Daniel Oliveira –
Expresso, opinião, em Blogues
Às escondidas, o
governo está, mais uma vez, a negociar com representantes de instituições
internacionais o futuro deste País pelas próximas décadas. Nada mais, nada
menos do que a "reconfiguração do Estado Social" ou, como
eufemisticamente chamou Pedro Passos Coelho, a "refundação do
memorando". Marques Mendes deu com a língua nos dentes e levantou o véu: uma
poupança de 4 mil milhões anuais, quase tudo na educação, saúde e segurança
social. Quem conhece os valores das despesas do Estado percebe que não estamos
a falar de um ajuste, mas da destruição do Estado Social. A receita é simples: passar
as principais funções sociais do Estado para privados. Sabendo que Dias
Loureiro continua a ser um dos principais conselheiros deste governo, não
ficamos descansados quanto à seriedade do processo. Sabendo que António Borges
é o ministro sem pasta, não ficamos descansados quanto à sensibilidade social
com que isto será feito.
Sabemos bem o que
quer dizer esta "refundação": o fim do Estado Social para grande
parte da classe média e para os pobres. E um Estado Social mínimo e caritativo
para os indigentes. Dos anos 60 até ao final do século XX Portugal deu um salto
assombroso de que nos deveríamos orgulhar. O País que o nascimento do Estado
Social recebeu era este: grande parte da população sem direito a segurança
social e reformas; cinco milhões de portugueses sem cobertura médica; a
mortalidade infantil mais alta da Europa; vinte vezes mais analfabetos do que
licenciados. Miséria e ignorância, como sabem os mais velhos e deviam saber os
mais novos. Graças àquilo a que Pedro Passos Coelho, num artigo publicado em
Julho de 2010, considerou serem "políticas sociais demasiado
generosas", o País mudou. Mudou muito. Mudou radicalmente. E eu, como
português, orgulho-me disso.
É a esta mudança
que Passos Coelho e os fanáticos ideológicos que o acompanham sempre chamaram
de "gorduras do Estado". E quem leu o seu projeto de revisão
constitucional feito por Teixeira Pinto, que acabou por ser guardado para não
revelar demais dos verdadeiros objectivos dos então candidatos a governar o
País, não fica espantado com o que aí vem. E sabe que não se trata apenas de
uma resposta às nossas dificuldades financeiras. Trata-se de uma confissão e de
um pretexto. Confissão de que tudo o que fizeram até agora teve os efeitos
opostos aos que se diziam serem pretendidos. Um pretexto para aplicar a agenda
ideológica em que este governo realmente acredita.
Há uma alternativa:
uma renegociação profunda da dívida. Só os juros levam 9% da despesa. Cortar
uma parte disto chega e sobra para resolver o problema do défice. Mas é mais
fácil violar o contrato social com os portugueses. E, no meio, dar aos privados
o maravihoso negócio da saúde, da educação e da segurança social, negando à
maioria dos portugueses uma vida digna e a possibilidade de garantirem para si
e para os seus filhos a igualdade de oportunidades que a democracia lhes deve.
Não é admissível
que uma revolução social destas dimensões seja decidida em negociações
escondidas. É o nosso futuro, enquanto comunidade, que está em causa. É o salto
social que nos permitiu ser um País digno do primeiro mundo que está a ser
destruído. A Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde e o Estado Providência
são nossos. Não se vendem nas nossas costas.
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