Diário Liberdade - 29
Março 2013
Angola - Diário Liberdade -
O jornalista Greg Scruggs entrevistou Luaty Beirão para o Diário Liberdade.
Músico angolano crítico com o regime do seu país, em inúmeras ocasiões tem
denunciado sofrer repressão pelo seu ativismo político. Luaty, de nome
artístico 'Ikonoklasta', responde sobre as passadas eleições em Angola.
A 31 de agosto de
2012, angolanas e angolanos foram às urnas, teoricamente para escolher
presidente. O atual presidente José Eduardo dos Santos (MPLA) foi vencedor.
O jornalista Greg
Scruggs entrevistou Luaty Beirão para o Diário Liberdade. Músico angolano
crítico com o regime do seu país, em inúmeras ocasiões tem denunciado sofrer
repressão pelo seu ativismo político. Luaty, de nome artístico 'Ikonoklasta',
responde sobre as passadas eleições em Angola.
Greg Scruggs - A
União Africana declarou que as eleições foram "livres e justas."
Você concorda?
Luaty Beirão - Não.
De maneira nenhuma.
GS - Por que o
presidente ganhou com tantos votos -bem acima do partido de oposição?
LB - No meu
entender, o MPLA ganhou estas eleições da única maneira que sabe ganhar:
recorrendo à fraude! O MPLA está no poder desde 1975 e tem controle sobre todas
as estruturas de Estado e mesmo daquelas que devem por definição ser
independentes. A CNE, uma dessas estruturas e por sinal a responsável pela
organização e realização do processo eleitoral, esteve desde o início a revelar
o seu posicionamento parcial, favorecendo o partido no poder. Para citar apenas
um caso flagrante, a Presidente dessa Comissão, uma conhecida responsável do
braço feminino do MPLA, foi nomeada ao arrepio da lei. Depois de manifestações
exigindo a sua demissão, nomeada para ocupar aquele ca. De acordo com a
Constituição imposta pela maioria absoluta do MPLA, o presidente é eleito de
forma indireta, andando à reboque do partido. A explicação para os resultados é
única: Fraude!
GS - Como foram
manipuladas as eleições, na sua opinião?
LB - Desde o
início do processo que o MPLA, usando a CNE como capa, se desviou do espírito da
Lei Geral Sobre as Eleições, aprovada em Dezembro de 2011, sem que fosse
chamado à responsabilidade, de forma totalmente impune. Quando os partidos da
oposição denunciassem esses desvios, a CNE não só não os avaliava de forma
isenta, como acusava esses partidos de má-fé e anti-patriotismo. Houve uma
recolha anarquica de cartões eleitorais por todo o país meses antes das
eleições, não se obedeceram os prazos para publicação dos cadernos eleitorais
que permitiria aos eleitores reclamarem, não foram credenciados nem os
delegados de lista dos partidos da oposição nem os próprios formandos da CNE
até horas antes da eleições, os tempos de antena na televisão e rádio nacional
(estatais) eram atribuídos por excesso e de forma abusiva ao MPLA, entre
dezenas de outras arbitrariedades que se acumularam para facilitar a fraude. O
resultado? Uma taxa de abstenção que triplicou em relação as eleições de 2008
que para ser explicada terá de se entender a influência do MPLA em todos os
bairros, vilas, aldeias do país. A recolha de cartões foi feita em zonas
identificadas como sendo de influência da UNITA, principal partido da oposição.
Milhares de pessoas reclamaram furiosas por terem sido colocadas para votar em
zonas distantes das suas residências, até em províncias diferentes, distando
acima de 1500 Km das zonas de onde vivem. Isso não foi casualidade. Eu
pessoalmente trabalhei com um coletivo de pessoas numa plataforma de
monitoração eleitoral e recebemos centenas de telefonemas de eleitores
denunciando um sem número de irregularidades. Elas podem ser acompanhadas na
íntegra no site eleicoesangola2012.com
GS - Qual foi o
espírito geral do povo em relação às eleições? Acredita que uma democracia de
verdade está chegando ou que tem outros motivos para ter uma eleição assim agora?
LB - Eu não
posso falar em nome de todo o povo angolano, mas tendo em conta aqueles que
gravitam na nossa esfera, que acorreram à nossa plataforma para reclamar no dia
das eleições, que têm ligado para nós no programa que temos na rádio, fica-me a
impressão que os cidadãos estão profundamente magoados e insatisfeitos com as
trafulhices mal dissimuladas e sentem-se defraudados, pela terceira vez.
Democracia não será implementada por um governo que continua a ter maioria
absoluta no parlamento e com uma oposição de brincadeira como a que nós temos,
que não conseguem sequer ter ações consequentes e coerentes com os seus
discursos.
GS - Qual vai ser o
efeito da eleição sobre liberdade de expressão e de partidos políticos da
oposição na Angola? Como foram tratadas as pessoas críticas com o governo
depois dos resultados?
LB - A mudança
é irreversível e não depende nem das eleições, nem dos regimes fraudulentos que
deles emanam. A juventude despertou e não mais estará disposta a calar-se, por
mais que nos batam, que nos fraturem cabeças, que nos metam cocaína na bagagem,
que nos raptem, que nos assassinem. A democracia está a ser imposta por nós,
sociedade civil, e os governos irão ter de se vergar às vozes dissonantes
porque só com outro 27 de Maio (o genocídio perpretado pelo MPLA em 1977 que
aniquilou duas gerações de intelectuais angolanos) poderão ter um reinado
tranquilo.
Foto: Lusohiphop -
Luaty Beirão
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