domingo, 7 de outubro de 2012

O FARDO DA HEGEMONIA

 

Martinho Júnior, Luanda
 
1 – África é o continente que mais precisa duma atmosfera alargada de consensos e de paz para se voltar sobre si próprio e tornar-se determinante na sua vontade de renascimento, resgatando seus povos do subdesenvolvimento crónico que subsiste apesar das independências de bandeira há já meio século.
 
Essa atmosfera tarda em conseguir-se, por que o fardo da hegemonia, beneficiando da lógica capitalista dominante, expressa desde os impactos da globalização neo liberal até à expressão dos interesses das potências, quantas vezes interesses promotores dos seus agentes em direcção aos poderes dos vulneráveis estados, tolhem as aspirações de liberdade, de justiça, de democracia e de sustentável desenvolvimento.
 
As ingerências e as manipulações, estão a obrigar à proliferação de manobras, de tensões, de conflitos e de guerras, numa altura em que toda a energia deveria ser colocada em benefício do renascimento do continente.
 
Quarenta e cinco anos depois do desaparecimento físico do Che e quarenta e sete após a passagem dele pelo Congo, África é o continente onde mais se faz sentir o neo colonialismo.
 
Neste momento há três focos principais de conflitos e guerras e isso apesar de todos os povos estarem a experimentar as desigualdades, as assimetrias e as injustiças do capitalismo neo liberal, conforme o exemplo do que referi em “O vulcão sul africano” (http://paginaglobal.blogspot.pt/p/o-vulcao-sul-africano.html)!
 
Os três focos principais são:
 
- A região leste, com a Somália a funcionar como catalisador.
 
- A região ocidental, agora com a crise do Mali em maior evidência na sequência dos acontecimentos na Líbia.
 
- A região dos Grandes Lagos, ainda sujeita às disputas directas larvares em relação às riquezas naturais da bacia do Congo.
 
2 – Nos três casos são evidentes os interesses das multinacionais afectas à hegemonia e por isso não é de estranhar os vínculos de inteligência e os militares que compõem a instrumentalização das políticas neo coloniais mentoras da hegemonia e por tabela mentoras do atavismo africano, quando África tem alternativas conjunturais favoráveis pelo menos à criação de infra estruturas indispensáveis ao seu renascimento, em função das potencialidades de relacionamento com os emergentes, sobretudo com a China.
 
O seu único emergente, último componente dos BRICS, a África do Sul, por seu turno, serve apenas de plataforma e instrumento a partir da qual radiam os interesses dum poder que sintetiza um elitismo secular anglo-saxónico que se exerce em função da preponderância sobre a exploração dos minérios indispensáveis à grande indústria, incluindo sectores nevrálgicos como o ouro, a platina e os diamantes.
 
A África do Sul continua a ter o seu papel enquanto um dos factores históricos do capitalismo que se gerou com a Revolução Industrial e por isso os seus governos “funcionam” mais como instrumentos dilectos da aristocracia financeira mundial, de suas servis oligarquias e suas afins elites.
 
As tensões, os conflitos e as guerras em África dilaceram os tecidos sociais, destroem as poucas infra estruturas e estruturas existentes e, ao provocarem o caos, facilitam as ingerências, as manipulações e a omnipresença dos interesses em cadeia que beneficiam as multinacionais que operam em função da hegemonia do império e de seus aliados, daí a importância da ausência de tiros!
 
3 – A “Doutrina de choque” nunca deixou de ser evidente em África, muito antes mesmo dela ser identificada por Naomi Klein (“A Doutrina do choque” – http://www.fnac.pt/A-Doutrina-do-Choque-NAOMI-KLEIN/a190948?PID=5&Mn=-1&Ra=-1&To=0&Nu=1&Fr=0):
 
"A Doutrina do Choque é a história absorvente de como as políticas de mercado livre da América têm vindo a dominar o mundo - através da exploração de povos e países em choque devido a inúmeros desastres”…
 
“Baseado em investigações históricas inovadoras e em quatro anos de relatos no terreno em zonas de desastre, A Doutrina do Choque mostra de forma vívida que o capitalismo de desastre - a rápida reorganização corporativa de sociedades que tentam recuperar do choque - não começou com o 11 de Setembro de 2001.
 
