Paulo Gaião –
Expresso, opinião, em Blogues
A Procuradoria
Geral da República já se pronunciou num parecer precisamente sobre a questão do
pedido da polícia de gravações em bruto às televisões e sobre a cedência destas
por parte dos jornalistas. Foi em 1995, a pedido da Alta Autoridade para a
Comunicação Social.
Parece não haver
dúvidas. A Polícia não pode pedir directamente às estações televisivas os
brutos televisivos, abrangidos pelo sigilo profissional dos jornalistas.
Parece não haver
dúvidas. Os jornalistas da RTP (incluindo repórteres da imagem) que estiveram
envolvidos na cobertura da manifestação de 14 de Novembro à frente da Assembleia
Pública tinham de ser informados pelos seus directores para levantarem o sigilo
profissional em relação aos brutos televisivos pedidos pela polícia. Ora parece
certo que tal não aconteceu na RTP.
Parece não haver
dúvidas. Os directores de informação da RTP tinham o dever de garantir junto da
policia ou outras entidades externas o sigilo profissional dos jornalistas
envolvidos na mesma cobertura da manifestação. Ora, a avaliar pelo inquérito
interno da RTP, este dever não foi salvaguardado.
O parecer da PGR
foi suscitado em virtude de "certas entidades, nomeadamente o Ministério
Público, a Polícia Judiciária, o Provedor de Justiça e Comissões de Inquérito
da Assembleia da República", solicitarem ou determinarem "a
operadores televisivos que lhes forneçam gravações em bruto, isto é, cujo
conteúdo não foi tornado público, de factos e acontecimentos que tenham
realizado."
Sobre a Polícia
Judiciária (naturalmente extensível à PSP) refere-se no parecer:
"Tratando-se
de documentos ou objectos a apreender, para ficarem juntos ao processo - caso
das referidas "gravações embruto" -, deverão observar-se as regras
dos artigos 178º, nº 3, e 182º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos
das quais: as apreensões devem ser autorizadas por despacho da autoridade judiciária,
salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe
são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências
(artigo178º, nº 3); os jornalistas (e as empresas de comunicação social), como
as demais pessoas indicadas nos artigos 135º e 136º, devem apresentar à
autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer
objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem,
por escrito,segredo profissional ou segredo de Estado (artigo 182º, nº 1).
Destes normativos
resulta a impossibilidade de a Polícia Judiciária requerer directamente aos
jornalistas e respectivas estações televisivas a apresentação das referidas
"gravações em bruto", para serem apreendidas e juntas a processo,
devendo, antes, solicitar à autoridade judiciária competente que o faça, sempre
que julgado necessário à investigação em curso.
Ter-se-á presente,
de novo, o princípio atrás assente de que "onde há dever de sigilo não há
dever de cooperação com qualquer autoridade", salvo se existir disposição
- o que não é o caso - que, sobrepondo-se-lhe, afaste esse dever de sigilo. Daí
que, tratando-se ou julgando tratar-se de matéria sigilosa, podem (os
jornalistas) e devem (as respectivas empresas) invocar o carácter sigiloso do
material requisitado pela competente autoridade judiciária, recusando a sua
apresentação.
Nesse caso resta à
autoridade judiciária lançar mão do mecanismo, já descrito, previsto nos
artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2, do Código de Processo Penal. Sintetizando:
Não sendo a Polícia Judiciária uma autoridade judiciária - mas, sim,um órgão da
polícia criminal que actua sob a direcção e na dependência funcional da
autoridade judiciária competente -, deve aquela entidade, quando o considerar
necessário, solicitar à autoridade judiciária competente que ordene a apreensão
das referidas "gravações em bruto", (artigos 178º, nº 3, e 182º, nº
1, do Código de Processo Penal), desencadeando-se depois, se for caso disso, o
mecanismo já conhecido, dos artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2 deste diploma
legal."
