Paralisação contra
medidas de austeridade do governo unirá pela primeira vez sindicatos da Espanha
e de Portugal. Muitos espanhóis temem que seu país seguirá o caminho da Grécia,
outros falam em um recomeço radical.
O professor de
história aposentado Alberto López já esperava por isso: ao longo de 40 anos,
ele tentou explicar aos seus alunos, da forma mais objetiva possível, como a
democracia espanhola é frágil diante das sequelas da Guerra Civil, que ainda se
fazem sentir, e dos longos anos da ditadura de direita do general Francisco
Franco.
"Depois de 40
anos de ditadura, os espanhóis ainda não aprenderam a valorizar a
democracia", diz. Para ele, as feridas abertas pela guerra civil ainda se
fazem sentir. "Acho que devemos reorganizar totalmente o nosso Estado,
recomeçar do início."
Essa também é a
reivindicação dos milhares de manifestantes que protestam quase diariamente nas
ruas de Madri, no campus da Universidade de Valência ou nas praças de
Barcelona, mesmo sob chuva, vento e frio. E também dos milhares de servidores
públicos que participarão da greve geral convocada para esta quarta-feira
(14/11).
Eles exigem maior
transparência e justiça e, naturalmente, querem assegurar o próprio emprego – a
administração pública espanhola é alvo de frequentes críticas, acusada de ter
um número excessivo de fundações, universidades, escolas e de cargos com
competências semelhantes.
Oscar Vigiola,
diretor de produção da empresa cinematográfica 529, é um dos poucos
representantes da elite espanhola que apoiam plenamente os protestos populares
marcados para este 14 de novembro. "Nosso governo não cumpriu o programa
eleitoral, ele mentiu", acusa. A população não legitimou nas urnas os
cortes e as reformas propostos e "tem o direito de influenciar dessa forma
o curso governamental", afirma Vigiola.
Luta pela
credibilidade
O primeiro-ministro
Mariano Rajoy quer, por exemplo, enxugar o sistema de saúde e obrigar os
segurados a arcar com parte dos custos: taxas extras para determinadas consultas
e receitas médicas; muitos medicamentos passam a prescindir de receita;
administrações hospitalares são privatizadas.
Os cortes também se
fazem sentir no sistema de ensino público, com a demissão de quase 40 mil
professores. Além disso, por pressão da União Europeia, o conservador Partido
Popular (PP) é forçado a vender parte de diversas empresas públicas, como a
operadora ferroviária Renfe, para se livrar da carga de dívidas delas.
Os cortes afetam
igualmente os salários dos funcionários públicos e os serviços sociais. Após a
elevação do imposto sobre valor agregado (IVA), de 18% para 21%, esperam-se
novos acréscimos fiscais.
"Muitas das
medidas são corretas e necessárias, mesmo que, a curto prazo, gerem ainda mais
desemprego", defende o diretor-geral da empresa de consultoria Crisbe,
Ignacio de Benito.
Greve
luso-espanhola
Os sindicatos UGT e
CCOO têm uma opinião bem diferente. Juntamente com os sindicatos de Portugal,
eles organizaram a primeira greve geral conjunta nos dois países. Eles sabem
que essa é a sua chance de reconquistar a credibilidade perdida da população
trabalhadora.
Após anos de total
agonia, os sindicalistas voltam à linha de frente. "É preciso combinar
austeridade e crescimento, para que a economia ganhe impulso e sejam criados
postos de trabalho", comenta o porta-voz da CCOO, Fernando Lozcano.
Os números são
assustadores: o desemprego ultrapassa 24% da população ativa; em 10% das
famílias espanholas, ambos os pais encontram-se atualmente sem trabalho; e o
desemprego entre os jovens já ultrapassou a marca de 50%.
Um suicídio
desperta a política
E por trás desses
números ocultam-se dramas humanos. Na última sexta-feira, uma mulher morreu
após atirar-se pela janela da casa: ela seria despejada por não poder pagar sua
hipoteca. Segundo dados oficiais, 500 pessoas perdem seu teto todos os dias
devido à impossibilidade de saldar hipotecas.
O caso de suicídio
parece ter finalmente acordado os políticos. Pelo menos os grandes partidos PP
e o trabalhista PSOE prometeram tudo fazer para que tais tragédias não se
repitam.
"O mínimo é
oferecer um teto àqueles que não podem mais honrar suas dívidas, e forçar os
bancos a negociar de forma melhor com os clientes", opina a ativista
Violeta Fernández, do movimento 15M, que participa da greve geral.
"Um agravante
é que, na Espanha, a maioria dos contratos de hipoteca não restringe a fiança à
casa ou ao apartamento. As pessoas perdem o lar e ainda ficam com dívidas para
arcar, num círculo vicioso fatal", explica Ana Sacristán, especialista
imobiliária do escritório alemão de advocacia Roedl & Partner em Madri.
Descrença
generalizada
"Aqui, tudo
parece ser um caos só", queixa-se o engenheiro e professor de economia
Roberto Centeno. A região autônoma da Catalunha está falida e "quer dinheiro
do Estado espanhol". Ao mesmo tempo, exige a independência em relação à
Espanha, reclama.
"As Ilhas
Baleares, a região turística mais importante, também estão inadimplentes. Simplesmente
não se pode entender isso", comenta Centeno. Como muitos outros espanhóis,
ele só acredita numa salvação vinda de fora. "Aqui, todos estão envolvidos
demais no pântano para que sejam possíveis reformas de verdade."
Ninguém sabe muito
bem como essa salvação deverá acontecer. Como expressa o economista José María
Gay: "Nosso sistema não está doente porque agora temos que poupar, mas
porque a corrupção domina por todos os lados".
Para o bem-sucedido
empresário Juan Vila, os sindicatos são parte desse sistema corrupto. "Eles
estão refestelados e só agem em interesse próprio, para não serem fechados, não
representam mais os interesses dos trabalhadores, ficam bloqueando sem motivo
nem razão."
A professora de
francês Aurora Gómez Arahal também não crê mais em sindicatos e manifestações. "Estou
cansada", diz. Ela teria todo motivo para protestar, mas perdeu toda a
esperança de uma mudança. "Nem mesmo o pacote de resgate da União Europeia
poderá nos ajudar, não vejo nenhuma saída, só cortes e bagunça por todos os
lados."
Autoria: Stefanie
Müller (av) - Revisão: Alexandre Schossler
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