Daniel Oliveira –
Expresso, opinião, em Blogues
Quem ontem ouviu
Angela Merkel e Passos Coelho e não viva noutro planeta percebeu que estamos
entregues a nós próprios. Merkel diz que a aplicação do memorando está a correr
bem e que terá um final feliz. Tão feliz que ela até tenciona vir cá passar
férias. Isto disse ela antes de ir para um encontro de empresários onde estava,
por exemplo, o consórcio alemão que quer comprar os nossos aeroportos a preço
de saldo. Pedro Passos Coelho disse que negociar o memorando era assumir que
falhámos. Isto quando toda a gente percebeu que falhou e pede que ele seja
negociado. Merkel não tenciona recuar. Passos não tenciona fazer nada para que
recue. No meio de tanta irresponsabilidade, restamos nós. Os portugueses.
Como indivíduos,
nada mais podem fazer para além de tentar sobreviver. Uns melhor, outros pior.
Uns irão às economias, outros emigrarão, outros irão viver para casa dos pais,
outros passarão fome, outros não faço ideia que mais possam fazer. Mas nós
somos uma comunidade. Como se viu a 15 de Setembro, temos, como comunidade, uma
força colectiva que nos ultrapassa. E temos, ainda temos, alguns instrumentos
que a Constituição nos garante. Em nenhuma sociedade, por mais democrática que
seja, todos temos o mesmo poder. E é por isso que a lei garante a quem vive
apenas do seu trabalho o poder de não trabalhar para exigir os seus direitos.
Nuns casos, a greve
serve para, através dos prejuízos que causa ao empregador, obrigá-lo a recuar
numa imposição que se considera abusiva. Essas greves devem ser feitas antes
das decisões estarem tomadas e por tempo suficiente para que o prejuízo seja
tal que obrigue a uma negociação ou a um recuo. Outras greves são uma forma de
manifestar uma posição. É o que geralmente acontece com as greves gerais.
Nunca, como agora,
uma greve geral se justificou de forma tão evidente. Tudo o que é relevante
está em causa: o direito ao trabalho, a Escola Pública, o Serviço Nacional de
Saúde, as reformas, a coesão social, a sobrevivência dos mais pobres e até a
democracia. Quem não faça esta greve dificilmente alguma vez terá alguma razão
para fazer qualquer outra.
Uma greve que pare
o País é um sinal. Tão ou mais poderoso como o sinal dado a 15 de Setembro. Uma
má greve também será um sinal. Que dará a um governo debilitado um reforço do
poder para continuar o massacre. Acresce que esta greve não é apenas
portuguesa. Pela primeira vez, ela acontece também nos vários países em crise,
no sul da Europa: Portugal, Espanha, Itália e Grécia (com ações de
solidariedade em mais 15 países). Ou seja, ela também é um sinal para a Europa.
Se ela for forte nos restantes países e fraca aqui também será um sinal: de que
nos sentimos bem no papel de "bom aluno".
Claro que podemos
esperar que Angela Merkel tenha piedade de nós. Que o Presidente saia do
Facebook. Que Passos Coelho abandone a sua agenda. Que o CDS ganhe algum
desapego aos lugares. Mas não temos tempo para esperar por tanta coisa. E,
depois do 15 de Setembro, acho que ninguém pode voltar a dizer que o protesto
não muda nada. Ficou provado que faz alguma diferença. Um País parado, todo
parado, também fará.
Amanhã, em
solidariedade com a greve geral, não escreverei esta coluna.
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