"Cinco séculos
depois, autonomeado que fui escrivão dos povos originários, escrevo na primeira
pessoal do plural para informar-lhe que nós, 600 índios de 73 etnias,
transportados por ônibus, desembarcamos na Câmara dos Deputados, em 16 de abril
de 2013 e 'descobrimos' Brasília, uma terra em que se mamando, tudo dá. Não
recebemos, porém, tratamento festivo, embora buscássemos contato pacífico com a
tribo local dos deputados, formada exclusivamente por caciques que não caçam,
não pescam, não plantam, mas comem em excesso. Glutões, seus hábitos
alimentares e sua ociosidade fazem com que acumulem gordura no abdômen. São
gordos, roliços e enxundiosos, com barriga flácida e proeminente. Apesar do
intenso calor, cobrem suas vergonhas com tecidos quase sempre escuros, usam
tira de pano apertada no pescoço e escondem o chulé dentro de mini-canoa de
couro, uma em cada pé. Eles acham que tal aparência lhes dá
respeitabilidade." - 20/04/2013
José Ribamar Bessa
Freire, do Blog
Taqui Pra Ti – Brasil de Fato
À Dilma Rousseff,
presidenta da República
Senhora,
Posto que os
caciques e outros dos nossos não encontraram Vossa Excelência no Palácio do
Planalto quando ali foram pessoalmente dar-lhe notícia do achamento desta terra
nova, não deixarei eu de contar-lhe como melhor puder, ainda que para o bem
contar e falar seja eu o pior de todos indicado. Tome, porém, minha ignorância
por boa vontade e creia por certo que, para aformosear ou afear, não escreverei
aqui mais do que aquilo que me pareceu e o que vi nos telejornais, na mídia e
nas redes sociais.
Senhora, há cinco
séculos, o escrivão da frota Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei de Portugal,
D. Manuel, o Venturoso, noticiou que portugueses, navegando em caravelas,
"descobriram" o Brasil em 22 de abril de 1500. "Foram recebidos
com muito prazer e festa" pelos habitantes locais, "muitos deles
dançando e folgando, uns diante dos outros".
Cinco séculos
depois, autonomeado que fui escrivão dos povos originários, escrevo na primeira
pessoal do plural para informar-lheque nós, 600 índios de 73 etnias,
transportados por ônibus, desembarcamos na Câmara dos Deputados, em 16 de abril
de 2013 e "descobrimos" Brasília, uma terra em que se mamando, tudo
dá. Não recebemos, porém, tratamento festivo, embora buscássemos contato
pacífico com a tribo local dos deputados, formada exclusivamente por caciques
que não caçam, não pescam, não plantam, mas comem em excesso. Glutões, seus
hábitos alimentares e sua ociosidade fazem com que acumulem gordura no abdômen.
São gordos, roliços e enxundiosos, com barriga flácida e proeminente. Apesar do
intenso calor, cobrem suas vergonhas com tecidos quase sempre escuros, usam
tira de pano apertada no pescoço e escondem o chulé dentro de mini-canoa de
couro, uma em cada pé.
Brado retumbante
Eles acham que tal
aparência lhes dá respeitabilidade. Têm a cabeça raspada até por cima das
orelhas. Quem não é careca usa nos cabelos tintura castanho-avermelhada de
acaju ou tinta preta como as penas do jacamim, o que lhes dá um brilho metálico
e, aos nossos olhos, uma aparência decrépita. Acontece que um deles, Francisco
Escórcio Lima (PMDB/MA vixe, vixe) registrou nossa chegada não como
"descobrimento", mas como "invasão". As imagens da TV
Câmara gravaram seu brado retumbante:
- Os índios estão
ali forçando para invadir o plenário. É uma situação em que todo mundo está com
medo – gritava da tribuna, ofegante, Chiquinho Escórcio, pálido, encagaçado, se
borrando todo, semeando o pânico. E olhe, Senhora, que a situação devia estar
mesmo periquitomena, pois Chiquinho Escórcio, um empresário de 65 anos, ex-PFL
e ex-PP (vixe²), é um parlamentar aguerrido que não foge do pau. Ele está
acostumado, no pequeno expediente, a fazer discursos eloquentes sobre temas de
transcendental importância para os destinos do país, conforme as atas da
Câmara, que registram tudo com palavras desenhadas no papel, já que aqueles
oradores têm o pensamento cheio de esquecimento.
Consultamos o
penúltimo discurso (27/04/2013), quando Chiquinho demonstrou coragem desassombrada
e usou sua convincente oratória para anunciar ao Brasil e quiçá ao mundo a
presença naquele momento, no plenário, da prefeita do município de Chapadinha
(MA), Ducilene Belezinha.
Mas não ficou aí.
Foi muito mais longe. O site da Câmara reproduz discurso anterior (05/11/2012)
no qual, sem medo à represália, Chiquinho demonstra insatisfação com o
desempenho do Vasco da Gama no Campeonato Brasileiro de Futebol. Copiamos da
página dele no site da Câmara um breve trecho da sua fala esclarecedora e patriótica:
"O SR.
FRANCISCO ESCÓRCIO (PMDB-MA. Sem revisão do orador): – O que está havendo com o
nosso Vasco da Gama, Deputado Onofre? Nós temos que ajeitar isso. Não é
possível! Temos que chamar Roberto Dinamite aqui e perguntar: "Roberto, o
que está acontecendo?" Depois que lhe fizemos aquela homenagem toda, o
Vasco da Gama caiu pelas tabelas. Vamos dar uma ajeitada naquele time, porque é
o time de coração de quase todos nós que somos brasileiros".
