Ana Sá Lopes – i online,
opinião
Cortar na despesa
pública em tempos de crise faz agravar a crise, Cavaco dixit
Passei o último
feriado do dia do pão por Deus a arrumar livros, o sudário de Penélope da
geração pré-Kindle. Eis senão quando, de uma pilha improvável, saltou o livro
do prof. Cavaco Silva “Crónicas de uma Crise Anunciada”, de 2001, que reúne textos
publicados em vários jornais no tempo em que o prof. Cavaco era “apenas” um
catedrático de Economia – mas já em trânsito para uma candidatura vencedora às
Presidenciais, após aquela tentativa de 1996 para esquecer. Vale a pena ler ou
reler o livro que inclui o famoso texto “O monstro” (relativo às despesas do
Estado), mas que tem outros igualmente interessantes, a começar por um
intitulado “A mentira”, publicado em Junho de 2001 no Público.
Estávamos no
estertor do guterrismo – Guterres demitir-se-á seis meses depois na sequência
da derrota autárquica. Cavaco refuta a justificação de Guterres de que o
abrandamento do crescimento económico obrigou o governo a avançar com uma
redução de 150 milhões de contos em despesa pública. Ora, Cavaco explica – e bem
– que defender a redução da despesa pública em tempos de crise económica “é uma
proposição errada”. “O que terão pensado os meus alunos da Universidade ao
ouvirem o primeiro-ministro e o ministro das Finanças afirmarem perante as
câmaras de televisão precisamente o contrário do que lhes ensinei e que leram
nos livros de macroeconomia e de finanças públicas? Porque estamos em época de
exames, entendi que era meu dever não ficar calado. O argumento é falso”.
É o professor a
falar: “Quando o crescimento económico de um país abranda, a política correcta
é precisamente deixar que a receita fiscal baixe automaticamente e não cortar
na despesa pública. (...) Se quando um país é atingido por uma crise económica
se cortasse a despesa pública, a crise ainda se agravava mais. É por isso que
não se deve fazê-lo”. Em Junho de 2001, o professor está estupefacto com a
ignorância económica de Guterres: “Como é que é possível que os assessores do
primeiro-ministro não lhe tenham explicado que este é um caso em que não há similitude
entre o comportamento correcto para as famílias e para o Estado?”.
O professor
catedrático sabe que o governo está a destruir o país, mas a maioria absoluta e
a bênção de Berlim paralisa-o. E, nesse livro, há um outro texto que ajuda a
explicar o actual silêncio de Cavaco – chama-se “Uma missão patriótica” e nele,
o então professor defende que só existem “dois grupos da nossa sociedade com
força e capacidade para persuadir o governo a mudar de comportamento: os
jornalistas e os empresários”. “Devemos todos apoiar os jornalistas e
empresários nesta missão patriótica de pressionar o governo para que passe a
governar. Neles está a esperança de todos os portugueses (...)”. Esqueçam
Belém: Cavaco não acredita na força do Presidente da República.
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