Livro póstumo
descreve relações humanas durante guerra na Guiné e Cabo Verde
Cidade da Praia, 17
jan (Lusa) - O olhar da enfermeira cabo-verdiana Paula Fortes, combatente
durante a luta de libertação e o pós-independência de Cabo Verde é tema de um
livro a lançar a 26 deste mês pela Fundação Amílcar Cabral.
Em declarações à
agência Lusa, Corsino Tolentino, coordenador da obra de Paula Fortes, falecida
em junho de 2011 em Portugal, disse que "Minha Passagem" constitui
uma obra de "grande qualidade" pela "extraordinária
sensibilidade" com que a autora, que viveu nas trincheiras e hospitais de
campanha durante o conflito contra Portugal (1963/74), descreve o dia-a-dia das
relações humanas.
"Esteticamente,
é um livro muito bem escrito e trata o patriotismo e a libertação a partir da
cidadania, a partir da ação de uma enfermeira nas diferentes frentes de
combate, antes e depois da independência", explicou Tolentino, atual
presidente da Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde.
"Fala do papel
dos grupos que são menos mencionados nas obras sobre os movimentos da
libertação nacional, que se ocupam normalmente da organização política e
militar. Trata fundamentalmente da saúde, aspeto extremamente sensível em
qualquer guerra, que viveu internamente, da problemática da educação e também,
com uma sensibilidade extraordinária, das relações humanas. É uma espécie de
ensaio sobre a libertação e sobre as relações entre as pessoas",
sintetizou Tolentino.
Segundo o também
historiador, sociólogo e investigador cabo-verdiano, a obra que lhe foi
depositada nas mãos pela própria autora uma semana antes de falecer, constitui
um testemunho "diferente" sobre a luta de libertação nacional.
Paula Fortes,
enfermeira de profissão, esteve na década de 60 do século XX em Conacri, onde
então se situava a sede do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC), o movimento independentista cofundado por Amílcar Cabral.
Paula Fortes aderiu
à luta de libertação nacional ainda muito jovem, tendo desempenhado um papel
importante na formação dos alunos da Escola Piloto, em Conacri.
Após a
independência de Cabo Verde, foi um elemento ativo na luta pela emancipação da
mulher, ativista da condição feminina e fundadora e dirigente da Organização
das Mulheres de Cabo Verde (OMCV).
Paula Fortes foi,
na I República, a única mulher a assumir funções importantes no aparelho do
Estado, desempenhando o cargo de delegada do governo na ilha do Sal.
JSD //JMR.
Unidade Guiné/Cabo
Verde falhou e falta saber porquê -- PR cabo-verdiano
Cidade da Praia, 18
jan (Lusa) - O ideal da unidade Guiné/Cabo Verde, defendido por Amílcar Cabral,
"falhou objetiva e historicamente" ainda antes de 14 de novembro de
1980, faltando agora saber o porquê, disse à agência Lusa o Presidente
cabo-verdiano.
Numa entrevista à
Lusa, Jorge Carlos Fonseca lembrou que esses são os "dados objetivos"
da história da luta armada pelas independências (1963/74) e que, a par de haver
a necessidade de se saber quem de facto mandou matar Cabral (assassinado a 20
de janeiro de 1973 em Conacri), os historiadores e investigadores devem dar
resposta.
"Esse projeto,
esse ideal, esse programa, falhou, objetiva e historicamente, mais
concretamente desde o golpe de Estado guineense de 14 de novembro de 1980 (na
Guiné-Bissau, com o golpe de Estado de João Bernardo "Nino" Vieira
contra Luís Cabral). E o que fica na memória das pessoas são esses dados
objetivos", defendeu.
"Seria
interessante e saudável, do ponto de vista da História e das Ciências Sociais,
tentar perceber as razões do falhanço: se foi um falhanço à nascença, genético,
ou se houve um conjunto de condicionantes históricas, políticas e culturais que
favoreceram esse projeto (de unidade)", sustentou.
Sobre a morte de
Cabral, ainda envolta em mistério, Fonseca disse conhecer "várias
explicações", indicando, porém, que, por essa mesma razão,
"dificilmente se chegará a versões indiscutíveis".
"Haverá sempre
versões. Alguns dados são exatos, isto é, sobre os autores materiais do assassínio
(Inocêncio Kani, veterano da guerrilha do PAIGC e alguns companheiros). O que é
ainda discutível, não é seguro, será o móbil, os instigadores", salientou,
insistindo na mesma resposta sobre a quem interessava a morte de Cabral.
"Tem havido
várias versões e apenas se sabe que o autor material era guineense e ligado ao
PAIGC. Saber se os autores morais são uns ou outros, ou uns e outros, não me
atreveria a fazê-lo, sobretudo na pele de Presidente de Cabo Verde",
acrescentou, admitindo, em parte, a semelhança com Samora Machel, cujas
circunstâncias da morte, a 19 de outubro de 1986, estão igualmente por
esclarecer.
Sobre o homem,
Fonseca considerou que Cabral representa para a "esmagadora maioria"
dos cabo-verdianos "uma referência heroica e mítica" na independência
do país, lamentando a existência de poucos trabalhos sobre a vida e obra do
nacionalista.
"Cabral é
visto como o mentor e um dos principais obreiros da independência de Cabo
Verde, num contexto e quadro de luta que articulou os territórios da Guiné e de
Cabo Verde. Com o tempo, ficou sobretudo a referência mítica e heroica, já que
me parece que estudos sobre a obra, pensamento e percurso, estudos de cariz
científico e com objetividade histórica são infelizmente raros",
justificou.
"Mas a dimensão
revolucionária, heroica e mítica permanece no seio da grande maioria dos
cabo-verdianos. Permitiu ao país, ao longo de 37 anos, fazer o seu percurso
que, não sendo perfeito nem isento de reparos e de críticas, é saudável e
globalmente positivo", concluiu.
JSD // VM.
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