Senhora, juramos
que não estamos a inventar, queremos ver nossa mãe mortinha no inferno se
mentimos. Nem sabemos quem é Onofre, nem Ducilene Belezinha no jogo do bicho.
Sabemos que torcedores invejosos do Flamengo são incapazes de avaliar a
relevância de tal discurso, assim como não dimensionam o valor de outra peça de
oratória de Chiquinho em homenagem ao Dia do Dentista (22/10/2012). A retórica
dele mataria de inveja o padre Antônio Vieira.
Vale a pena pagar
um salário de deputado ao Chiquinho, um puta orador, cujo verbo inflamado está
a serviço das grandes causas. São discursos históricos que deveriam ser
impressos em cartilhas e ensinados nas escolas. Por isso, Chiquinho está cheio
de comendas: medalhas da Câmara Municipal de Chapadinha, da Ordem dos Timbiras
e do Mérito Sarney "for important services rendered to the Brazilian
people", conforme anunciou o The Chapadinha Times, que destaca a
contribuição por ele dada ao conceito de heroicidade.
Se gritar pega
deputado
Quando nós, índios,
entramos no plenário, o discurso de Chiquinho provocou debandada geral, corre-corre,
fuga em massa, como quando os apaches, nos filmes americanos, atacam a
cavalaria. Bastou gritar "pega deputado", não ficou um, meu irmão!
Foi um Deus-nos-acuda, um pega-pra-capar, um barata-voa, que não foi sequer
dificultado pela pança untuosa e obscena dos fugitivos. As imagens da TV Câmara
correram mundo e nos foram enviadas por uma amiga equatoriana lá de Quito,
sugerindo que escrevêssemos esta carta.
Nós, índios, que
descobrimos Brasília, desarmados, portando apenas maracás, queríamos tão somente
solicitar ao presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB/RN, vixe vixe) a não
instalação da comissão que pretende travar, no Congresso, a demarcação das
terras indígenas através da proposta de emenda constitucional. Temos
consciência de que não podemos disputar com temas de vital importância como a
crise do Vasco da Gama ou o desfile heróico da Ducilene Belezinha.
No entanto, como
não existe nenhum índio deputado, nós fomos lá exercer democraticamente um
direito de pressão. Com um cocar azul, uma das nossas, Sônia Guajajara,
exigiu a revogação da proposta de emenda constitucional:
- Nós, povos
indígenas, não vamos permitir que uma minoria da sociedade brasileira – esses
ruralistas e grandes empresários – seja maior do que nossos territórios. Vamos
lutar até o fim" – disse Sônia.
Com o auxílio de um
tradutor, Raoni Metuktire, líder caiapó, soltou o verbo:
- Nunca vou aceitar
desmatamento nas terras indígena, nunca vou aceitar a construção de usina na
área indígena, nunca vou aceitar mineração dentro de nossas terras".
Obtivemos êxito
momentâneo: a medida foi suspensa por seis meses. Resta perguntar: de quem
fugiam os deputados?
- Na correria,
alguns parlamentares tinham mais medo de suas consciências do que dos
manifestantes "armados" com penas e maracás – escreveu a nossa
ex-senadora Marina Silva, que presenciou as "cenas cômicas e tristes"
e a reação à "invasão" indígena. Depois que os trabalhos foram
suspensos, o deputado Alberto Lupion (DEM/PR – vixe²), agropecuarista e
empresário, denunciou à TV Câmara:
- Nunca vi um
desrespeito à democracia como vi hoje.
Embora tenha 61
anos, o deputado Lupion parece não ter visto o golpe militar de 1964, nem
tomado conhecimento das torturas e assassinatos cometidos durante vinte anos no
Brasil. Fundador e presidente da UDR no Paraná, em 1987, condecorado pelas
Polícias Militares de vários estados como Alagoas, Rio de Janeiro e Brasília,
Lupion, ele considera como legítimo o lobby do agronegócio, mas considera
"desrespeito à democracia" pressões pacíficas de índios e
trabalhadores rurais. Ignora que – a frase não é nossa – "todos
brasileiros têm sangue índio. Os pobres, nas veias; os ricos, nas mãos".
Senhora, posto que
a Certidão de Nascimento do Brasil, que foi a carta de Caminha,
termina solicitando a transferência do genro do autor da Ilha de São Tomé,
queremos reafirmar esse lado sarney do caráter nacional. Assim, comunicamos que
um sobrinho nosso conhecido pela alcunha de Pão Molhado trabalha como analista
do Seguro Social na Agência da Previdência Social de Maués (AM). O filho dele,
de três aninhos, o Biscoitinho Molhado, vive em Manaus, longe do pai, de cuja
atenção carece. Peço, portanto, a V. Exa., que desloque o Pão Molhado para
Manaus.
E se alonguei essa
carta, me perdoe, porque o desejo que tinha de vos dizer tudo, me fez por assim
pelo miúdo. Embora o Governo Dilma tenha sido implacável com nós, índios,
engavetando processos de demarcação para agradar a bancada ruralista, beijamos
as mãos de Vossa Excelência na esperança de que elas assinem documentos que
garantam o usufruto de nossas terras como manda a Constituição. Do contrário,
advertimos que já descobrimos Brasília e o Palácio do Planalto. O referido é
verdade e dou fé. Assinado: Taquiprati Vais No Caminho, autonomeado escrivão
dos índios.
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