As conclusões do
parecer são esclarecedoras:
"1. O direito
ao sigilo profissional dos jornalistas, incluindo na categoria de jornalistas
os operadores de televisão, destina-se, essencialmente, a garantir-lhes a
protecção das fontes de informação - artigos 38º, nº 2, alínea b), da CRP, 5º,
alínea c), e 8º, nº 1, da Lei nº 62/79, de 20 de Setembro, que aprovou o
Estatuto do Jornalista;
2 - O conceito de fonte de informação abrange não apenas as pessoas, como autores de declarações, opiniões e juízos, transmitidos ao jornalista, mas também os documentos e arquivos jornalísticos, em suporte escrito, de som e de imagem - artigo 7º, nº 3, alínea b), daquele Estatuto;
3 - Os jornalistas têm o direito e os directores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever de não revelar e exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79);
4 - Ressalvada a existência de norma que afaste a oponibilidade da colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias, o sigilo referido nas conclusões anteriores só pode ser quebrado por decisão do tribunal, na situação e nos precisos termos do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal;
5 - Antes de ser suscitada a quebra do sigilo, a autoridade judiciária, se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e, se concluir pela ilegitimidade, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento ou o fornecimento dos elementos probatórios;
6 - Fora dos casos especiais e da situação referidos nas conclusões anteriores, os magistrados do Ministério Público não dispõem de mecanismo legal que lhes permita quebrar ou requerer a quebra do referido sigilo;
2 - O conceito de fonte de informação abrange não apenas as pessoas, como autores de declarações, opiniões e juízos, transmitidos ao jornalista, mas também os documentos e arquivos jornalísticos, em suporte escrito, de som e de imagem - artigo 7º, nº 3, alínea b), daquele Estatuto;
3 - Os jornalistas têm o direito e os directores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever de não revelar e exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79);
4 - Ressalvada a existência de norma que afaste a oponibilidade da colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias, o sigilo referido nas conclusões anteriores só pode ser quebrado por decisão do tribunal, na situação e nos precisos termos do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal;
5 - Antes de ser suscitada a quebra do sigilo, a autoridade judiciária, se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e, se concluir pela ilegitimidade, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento ou o fornecimento dos elementos probatórios;
6 - Fora dos casos especiais e da situação referidos nas conclusões anteriores, os magistrados do Ministério Público não dispõem de mecanismo legal que lhes permita quebrar ou requerer a quebra do referido sigilo;
7 - A Polícia
Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, sob a
direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, pode
solicitar a esta, se necessário, a apreensão de objectos, nomeadamente
gravações em poder dos jornalistas e das respectivas empresas de comunicação
social, nos termos e para os fins dos artigos 178º e 182º do Código de Processo
Penal, lançando mão, se for caso disso, do mecanismo legal fixado nos artigos
135º nºs. 2 e 3, e 182º, nº 2 deste diploma legal;
8 - Face ao
disposto nos artigos 12º, nº 2, e 30º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, os
jornalistas podem e os directores e as empresas de comunicação social devem
invocar, se for caso disso, o sigilo referido nas conclusões anteriores
relativamente às solicitações do Provedor de Justiça;
9 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias - artigos 181º, nº 1, da CRP e 13º, nº 1, da Lei nº 5/93, de 1 de Março -, podendo, por isso, ordenar a prestação de depoimentos ou a apresentação de documentos, nos casos e termos dos artigos 135º, nº 2, e 182º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem assim suscitar a intervenção do Tribunal da Relação nos termos e para os fins do nº 3 do referido artigo 135º;
9 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias - artigos 181º, nº 1, da CRP e 13º, nº 1, da Lei nº 5/93, de 1 de Março -, podendo, por isso, ordenar a prestação de depoimentos ou a apresentação de documentos, nos casos e termos dos artigos 135º, nº 2, e 182º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem assim suscitar a intervenção do Tribunal da Relação nos termos e para os fins do nº 3 do referido artigo 135º;
10 - Não se
tratando de fontes de informação em que seja legítima a invocação do sigilo, os
jornalistas, os directores e as empresas de comunicação social devem prestar a
colaboração a que têm direito as autoridades referidas nas conclusões
anteriores, nomeadamente, fornecendo-lhes "gravações em bruto" que
tenham em seu poder."
Este parecer do
Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, votado por maioria,
pronunciou-se no âmbito das anteriores redacções do Estatuto do Jornalista e do
Código de Processo Penal. Mas as alterações feitas entretanto, mesmo as
relacionadas com medidas cautelares de prova, não parecem prejudicar as
conclusões do parecer.
Nota: ver parecer
no seguinte endereço: http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/cc7fef6da3b0120280256617004258c1?OpenDocument&Highlight=0,Pol%C3%ADcia,Judici%C3%A1ria
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