da “luta contra
ditadores” antes suportados pelo império (como aconteceu na Tunísia, na Lúbua e
no Egipto)… por outro vai-se em socorro dos fragilizados estados africanos para
que haja ordem, democracia e a paz de conveniência, que comportará naturalmente
a ementa trágica da “luta contra o terrorismo” (como acontece na Somália e vai
acontecer no Mali).
Um neo colonialismo
de carácter feudal percorre África desde a ilha de Socotrá, no leste da
Somália, às Bijagós na Guiné Bissau: toda a transversal de paralelos ao sul do
Sahel está afectada com fulcros de maior conflito na Somália, a leste, no Kivu,
no centro (Grandes Lagos) e no Mali, a ocidente.
Em todos os casos
as confrontações militares beneficiam as políticas de hegemonia dos Estados
Unidos e de seus aliados ocidentais, inibindo qualquer alternativa
progressista.
O facto da África
Austral estar isenta neste momento de conflagrações militares, não isenta o
facto da paz social estar muito longe de se alcançar uma plataforma
satisfatória mínima que possa considerar-se harmonizadora: as tensões na África
do Sul comprovam-no e outros estados da região, se não alterarem o figurino dos
seus poderes, poderão também ser sacudidos por fenómenos sociais tensos, entre
eles Moçambique e Angola.
Gravura: - Os interesses
regionais do AFRICOM: desestabilizado o norte, onde o império tem saído
reforçado com as transformações na Tunísia, na Líbia e no Egipto, a espiral de
crise abrange a África do Oeste, a Central e a Oriental/Corno de África!
A consultar:
- “A alternativa do
renascimento africano” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/alternativa-do-renascimento-africano.html
- “Dia de África” –
http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/05/28/dia-de-africa/;
http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/dia-de-africa.html
- “Jogos africanos
do neo colonialismo norte americano” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/jogos-africanos-do-neocolonialismo.html
- “Memória da
escravatura e da sua abolição” – http://paginaglobal.blogspot.pt/p/memoria-da-escravatura-e-da-sua-abolicao.html
- “Pirataria no
Golfo da Guiné” – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/08/pirataria-no-golfo-da-guine.html
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