O cerco e a pressão
do exterior foram sensivelmente suavizados pelo apoio contundente dos
presidentes da Unasul a Nicolás Maduro, inclusive do olombiano Juan Manuel
Santos. Claro que Washington continuará fustigando, claro que a Espanha
continuará seguindo seus passos. Mas os problemas estão mesmo concentrados é
dentro da Venezuela. Por Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno - Carta Maior
A ação rápida da
Unasul, com Cristina Kirchner e Dilma Rousseff conduzindo o jogo, surtiu
efeito. E até mesmo o colombiano Juan Manuel Santos acabou contribuindo, na
medida em que, junto com Dilma Rousseff, ajudou a convencer Nicolás Maduro a
aceitar uma recontagem de 46% dos votos (os outros 54% já haviam sido
auditados, de acordo com o que estabelece a legislação venezuelana).
O resultado dessa dupla ação já se fez sentir: o derrotado Henrique Capriles
sossegou um pouco sua fúria, deixou de incitar manifestações nas ruas, e a
Venezuela enfim começa a encarar o inevitável: o vazio deixado pela morte de
Hugo Chávez é irreversível. E é assim que os venezuelanos terão de construir
seu futuro.
Cheia de valentia pela metade dos votos conseguidos nas urnas, a oposição está
disposta a não dar sossego, mas bem menos furibunda que num primeiro instante
que se seguiu às eleições. Nicolás Maduro terá, muito mais cedo que tarde, de
adotar medidas impopulares, com todo o risco que isso significa em tempos de
turbulência.
Passada a tensão dos primeiros momentos, os militares parecem ter encontrado a
acomodação necessária para dar a Maduro o apoio necessário, sem se exceder.
Diosdado Cabello, presidente da Assembléia Nacional, militar influente, deixou
claro que não se deve mexer em onça com vara curta: “Ele era o muro de
contenção dessas idéias loucas que temos de vez em quanto”, vociferou em reação
a Chávez quando a oposição estava no auge de seu frívolo e arriscado
assanhamento. Surtiu efeito. E, ao mesmo tempo, sossegou a ala mais radical do
chavismo, incomodada com a aparente falta de rumo de Maduro, sua falta de
liderança e com a facilidade com que a oposição atuava nas ruas.
O rio que ameaçava transbordar parece ter voltado ao seu leito. E é no meio
dessa tensa calma – a calma que costuma anteceder os temporais – que o país se
prepara para o longo dia-a-dia que tem pela frente. E o que tem pela frente é
complicado.
O risco de que a inflação escape do controle é evidente, e é muito alto.
Fala-se em risco de recessão. Há problemas de abastecimento de alimentos e de
vários outros produtos, que vão se reposição de peças para automóveis a eletrodomésticos.
O país importa 70% dos alimentos que consome. Há uma crise indisfarçável no
setor de energia elétrica. Apesar das exportações de petróleo, há falta de
dólares, e a iniciativa privada se ressente disso. Além do mais, sob a cômoda
desculpa de falta de segurança jurídica, os investimentos mínguam cada vez
mais. É muito mais lucrativo especular do que investir e esperar pelos
resultados, que costumam demorar.
Nesse maremoto da economia Nicolás Maduro terá de agir de maneira rápida e
contundente. E depende, basicamente, do apoio das Forças Armadas e de sua
capacidade de evitar manifestações populares multitudinárias.
Já desde os tempos de Hugo Chávez as Forças Armadas funcionavam como uma
espécie de árbitro no equilíbrio de forças que disputavam espaço e poder no
bolivarianismo. Acontece que Chávez estava vivo e, além disso, era militar –
para não mencionar seu formidável apoio popular.
Na Venezuela herdada por Maduro, as Forças Armadas controlam, além, é claro, de
todo o esquema de inteligência e segurança, as missões sociais, esteio de parte
importantíssima do apoio popular, várias instituições estatais, parte central
do sistema de abastecimento, e têm influência determinante em empresas
estatais. Como se tudo isso fosse pouco, são militares os governadores de doze
dos 23 estados venezuelanos, da mesma forma que são militares destacados
dirigentes do próprio Partido Socialista Unido da Venezuela, o PSUV.
Até agora, e principalmente a partir do fracassado golpe de 2002, as Forças
Armadas têm atuado de maneira coesa e rigorosa em defesa da revolução
bolivariana. Para que o processo iniciado por Chávez seja levado adiante, é
essencial que continuem assim. Se ganharem força própria os movimentos, dentro
do próprio chavismo, que criticam o novo presidente pela sua falta de
liderança, o caldo pode entornar de maneira extremamente perigosa.
De momento, tudo parece bem encaminhado. O cerco e a pressão do exterior foram
sensivelmente suavizados pelo apoio contundente da Unasul. Claro que Washington
continuará fustigando, claro que a Espanha continuará seguindo seus passos. Mas
os problemas estão mesmo concentrados é dentro da Venezuela.
Dentro de um país dividido, tendo de conviver com um vazio sem precedentes na
história contemporânea dos venezuelanos: o vazio deixado pelo comandante de um
processo peculiar, complexo, que devolveu dignidade aos marginalizados de
sempre, que mudou a cara não apenas da Venezuela, mas também do seu povo.
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