Ana Dias Cordeiro - Público
Relatório do
secretário-geral da ONU traça quadro tenebroso do país. Tráfico de droga e
execuções sumárias aumentaram muito desde o golpe.
O retrato da
Guiné-Bissau, que o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon traça no seu último
relatório ao Conselho de Segurança, não deixa dúvidas: o tráfico de drogas
registou uma “forte intensificação” e a violência contra opositores e
activistas aumentou desde o golpe de Estado de 12 de Abril liderado pelo agora
Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general António
Indjai.
Um e outro são
crime e deviam ser punidos, bem como o desrespeito pela legalidade
constitucional, decorrente do golpe, considera Ban Ki-moon no documento
apresentado na semana passada, antes da discussão marcada para a próxima
terça-feira em Nova
Iorque. O relatório
de treze páginas pode ser consultado no site da ONU.
Nele, Ban Ki-moon
aponta duas datas marcantes. A primeira – o dia do golpe – a partir da qual o
tráfico de droga aumentou na Guiné-Bissau. E aumentou num contexto em que a
cumplicidade e “o apoio de membros das forças de defesa e segurança e das
elites políticas” estão a permitir que os grupos de criminalidade organizada
transitem agora mais facilmente pela Guiné-Bissau. “Centenas de quilos de
cocaína estarão assim a entrar clandestinamente em cada operação” e cada
operação terá lugar “uma ou duas vezes por semana sem nenhuma intervenção dos
poderes públicos”, refere o secretário-geral da ONU.
As informações de
que dispõe permitem-lhe ainda afirmar que “o modo operatório dos traficantes
consiste em encaminhar a droga para a Guiné-Bissau a bordo de pequenas
avionetas que aterram em lugares clandestinos ou navios atracados ao longo da
costa.”
Acções de militares
A segunda data é 21 de Outubro, dia de um ataque a uma base militar com vítimas mortais e que os críticos do regime viram como uma encenação para justificar uma perseguição de opositores. Desde então, a ONU registou um maior número de perseguições a vozes dissonantes do novo regime, com aumento das execuções sumárias, prisões e tortura. Pessoas pertencentes à etnia felupe, e que tinham sido acusadas do ataque, foram torturadas e algumas mortas, fazendo recear a ocorrência de “violências e fenómenos de dominação fundados em factores étnicos”, lê-se no relatório.
Ban Ki-moon
mostra-se “especialmente preocupado” com as “graves violações de direitos
humanos e actos de intimidação cometidos pelos militares” nos últimos meses. E
receia que “o direito à vida, à segurança pessoal e física, à integridade
física, propriedade privada e ao acesso à justiça bem como a liberdade de
reunião, de opinião e de informação continuem a ser violados”. Além disso, diz
o secretário-geral, "o país permanece paralisado" com
"consequências terríveis para a população".
Do lado de um
desejado processo para restabelecer a legalidade constitucional, segundo Ban
Ki-moon, não há nenhum avanço. Alguns episódios relatados no documento
sustentam uma situação contrária no país agora dirigido por um Governo de
transição reconhecido por países como o Senegal, Costa do Marfim ou Burkina
Faso, no quadro da posição assumida pela Comunidade Económica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO) face ao novo poder da Guiné-Bissau. Um dos exemplos
apontados é o facto de o procurador-geral da Guiné-Bissau, que entrou em
funções em Agosto, não abrir qualquer inquérito sobre os acontecimentos de 21
de Outubro e delegar essa responsabilidade nas chefias militares.
Ban Ki-moon inclui
na lista de “crimes graves” ocorridos na Guiné-Bissau, e que não podem ficar
impunes, os assassínios políticos do passado, as violências contra opositores
do presente, o desrespeito pela ordem constitucional e o tráfico de droga.
Quando, em Outubro, foi questionado pela revista Time sobre o alegado
envolvimento das chefias militares no crime organizado e tráfico de droga na
Guiné-Bissau, o general António Indjai, líder do golpe e actual CEMGFA,
respondeu: “Mostrem-me as provas disso.”
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