O livro traça um percurso das suas origens que nos leva há cinquenta anos atrás, à Universidade de Chicago sob o domínio de Milton Friedman, que produziu muitos dos principais pensadores neoconservadores e neoliberais cuja influência, nos nossos dias, ainda é profunda em Washington.
 
São estabelecidas novas e surpreendentes ligações entre a política económica, a guerra de choque e pavor e as experiências secretas financiadas pela CIA em electrochoques e privação sensorial na década de 1950, pesquisa essa que ajudou a escrever os manuais de tortura usados hoje na Baía de Guantanamo”.
 
Em relação a África contudo o colonialismo foi imediatamente antecessor ao exercício das experiências da “escola de Chicago”, pelo que ela é de facto também uma sua redundância histórica.
 
Sem o colonialismo a “escola de Chicago” não usaria alguma vez nem o manancial de experiências, nem a inspiração para, por via do capitalismo neo liberal, impor a ditadura financeira dos mercados subordinada aos interesses da hegemonia do império!
 
4 – A redundância é de tal ordem que, por exemplo, África tem sido tolhida pela propaganda das campanhas eleitorais de Barack Hussein Obama, que vinculam os Democratas nos Estados Unidos da América fazendo a indexação às elites sul africanas contemporâneas surgidas do húmus do “apartheid”, quando houve outros negros que concorreram à Presidência dos Estados Unidos, entre eles a ex-Congressista Cynthia McKinney, ela sim, muito mais sensível e identificada com África e conhecedora das razões causais que provocam o subdesenvolvimento do continente-berço por causa do exercício de hegemonia do império em função das heranças coloniais e do domínio britânico!
 
Em relação à região do Sahara e do Sahel, onde se encontra o frágil Mali, há provas evidentes de quanto as experiências coloniais são hoje aproveitadas pelo império no seu afã de impor o capitalismo neo liberal de acordo com as suas conveniência e figurino a África!
 
Em “America’s conquest os Africa: the roles of France and Israel” (http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=26886), por exemplo, Cynthia McKinney, Mahdi Darius Nazemroaya e Julien Teil sintetizam a situação e detalham:
 
“Fighting terrorism and executing humanitarian missions are just façades or smokescreens for Washington and its allies.

While the stated goals of the Pentagon are to fight terrorism in Africa, the real aims of Washington are to restructure Africa and to establish a neo-colonial order. In this regard, Washington has actually adopted the old colonial projects of France in Africa. This also includes the U.S., British, Italian, and French initiative to divide Libya after 1943 as well as the unilateral French initiative to redraw North Africa. In this scheme, the U.S. and its cohorts plan on creating ethnic wars and sectarian hatred between the Berbers, the Arabs, and others in North Africa.

The map used by Washington for combating terrorism under the Pan-Sahel Initiative says a lot. The range or area of activity for the terrorists, within the borders of Algeria, Libya, Niger, Chad, Mali, and Mauritania according to Washington’s designation, is very similar to the boundaries or borders of the colonial territorial entity which France attempted to sustain in Africa in 1957. Paris had planned to prop up this African entity in the western central Sahara as a French department (province) directly tied to France, along with coastal Algeria”…

 5 – O governo do Mali, impotente perante os desafios que eclodiram no norte do país no rescaldo da Líbia, acaba de fazer o jogo da conveniência do império e pede ajuda para uma solução eminentemente militar.
 
