Fr. Marcos
Sassatelli - de São Paulo – Correio do Brasil, opinião
Depois de 15
execuções de Moradoresde Rua – em quatro meses – na cidade de Goiânia e
depois da repercussão nacional que estas execuções tiveram na mídia, o Estado
de Goiás e a Prefeitura da capital resolveram tomar algumas medidas, que, na
realidade, são um paliativo e não abrem caminhos para uma solução estrutural do
problema. Só servem para dar uma satisfação à sociedade, numa tentativa de
“lavar a cara” do Estado e da Prefeitura.
Sobre a política do
Estado de Goiás “para” os Moradores de Rua (reparem: “para” e não
“com”), “o delegado Edilson de Brito, superintendente de Direitos Humanos da
Secretaria de Segurança Pública e Justiça (SSPJ), diz que o objetivo é unir
esforços para resolver o problema dos Moradores de Rua na capital. Todavia, ele
não convidou representantes da Pastoral dos Povos de Rua e da Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), que
criticam as medidas anunciadas” (O Popular, 27/12/12, p. 5). Ora,
superintendente, o senhor não acha que são justamente aqueles/as que criticam
que devem ser convidados em primeiro lugar? Se criticam, é porque têm algo a
contribuir.
A respeito da
política de assistência e de defesa social do Poder Público, Maria Madalena
Patrício de Almeida – Agente da Pastoral dos Povos de Rua (desde à época de Dom
Fernando Gomes dos Santos) e ligada ao Vicariato Oeste da Arquidiocese de
Goiânia – diz: “É uma ação tapa-buraco, emergencial e que não vai resolver
nada. Estão fazendo isso, agora, para dizer que estão fazendo alguma coisa. (…)
Não se chega à população de rua, dizendo que vai retirá-la de uma hora para
outra, porque é preciso confiança” (Ib.). E reafirma: “Para realizar um bom
trabalho, é necessário conquistar a confiança da população de rua, e isso não
se faz de um dia para outro” (Ib., 28/12/12, p. 9).
A chamada Operação
Salus – deflagrada pela Polícia Militar (PM) em conjunto com a Prefeitura de
Goiânia há um ano (10 de janeiro/12) – contava inicialmente com 71 policiais
militares, 20 agentes da Guarda Municipal e (reparem) 4 educadores sociais da
Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). Apesar de ter sido
realizada também em outros bairros da cidade – como no entorno da Igreja
Matriz, no Setor Campinas e do Terminal do Dergo, no Setor Aeroviário – a ação
integrada da Operação Salus deu-se principalmente na Região Central e serviu
para dispersar, quase sempre com violência, os Moradores de Rua e os usuários
de drogas (Cf. Ib., 10/01/13, p. 4).
Artur (nome
fictício), de 22 anos, diz: “Em um ano, nossa situação piorou muito”. “Agora,
pelo menos pararam de matar a gente. Só vamos ver até quando não vai surgir
outra vítima”. “Na verdade, tem repressão todo dia, mas só que à noite,
escondido, para ninguém ver” (Ib.). Não há – como diz Maria Madalena – uma
relação absoluta entre Moradores de Rua e criminalidade. “Existe, sim, o
problema das drogas, mas não pode ser uma desculpa para violentar a população
de rua. Quem banaliza a violência, promove a morte” (Ib.).
A Operação Salus
foi considerada ilegal pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pela Ordem dos
Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO).
Até o presente, em
relação aos Moradores de Rua, o Poder Público só soube usar violência, botar na
cadeia e, na melhor das hipóteses, oferecer internação. É por causa desse
desrespeito, que “o Fórum Goiano de Direitos Humanos vai propor, até a primeira
quinzena de janeiro/13, uma ação na Justiça, para responsabilizar o Estado e a
Prefeitura pelas 15 mortes de Moradores de Rua, em Goiânia” (Ib., 27/12/12, p.
5).
Quem sabe, embora
as execuções sejam irreparáveis, essa ação na Justiça leve o Poder Público a
mudar sua política (ou melhor, sua falta de política) a respeito dos Moradores
de Rua, que – segundo uma pesquisa feita por profissionais da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de Goiás – são mais de mil pessoas na capital.
A questão dos
Moradores de Rua deve ser uma prioridade do Poder Público. São os excluídos dos
excluídos. Não basta abrir 125 vagas em abrigos (Cf. Ib.) e instalar uma tenda
para “seduzir” os Moradores de Rua (Cf. Ib., 28/12/12, p. 9), mas é preciso tomar
medidas eficazes, a curto e longo prazo.
A curto prazo, em
caráter emergencial, o Poder Público, estadual e municipal, deve – como diz
Maria Madalena – criar um espaço para oferecer alimentação, dormitório e,
sobretudo, segurança aos Moradores de Rua, sem uso de álcool ou drogas, mas por
onde eles possam transitar com liberdade (Cf. Ib., 27/12/12, p. 5).
A longo prazo, o
Poder Púbico, estadual e municipal, deve formar uma equipe multiprofissional,
bem preparada do ponto de vista humano e técnico, e, gradativamente,
implementar uma política baseada numa pedagogia realmente libertadora, que leve
os Moradores de Rua a serem sujeitos de sua própria libertação e não meros
objetos da ação assistencial e/ou caritativa do Poder Público, das Igrejas e
das chamadas “pessoas de bem” de nossa sociedade excludente e hipócrita (que,
às vezes, fazem alguns atos de caridade – servindo de “tranquilizante de
consciência” – para encobrir a prática permanente da injustiça).
Para que essa
política seja realmente libertadora, deve ter como motivação fundamental o amor
aos Moradores de Rua. Eles e elas são pessoas humanas, são irmãos e irmãs
nossos.
Entre outros que
poderiam ser citados, lembro o testemunho de Maria Madalena. Mesmo sabendo que
ela, na sua modéstia, não quer que o faça, é muito importante destacar o
testemunho de Maria Madalena, que nos edifica e serve de incentivo para todos
nós. “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim
para colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa”
(Mt 5, 15).
Maria Madalena – sem
ter as condições materiais para realizar grandes obras e fazendo todo dia a
experiência de sua impotência diante dos gravíssimos problemas dos Moradores de
Rua – realiza o seu trabalho de pastoral social com muito amor (que é o mais
importante). Maria Madalena ama os Moradores de Rua, sabe o nome deles,
chama-os pelo nome, visita-os durante as longas noites, convive e conversa com
eles, escuta seus problemas, sofre com eles e, de algum modo, “morre” com eles.
Maria Madalena é amiga e irmã dos Moradores de Rua, é confidente deles, é amada
e respeitada por eles. Maria Madalena é – podemos dizer – “um anjo de Deus” no
meio dos Moradores de Rua.
Que todos e todas
nós sejamos solidários/as com os nossos irmãos e irmãs, Moradores de Rua,
partilhando sua vida com amor e lutando com eles por seus direitos.
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção – SP), Professor aposentado de Filosofia da UFG, E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 16 de
janeiro de 2013
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