Em entrevista
exclusiva à Carta Maior, concedida em Londres, o chanceler argentino Héctor
Timerman agradeceu o apoio do Brasil à soberania argentina nas Malvinas e ao
diálogo entre a Argentina e o Reino Unido. Tratou ainda da intensa presença
militar britânica na América do Sul, especialmente naquelas ilhas, onde há um
soldado para cada 2,5 civis, e disse que a entrada da Venezuela no Mercosul
fortalece a região nas negociações com outras nações.
Marcelo Justo - Carta Maior
Londres - A julgar
pela forte presença de câmeras de televisão e meios impressos britânicos e
internacionais na coletiva de imprensa que Héctor Timerman concedeu na
embaixada argentina em Londres, o tema Malvinas está outra vez no centro da
atenção pública.
A “reunião que não aconteceu” entre Timerman e seu colega britânico William
Hague parece ter produzido mais repercussão do que todas as reuniões que
ocorrerem nos anos 90 entre o então chanceler Guido Di Tella e os sucessivos
ministros do Reino Unido no marco da política de aproximação e sedução do
governo de Carlos Menem.
A exigência de Hague de que todos os moradores das ilhas participassem da
reunião terminou com toda possibilidade de encontro e gerou uma forte polêmica
na imprensa britânica que, aliada a setores da imprensa argentina que fazem
oposição ao governo de Cristina Fernández de Kirchner, publicaram que o
chanceler Timerman havia se recusado a dialogar com o Reino Unido.
Em entrevista à Carta Maior, Timerman agradeceu a firme postura do chanceler
brasileiro Antonio Patriota, que, em sua coletiva de imprensa com William Hague
na segunda-feira (4), deixou claro seu apoio à posição argentina e se referiu à
crescente colaboração brasileiro-argentina frente à crise econômica mundial e à
importância de contar com a presença da Venezuela no Mercosul.
Carta Maior - É um paradoxo que sua “não reunião” com William Hague
tenha causado muito mais interesse do que muitos encontros que ocorreram entre
chanceleres em outras épocas. Vale mais a pena então esticar a corda?
Héctor Timerman - Nós queríamos deixar claro ao povo britânico que a
Argentina está interessada em dialogar. Há um conceito errôneo que estão
mostrando na Inglaterra de que o povo argentino não quer negociar, que é
intransigente. O povo argentino é intransigente em suas convicções, mas não em
sua forma de agir. Nós estamos de acordo com o diálogo. A presidenta Cristina
Fernández de Kirchner disse nas Nações Unidas que não queremos que nos deem
razão, queremos nos sentar, dialogar a resolver o conflito de forma pacífica. E
creio que conseguimos transmitir essa mensagem.
CM - Uma frase que ganhou muito destaque no Reino Unido foi quando
você disse em entrevistas ao The Guardian e ao The Independent que em menos de
20 anos a Argentina poderia recuperar a soberania sobre as ilhas. Pensando que
um conflito mais ou menos similar, que é o que o Reino Unido tem com a Espanha
pelo Estreito de Gibraltar, não foi resolvido em mais de 300 anos, não é um
pouco otimista demais pensar em 20 anos?
HT - Se a Grã Bretanha se sentar para negociar conosco não vai demorar 20
anos para um acordo: ele sairá muito antes. O tema é se a Grão Bretanha
reconhece ou não as resoluções da ONU e o direito internacional. Se não
reconhece vai demorar mais de 20 anos. Como não há nenhuma hipótese de conflito
bélico pode passar mais tempo. Você mencionou Gibraltar. Há mais conflitos
armados entre o Reino Unido e a Espanha por Gibraltar do que houve nas
Malvinas. Frequentemente há barcos da prefeitura espanhola que prendem barcos pesqueiros
ou protegem seus próprios pesqueiros. Nada disso ocorre nas Malvinas que é o
único enclave colonial que ainda existe na América do Sul. Eu parto da base de
que algum dia a Grã Bretanha vai reconhecer as Nações Unidas como um órgão
cujas resoluções devem ser respeitadas. Um dia vão incorporar plenamente as
Nações Unidas. Creio que a história joga a favor da Argentina.
CM - Na segunda-feira o chanceler brasileiro Antonio Patriota, em uma
conferência de imprensa conjunta com William Hague, foi muito claro quanto à
posição do Brasil e do resto do Mercosul, em apoio à soberania argentina e ao
diálogo entre a Argentina e o Reino Unido. Isso é particularmente importante
porque o Brasil é um país chave dentro dos objetivos do Reino Unido de
conquistar mercados fora da União Europeia.
HT - Admiramos e agradecemos profundamente esta posição firme do Brasil.
Estamos orgulhosos que os irmãos brasileiros nos deem este apoio contundente na
hora de falar com o governo inglês ou nas cúpulas governamentais. Esta é a
posição da América Latina em seu conjunto. De modo que a relação do Reino Unido
e da Europa com a América Latina vai estar, em certa medida, sempre
condicionada pelo tema das Malvinas. Trata-se de um tema regional que também é
global. Temos visto isso em cada uma de minhas viagens. Estive no Azerbaijão e
o presidente me comentou que estava olhando um programa de televisão que falava
das Malvinas e que prestou especial atenção pensando no encontro que teria
comigo.
CM - Quanto à militarização britânica, em que medida isso afeta a
Argentina e o resto da América do Sul?
HT - A América do Sul é uma zona de paz. A única força extra-regional com
uma presença militar importante é a da Grã Bretanha, que tem bases militares
desde Ascensão, entre a África e a América do Sul, na altura do Brasil, até as
Malvinas e a Antártica. A mais importante é a das Malvinas que tem um soldado
para cada 2,5 civis. Eles têm as mesmas armas usadas no Afeganistão e no
Iraque, negam-se a informar se os submarinos com capacidade para transportar
armas nucleares levam ou não tais armas, fazem disparos de mísseis sem informar
a Organização Marítima Internacional, como ocorreu em 2010. Na última reunião
há duas semanas em Montevidéu entre países africanos e sulamericanos foi
manifestado por escrito essa preocupação com o grau de militarização que não
condiz com o fato de que há nenhuma hipótese de conflito.
CM - Entrando mais no terreno econômico e na crise mundial, o Brasil,
a Argentina e o Mercosul em seu conjunto têm que adotar mais medidas para lidar
com ela?
HT - Sabemos que precisamos aprofundar essas medidas e estamos trabalhando
neste sentido. Houve uma cúpula em Brasília entre Cristina e Dilma e haverá
outra em Calafate no dia 7 de março para seguirmos falando desses temas. Há
turbulências da economia mundial que nos afetam e temos que trabalhar de
maneira conjunta para proteger nossas indústrias, mercados, força de trabalho e
exportações dos embates oriundos das crises econômicas da Europa e dos Estados
Unidos. Há consciência do tema e uma coordenação muito boa.
CM - A presença da Venezuela ajuda neste sentido?
HT - Totalmente, porque dá estrategicamente um peso ao Mercosul ao agregar
o fator energético. O Mercosul é alimentos, tecnologia, recursos naturais como
água, uma série de temas em que já éramos muito fortes. Se agregamos o petróleo
isso nos faz muito mais fortes na hora de negociar. Por isso havia muito
interesse por parte de potências extra-regionais para evitar a incorporação da
Venezuela. Com a Venezuela criamos uma unidade política e econômica que nos
permite negociar com qualquer grupo de países no mundo.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Sem comentários:
Enviar um comentário