Imediatamente os Estados Unidos, ansiosos de fazerem valer o AFRICOM, responderam conforme o que noticiou a ANGOP (“EUA dispostos a apoiar uma força militar africana bem preparada" – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2012/9/40/EUA-dispostos-apoiar-uma-forca-militar-africana-bem-preparada,aa5a1354-176c-4989-a5da-5a85955cee35.html):
 
“Os Estados Unidos estão prontos a apoiar uma intervenção armada dos países africanos bem preparada no norte do Mali, para expulsar a rebelião islamita ligada a Al-Qaeda, indicou hoje (segunda-feira) um alto responsável americano.
 
Haverá um momento certo para uma acção militar contra os extremistas ligados a Al-Qaeda no Maghreb islâmico (Aqmi) no norte do Mali, declarou o mais alto responsável para África do departamento de Estado americano, Johnnie Carson.

O diplomata advogou, no decurso de uma conferência de imprensa telefónica, que um eventual desdobramento de tropas da Comunidade dos Estados da África do Oeste (Cedeao), sob a égide da ONU, seja conduzida pelo exército maliano, com o apoio de todos os Estados da região, como a Mauritânia e a Argélia.

Toda acção militar deverá ser bem preparada, bem organizada, bem munida, bem pensada e deverá incluir esses países, que estariam directamente envolvidos, insistiu Carson.

O Primeiro-ministro maliano, Cheikh Modibo Diarra , apelou sábado aos ocidentais e a França, em particular, para intervirem militarmente no norte do Mali e à enviarem aviões e forças especiais.

A França e a Alemanha responderam hoje (segunda-feira) que podem prestar um apoio logístico à uma eventual Missão Africana no norte do Mali, excluindo o desdobramento de tropas de combate.

A OTAN declarou igualmente hoje (segunda-feira) não ter nenhum projecto de intervenção no Mali, enquanto que o Alto Comandante das Forças Armadas Americanas na África (Africom), Carter Ham, assegurou que a solução da crise não pode ser politica e diplomática".

O fardo da hegemonia nos seus aspectos mais dialecticamente contraditórios, está a impor-se a África: por um lado atiçam-se os radicalismos e os fundamentalismos ao sabor das manobras dilatórias das emoções, das provocações e da “luta contra ditadores” antes suportados pelo império (como aconteceu na Tunísia, na Lúbua e no Egipto)… por outro vai-se em socorro dos fragilizados estados africanos para que haja ordem, democracia e a paz de conveniência, que comportará naturalmente a ementa trágica da “luta contra o terrorismo” (como acontece na Somália e vai acontecer no Mali).
 
Um neo colonialismo de carácter feudal percorre África desde a ilha de Socotrá, no leste da Somália, às Bijagós na Guiné Bissau: toda a transversal de paralelos ao sul do Sahel está afectada com fulcros de maior conflito na Somália, a leste, no Kivu, no centro (Grandes Lagos) e no Mali, a ocidente.
 
Em todos os casos as confrontações militares beneficiam as políticas de hegemonia dos Estados Unidos e de seus aliados ocidentais, inibindo qualquer alternativa progressista.
 
O facto da África Austral estar isenta neste momento de conflagrações militares, não isenta o facto da paz social estar muito longe de se alcançar uma plataforma satisfatória mínima que possa considerar-se harmonizadora: as tensões na África do Sul comprovam-no e outros estados da região, se não alterarem o figurino dos seus poderes, poderão também ser sacudidos por fenómenos sociais tensos, entre eles Moçambique e Angola.
 
Gravura: - Os interesses regionais do AFRICOM: desestabilizado o norte, onde o império tem saído reforçado com as transformações na Tunísia, na Líbia e no Egipto, a espiral de crise abrange a África do Oeste, a Central e a Oriental/Corno de África!
 
A consultar:
- “Jogos africanos do neo colonialismo norte americano” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/jogos-africanos-do-neocolonialismo.html
- “Memória da escravatura e da sua abolição” – http://paginaglobal.blogspot.pt/p/memoria-da-escravatura-e-da-sua-abolicao.html
 

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