Rita Tavares – Jornal i
A longa carreira
política continua contra a própria palavra e não tem poupado ninguém. Nem o PS
Há oito anos, neste
mesmo dia, Mário Soares comemorava o 80.º aniversário com um discurso que fez
história (curta) ao declarar o fim da sua carreira. “Basta de política”, disse
então o ex-Presidente da República (por dois mandatos), ex-primeiro-ministro
(de três governos), ex-ministro, ex-eurodeputado, co--fundador do MUD Juvenil,
fundador do PS. Uma lista longa a que ainda acrescentou, já depois do famoso
“basta”, uma nova candidatura presidencial, em 2006. E a partir daí voltou, com
recados em artigos de opinião, declarações públicas ou manifestos. Sobretudo
nos dois últimos anos. Ataca a direita, mas também não poupa as posições
socialistas.
Hoje, Soares faz 88
anos e Vítor Ramalho, socialista e fiel conselheiro do ex- -chefe de Estado,
lembra a noite em que ouviu o “basta”. Ficou surpreendido, não estava à espera.
Dois anos depois, Soares recandidatou-se, pelo PS, à Presidência da República e
disse a Ramalho: “As pessoas não percebem, mas vão perceber que nos próximos
anos isto vai ser dramático e eu tenho de estar presente.” Não está, como
Presidente. Saiu derrotado nessas eleições. “Em democracia, ninguém sai
derrotado”, conta agora Vítor Ramalho que o ouviu dizer isto em resposta a uma
frase que lia num jornal sobre a sua derrota contra Cavaco. Mas a sua palavra
está presente e, nos últimos meses, quase diariamente. “Ele está profundamente
preocupado”, justifica Ramalho, que diz que o principal problema de Soares aos
88 é “a sua juventude”.
O mais recente
desafio do ex-Presidente foi lançado na semana passada: uma carta aberta em que
pede, preto no branco, a demissão do governo, caso as políticas não sejam
alteradas. E a carta deve ter seguimento na Assembleia da República (ver texto
ao lado).
Mas este é só mesmo
o capítulo mais recente da longa lista de intervenções agitadoras de Mário
Soares nos últimos meses, em que nem o actual líder socialista – com quem
mantém uma relação próxima – tem sido poupado. Basta ver que, anteontem, Soares
veio explicar que não avançou com a carta aberta sem antes falar com Seguro,
que não se opôs.
Foi só mais um
embaraço que criou à actual direcção socialista a somar a outros tantos, como
quando, em Abril deste ano, escreveu um artigo de opinião no “Diário de
Notícias” a dizer que os socialistas não deviam ratificar o Tratado Orçamental
Europeu. Na bancada socialista viviam-se dias difíceis de divisão quanto à
posição que o PS deveria tomar. O artigo do fundador do partido incendiou ainda
mais o debate, mas Seguro acabou por validar o tratado com uma abstenção.
Desalinha ainda do
secretário-geral do PS numa matéria de peso: Seguro quer chegar ao poder com
eleições. Mas, em Setembro, Soares falou num governo de salvação nacional caso
o Orçamento do Estado não fosse aprovado e na iminência de uma crise política.
A intenção era encavacar o Presidente da República, mas o PS também se agitou,
com Francisco Assis (que concorreu contra Seguro nas eleições internas) a
aproveitar para afirmar que “o cenário não pode ser excluído”. A posição actual
da direcção é conhecida: ir para o governo, só com eleições.
Romper
Mas o golpe
mais duro veio em Maio passado, quando o ex-Presidente deu uma entrevista ao i
em que disse com clareza que o PS devia romper com o Memorando. “Agora que está
toda a gente a falar outra linguagem, porque é que o PS deve continuar a ser
fiel ao acordo? (...) [O acordo] Pode ir ao ar. Se não for pelo PS, poderá ser
pela própria troika que vai ao ar”, disse então o socialista. A resposta da
direcção socialista foi “não”, com Carlos Zorrinho a dizer que “o PS cumpre
sempre com os seus compromissos”. Escusado será dizer que o cerco interno ao
líder socialista nesta matéria aperta ao ritmo a que apertam as medidas de
austeridade, ou seja, as palavras de Mário Soares estão longe de ser uma
posição isolada dentro do PS.
Mas nem só esta
direcção tem razões de queixa. José Sócrates ouviu Soares criticar o apoio à
candidatura presidencial de Manuel Alegre, em 2011, e pior do que isso: ouviu-o
dizer, à porta das legislativas, que Passos “é uma pessoa bem-intencionada com
quem se pode conversar”. Sócrates estava isolado na altura, de costas voltadas
com Passos. A ajuda externa estava a caminho, depois de uma “discussão
gravíssima” – que o ex-Presidente revelou recentemente – com Soares: “Queria
que ele pedisse o apoio e ele não queria.” Sócrates cedeu dias depois, mas
prefere recordar essa conversa com Soares como “uma memória doce”, de acordo
com fonte citada pelo “Público” – uma forma airosa usada pelos líderes do PS
quando se trata de fugir à crítica soarista.
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