Era sabido que a
oposição vinha se fortalecendo desde as eleições de outubro passado, e que seu
principal nome, Henrique Capriles, estava em curva ascendente desde que
derrotou Elías Jaua na disputa pelo governo do estado de Miranda em dezembro. Mas ninguém
esperava, com talvez a exceção do próprio Capriles, que ele chegaria tão perto.
Eric Nepomuceno - Carta Maior
Nicolás Maduro tem
uma lista formidável de formidáveis desafios pela frente. Nessa lista, uma
única novidade: enfrentar uma oposição que, no embalo de metade dos votos do
país, poderá criar problemas. Era sabido que a oposição vinha se fortalecendo
desde as eleições de outubro passado, e que seu principal nome, Henrique
Capriles, estava em curva ascendente desde que derrotou Elías Jaua na disputa
pelo governo do estado de Miranda em dezembro.
É bem verdade que nessas eleições estaduais os candidatos bolivarianos levaram
20 dos 23 estados. Mas era evidente que a oposição, embora derrotada, havia
crescido. Mesmo perdendo estados importantes, no cômputo geral havia crescido.
Esperava-se que esse apoio se mantivesse e, eventualmente, aumentasse nas
eleições presidenciais do domingo dia 14. Mas não havia, pelo menos até duas
semanas antes, como sequer supor que a disputa terminasse sendo dura.
Ninguém esperava, com talvez a exceção do próprio Capriles, é que ele chegaria
tão perto. Escorado em quase 50% do eleitorado, Capriles começou seu papel de
principal figura da oposição batendo duro e forte. Tourear esse bezerro
impetuoso passou a integrar a lista de desafios do presidente eleito.
Há outros, muitos outros, desafios. A maioria deles é bastante evidente. Há de
todos os tipos, calibres e calendários. Alguns terão de ser enfrentados de
imediato, outros podem esperar o tempo suficiente para que sejam traçadas
estratégias seguras. E há os que durante os tempos de Hugo Chávez no comando do
processo tiveram determinado peso e foram neutralizados de determinadas
maneiras, e que agora exigirão de Nicolás Maduro esforços multiplicados.
As relações com os Estados Unidos, por exemplo, foram turbulentas durante o
tempo inteiro. Chávez soube enfrentá-las com diversas armas, que iam da ironia
a medidas de defesa fechada. Para os que acham que as críticas persistentes do
falecido líder aos Estados Unidos e suas denúncias de ingerência eram trejeitos
de quem havia parado no tempo ou necessitava de algum inimigo externo para
amortecer sacolejos internos, vale recordar alguns detalhes.
Por exemplo: em 2006, o então embaixador norte-americano na Venezuela, William
Brownfield, foi o responsável local por levar adiante um minucioso plano de
cinco pontos cujo objetivo declarado era desestabilizar o governo de Hugo
Chávez. O instrumento através do qual o plano foi posto em prática é a Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – a sigla em inglês,
USAID, é uma velha conhecida dos latino-americanos. E se é verdade que o plano
até agora não deu muito certo, também é verdade que continua em pauta.
O primeiro ponto do plano soa inocente: “Fortalecer as instituições
democráticas”. Já no segundo as coisas começam a se tornar mais claras:
“Penetrar na base política de Chávez”. Ou seja, por ‘instituições democráticas’
entenda-se a oposição. O ponto número três é absolutamente explícito: “Dividir
o chavismo”. O quarto tem o som natural de sempre – “Proteger os negócios
vitais dos Estados Unidos” – desde que se entenda por ‘negócios vitais’ tanto o
petróleo venezuelano como os interesses das grandes empresas. Chega-se, então,
ao quinto ponto: “Isolar Chávez internacionalmente”.
Esse plano, convém recordar, foi feito e determinado quatro anos depois que
todos os seus pontos foram reunidos num golpe de Estado que chegou a afastar
Chávez do poder por escassas 48 horas. Enquanto durou a ilusão de sucesso,
George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, reconheceu o fugaz governo
golpista. Outro que fez tudo que seu mestre mandou foi o então
primeiro-ministro espanhol, o malfadado José María Aznar. Além dos dois,
ninguém mais.
Naquele 2006 em que foi feito o tal plano de cinco pontos, ninguém, em Caracas
e em Washington, duvidava que, nas urnas, Hugo Chávez seria imbatível. Para
derrotá-lo era preciso corroê-lo. Milhões de dólares foram destinados por
Washington a ‘ações humanitárias’, ou seja, sabotar ou bloquear parte dos
programas sociais que o processo bolivariano levava (e leva) a cabo.
Bem: o tempo passou, mas o cenário não mudou, e se mudou, foi para se tornar
mais preocupante. Nicolas Maduro, é claro, sabe de cor esse e muitos outros
planos especialmente desenhados para serem postos em prática contra seu país e
seu governo.
Se com Chávez fizeram o que fizeram, é fácil imaginar o que farão ou o que já
estarão fazendo contra o novo presidente.
Ao denunciar fraude e, com o ar decidido de quem defende a democracia, exigir
recontagem dos votos e incitar manifestações nas ruas, Henrique Capriles faz
mais do que pôr em jogo o espaço que conquistou nas urnas e não sabe se
conseguirá manter. Põe em jogo a própria estabilidade do país.
Ao dizer que os Estados Unidos veriam com bons olhos a recontagem de votos, o
governo de Barack Obama faz mais do que se imiscuir de maneira arrogante nos
assuntos internos de outro país: deixa escancarada a sua hipocrisia, fingindo
esquecer como foi a reeleição de seu nefasto antecessor, George W. Bush.
Como se não bastassem os problemas que enfrentará, a começar pelo vazio imenso
deixado por Hugo Chávez, Nicolás Maduro terá de lidar com esse tipo de pressão
interna e externa. E o mais grave: tendo pela frente uma oposição que conseguiu
48,98% dos votos. Tendo de reagrupar um país dividido ao meio.
Texto corrigido em 16/04/2013
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