Joseba Gotzon foi
preso no Rio de Janeiro por delitos de natureza política. No Brasil, ele é
apenas um adulterador de documentos. De modo geral, é o mesmo caso de Cesare
Battisti, que teve seu pedido de extradição negado pelo STF e, agora, aqui vive
tranqüilamente como escritor.
Mauro Santayana –
Carta Maior, em Colunistas
É preciso saber
quais foram os trâmites oficiais para que a Espanha enviasse agentes seus ao
Brasil, a fim de obter a prisão do cidadão basco Joseba Gotzon, que vivia e
trabalhava no Brasil com identidade falsa. A notícia, divulgada em primeira mão
pelo jornal ABC, de Madri, é clara: a detenção havia sido feita por agentes da
Polícia Nacional da Espanha. Mais tarde, outras versões diziam que a detenção
fora realizada somente pela Polícia Federal.
Se assim foi, seria importante saber se essa colaboração entre a Polícia
Federal brasileira e a Policia Nacional da Espanha se faz mediante acordo
oficial, aprovado pelos parlamentos dos dois Estados, ou não.
Se não há acordo formal, negociado pelos respectivos ministérios de Relações
Exteriores, os policiais brasileiros envolvidos podem sofrer sanções
disciplinares. Nesse caso, a Polícia Federal não deve prestar serviço a
autoridades estrangeiras, nem a Policia Nacional da Espanha atuar no Brasil, se
é que agentes espanhóis participaram da operação, da forma divulgada pelo ABC
de Madri.
Joseba Gotzon (seu nome basco) cometeu um crime, que quase todos os fugitivos
cometem: o de falsidade ideológica, mediante adulteração de documentos. Por
isso, e só por isso, pode ser processado, julgado e, eventualmente, condenado
no Brasil. Quanto à sua suposta atuação na luta armada, considerada terrorista
pelo governo de Madri, ela não nos diz respeito como Estado.
Há, naturalmente, os brasileiros que são solidários com a luta pela
independência do País Basco, que levou milhares de seus cidadãos a
manifestar-se, há uma semana, nas ruas de Bilbao, exigindo a transferência dos
prisioneiros bascos dos presídios espanhóis e franceses para que cumpram a pena
em seu território histórico.
Como há, da mesma forma, os simpatizantes do franquismo que desejam a extinção
dos bascos. Ora, o povo basco parece ter sido o primeiro povo a sedimentar-se
na Europa, depois das grandes peregrinações, e a fixar-se exatamente onde
continua a viver, nos Pirineus, divididos pela fronteira estabelecida pelos
franceses e castelhanos, sucessores dos romanos e dos gauleses.
Joseba é acusado de tentativa de morte, por ter atacado policiais espanhóis,
que, mesmo feridos, sobreviveram. Esse crime deverá prescrever em uma semana,
de acordo com a informação de fontes espanholas. Trata-se, claramente, de um
delito de natureza política. No Brasil, Joseba é apenas um adulterador de
documentos, ato explicável em sua situação clandestina como foragido.
É o mesmo caso de Cesare Battisti, que, mesmo acusado de falsidade ideológica,
e de assassinatos políticos na Itália, não confirmados - desde que, se os
houvesse cometido, teria o dom da ubiqüidade, e disparar sua arma em duas
cidades ao mesmo tempo - teve seu pedido de extradição negado pelo STF e,
agora, aqui vive tranqüilamente como escritor.
Na realidade, o caso Gotzon se explica no contexto dos movimentos políticos
pela independência não só do País Basco, quanto da Catalunha, no processo que
deverá levar à federalização da Espanha, ou à sua balcanização política. Aos
dominadores históricos de Madri, bem como à direita de modo geral, é melhor a
luta armada, que lhes justifica a violência e a opressão cultural. Os catalães
e bascos (como amanhã deverão segui-los os asturianos, os galegos e os
andaluzes) resolveram concentrar-se na luta aberta e política pela
independência. Os bascos sabem que nenhuma luta armada consegue êxito se lhe
faltar o apoio político das massas.
ETA (Euzkadi Ta Azkatasuna, ou País Basco e Liberdade) decidiu baixar as armas.
Seu braço político, Herri Batasuna (Unidade do Povo), ratificou essa posição,
ao mesmo tempo em que reafirmava a escolha da ação política. É uma nova etapa
histórica, bem mais promissora do que a luta armada, de grupos clandestinos,
mesmo porque o povo já está impaciente com o comportamento escandaloso da
monarquia, que se reflete na corrupção e na incapacidade de seus atuais
governantes.
*Mauro Santayana é
colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na
Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou
nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82),
de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África
do Norte.
3 comentários:
mais um vagabundo que receberá abrigo do Brasil.
na terra da vagabundagem,um vagabundo a mais não faz diferença...
Muito bom. Excelente. No mesmo mês em que milhares de pessoas saíram às ruas para defender os preesos políticos do ETA, em Bilbao, na Espanha, não é possível que se prenda, sem acusação, e sem condenação, sequer na Espanha, um homem como Joseba Gotzon no Brasil. Ele está preso por falsidade ideológica, é réu primário, e vai sair em poucos dias. Essa é a lei, e deve ser obedecida. E ele não é vagabundo. É ump professor de idiomas´. E tem direito de viver no Brasil.
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