Martinho Júnior,
Luanda
Os impactos da
globalização segundo o decisório do capitalismo neo liberal em África são
palpáveis, mas os especialistas têm muita dificuldade em, na profundidade, “avaliar
os estragos” no tempo e no espaço, em toda a sua intensidade e amplitude
antropológica, histórica, sociológica e efectivamente humana.
A dificuldade
torna-se maior quando se avaliam também as questões ambientais que se
inter-relacionam com as possibilidades da vida, até por que as ciências e
investigações relativas à natureza e sobretudo à água interior do continente
estão longe de cobrir o conhecimento satisfatório que possibilite a adopção de
melhores opções para com o homem e com ele para com o planeta…
Não há dúvida que o
“arco de crise” em África é de tal maneira tenso e crítico, que a matéria
extravasa para as esferas antropológica e ambiental como em nenhum outro
continente, até por que tudo isso acontece na maior parte dos casos longe dos
olhos dos “media de referência” e na prática “aproveitando” o
subdesenvolvimento crónico a que o continente tem sido votado historicamente,
com evidências de brutal neocolonialismo e de formas mais subtis de opressão e
exploração em apenas alguns casos, os casos excepcionais que ajudam a comprovar
a regra…
Escrevo “avaliar os
estragos” não por que esteja a ser conduzido a uma mera retórica de pessimismo
sobre o continente africano, mas por que objectivamente a crise do capitalismo
afecta África com facturas que põem em causa a lógica da vida como talvez em
nenhum outro continente (daí uma das razões de me colocar entre aqueles que
definem o seu pensamento por essa lógica antes de tudo o mais, por que o que
está em causa é já, pelo menos em África e numa dimensão “crónica”, a
sobrevivência).
Os terríveis
desgastes ambientais provocados por acção directa (e indirecta) do homem fazem
desaparecer as espécies (por via de vários “flagelos” atingindo também o homem)
e os intermináveis conflitos entre os homens que se lhes adicionam, vão
causando directa e indirectamente, milhões e milhões de mortos em África,
resultando o conjunto na “irreversibilidade” do subdesenvolvimento por via do
aumento exponencial da precariedade da vida!
Ao colocar-se na
cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, África assume o contraditório
entre ricos e pobres, mas também a impotência de sair dessa situação em
direcção a equilíbrios globais indispensáveis para o homem e para o planeta!
Quer no
desaparecimento das espécies, quer nas mortes humanas (a média de idade do homem
africano situa-se bastante abaixo do valor médio mundial), os números parecem
cada vez mais impossíveis de contabilizar e os seus efeitos em cadeia, em
redundância, impossíveis de equacionar!
A até há pouco
maior “arca de Noé” do planeta está, nos termos que antecederam a Revolução
Industrial, em termos de imensa biodiversidade, “em vias de extinção” e os
Parques Nacionais são, sobretudo na África Austral e do Leste, cada vez mais
vestígios residuais dum passado pré Vitoriano sob o ponto de vista dessa biodiversidade,
mas elitista e sobrevivente à Rainha Vitória, conforme ao génio “oxfordiano” de
Cecil John Rhodes e dos seus “fieis” seguidores de um século!...
A ciência e a
investigação, o conhecimento, está ao serviço daqueles que por via da
acumulação da riqueza são os herdeiros dos impérios coloniais britânico e
francês e o que os extractos humanos africanos recebem de benefício estão
condicionados, limitando-se o seu âmbito e impedindo de se poder avançar em
direcção a amplos contextos de equilíbrio humano e ambiental.
Imaginem o que se
passa (e não se passa) com o homem que habita o continente onde o choque
permanente se vem sucedendo desde o tempo do embrião do capitalismo global, do
tempo do “comércio triangular” que tinha na escravatura e no trabalho escravo
uma das componentes que atraía os interesses da burguesia nascente europeia a
África e às Américas!
A luta do homem
feito “marginal” que define o imenso e difuso proletariado africano é (ainda)
uma luta pela sobrevivência, que nunca alcançou a etapa da energia potenciadora
que a partir da consciência em si do proletariado, conforme àquele surgido com
a Revolução Industrial, assume a dialéctica no quadro da luta de classes!
A “democracia
representativa” ao não ser aprofundada absorvendo a vocação pela cidadania e a
participação, favorece o papel das elites e cristaliza o processo fazendo
aumentar as tensões, os conflitos e as guerras, que por seu turno impedem
encontrar soluções no quadro da luta contra o subdesenvolvimento !
Por essa razão se
tornam algumas elites originariamente vitorianas senhoras também da
biodiversidade possível neste início de século XXI: aquela que por causa ainda
do capitalismo é confinada por via do “eco-turismo” aos Parques Naturais,
incluindo os transfronteiriços que respondem ao “Peace Parks Foundation” na
África Austral… que vão servindo de exemplo aos Parques Naturais a outras
latitudes africanas…
Se não chegou a
esse patamar, acaso a sobrevivência desse imenso proletariado africano inibe as
potencialidades de luta em prol da lógica com sentido de vida, quando essa
lógica começa a ser tão premente para o planeta e acima de tudo para toda a
humanidade e quando a dialéctica inerente a este processo de globalização neoliberal e neocolonial impõe a esse proletariado as condições mais extremas em
termos de sobrevivência?!
O homem africano
está preso às ingerências e manipulações que chegam de fora, sem melhores
alternativas, por que o ciclo neocolonial se abateu efectivamente sobre o
continente, em alguns casos intimamente associado às heranças coloniais!
Por isso uma coisa
me parece certa para as elites post vitorianas que se têm encarregues das
potencialidades do “eco-turismo”: para que haja alguma vez capacidade
equilibrada de gestão para esta casa comum que dá pelo nome de Terra e nos
termos da vida tal qual ela é hoje conhecida, uma capacidade que respeite
planeta e humanidade, nada nem ninguém poderá levar de ânimo leve a existência
e as aspirações desse proletariado tão historicamente avassalado pelo
subdesenvolvimento, nem mesmo quando as únicas comunidades existentes no seu
espaço físico-geográfico de implantação e acção, são comunidades “residuais” que
animam os desertos!
Os poderosos, no
âmbito da Revolução Industrial e da contemporânea Revolução Tecnológica, ao fim
e ao cabo sempre procuraram “cultivar” em África os processos de lucro e
especulação que os levaram a agarrar-se ao continente, com o apenas
indispensável que para ele “transferem”, mesmo que beneficiem dos imensos
conhecimentos científicos e técnicos acumulados!
Em África tem-se
sobretudo desenvolvido o sector primário da economia e a implantação de
estruturas e infra estruturas resulta em função disso e dos estímulos que as
elites aplicam aos outros sectores em função desse sector primário, de forma circunscrita,
pontual, limitada!
Quanto, por exemplo
na África Austral, o eco-turismo não está a ser dimensionado pelas mesmas
elites que são detentoras dos projectos kimberlíticos dos diamantes, ou das
minas de ouro e urânio, bem como do seu aproveitamento tecnológico e do seu
comércio a nível global?
Por muito sedutoras
que essas experiências sejam, não passam logo à partida de meras miragens no
deserto, ou não fossem essas elites de cartel, um dos mais conseguidos “aríetes”
de penetração em África, a verdadeira “lança” típica do império que hoje se
move por vias das condutas económicas e financeiras e que vai inspirando, na
medida de sua própria crise, a emergência de outros!
As evidências de
neo colonialismo em África são cada vez mais enfáticas e uma grande parte das
elites africanas não passam de meros instrumentos dos interesses que são
estimulados a partir das opções assumidas pela aristocracia financeira mundial
e por tabela pelas oligarquias ou elementos decisórios dos “emergentes”!
Desse modo será extremamente
penoso ganhar capacidade de luta contra o subdesenvolvimento e enveredar-se por
um caminho de desenvolvimento efectivamente sustentável, capaz de renascimento
humano e garante de respeito para com o homem, a natureza e o planeta!
Martinho Júnior,
Luanda - 13/01/2013
A consultar:
- Memória da
escravatura e da sua abolição – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.pt/p/memoria-da-escravatura-e-da-sua-abolicao.html
- Um planeta à
beira do precipício – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/um-planeta-beira-do-precipicio.html
- Salvar a humanidade
já! – Martinho Júnior – http://pagina--um.blogspot.com/2011/02/salvar-humanidade-ja.html
- A lógica com
sentido de vida – I – Martinho Júnior – http://convencao2009.blogspot.com/2012/11/a-logica-com-sentido-da-vida-i-o-maior.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+blogspot%2FyqJas+%28Solid%C3%A1rios%29
- A lógica com
sentido de vida – II – Martinho Júniir – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/12/01/a-logica-com-sentido-da-vida-ii-angola-cuba/
- A lógica com
sentido de vida – III – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/12/a-logica-com-sentido-da-vida-iii.html
- A lógica com
sentido de vida – IV – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/12/clicar-para-ampliar-martinho.html
- A lógica com
sentido de vida – V – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/12/a-logica-com-sentido-da-vida-v.html
- Construamos uma
arca de Noé que nos salve a todos – Miguel d’Escoto – Martinho Júnior – http://pagina--um.blogspot.com/2010/08/construamos-uma-arca-de-noe.html
- A Terra é um ser
vivo – José Lutzemberger – http://www.anjodeluz.com.br/gaiaeviva.htm
- “La Tierra no
necesita de nosotros, nosotros necesitamos de la Tierra” – Leonardo Boff –
Alberto Mora – http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=ES&cod=45728;
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=101770
- Razões e
estratégias do ecossocialismo – Michael Lowy – http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo/
Gravura: Quadro de
Malangatana
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