Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Sei pouco sobre o novo
secretário-geral da UGT. Sei, entre outras coisas, que o porta-voz oficioso do
governo, Luís Marques Mendes, dedicou-se, no sábado, a fazer-lhe ataques
violentos na SIC, enquanto deixava um desprestigiante elogio a João
Proença. Dizia um dos três ex-líderes-comentadores do PSD na televisão, entre
outros ataques menos elegantes, que a força da UGT é a de negociar. Se se
dedica à luta de rua deixa de cumprir o seu papel.
Esta análise sobre
o papel dos sindicatos, vinda quase sempre de quem nunca os apreciou, parte de
uma visão estranha da própria ideia de negociação. Negociar é confrontar
objetivos diferentes para chegar a algum lado. Para dessa negociação surgir um
resultado justo e equilibrado é preciso que as várias partes tenham poder
negocial. O do governo sabe-se qual é: ter o poder de fazer as leis e definir
as políticas. O das associações patronais também: o poder sobre aqueles que
contrata e as empresas. O dos sindicatos é apenas o de terem ao seu alcance as
formas de luta que a lei lhes garante. E para isso têm, quando é necessário, de
os usar. Lutar sem querer negociar é um grito de alma. Negociar sem querer
lutar é anunciar a desistência logo à partida.
O papel da UGT,
pelo menos desde que é dirigida por João Proença, limitou-se a ser o de assinar
qualquer acordo que lhe fosse posto à frente. A preocupação com o equilíbrio
dos acordos firmados e com o seu real cumprimento foi nula. Para Proença,
assinar um acordo, por pior que fosse, tornou-se, por si só, em sinal de
vitória. Isto foi especialmente evidente no último acordo assinado, que até
quem anda distante dos pontos de vista dos sindicatos considerou dificilmente
aceitável por qualquer central sindical. Como se isto não bastasse, a UGT
recebeu como agradecimento de Passos Coelho e Vítor Gaspar, um olímpico
desprezo. Sem que esse desrespeito tivesse qualquer efeito na sua postura.
A relação umbilical
da CGTP com o PCP é um problema grave para a credibilidade dos sindicatos
portugueses. Mas vale a pena recordar que a UGT, tendo sido criada de cima para
baixo nas sedes do PS e do PSD, sofre do mesmíssimo pecado, com efeitos
agravados pela sua muitíssimo menor implantação social. O comportamento de
Proença nos últimos anos retirou à UGT o já pouco poder social (e por isso
negocial) que tinha. Proença, com a sua subserviência à mesa de negociações,
limitou-se a transformar a UGT numa triste irrelevância. E isso é péssimo para
os sindicatos e dá às correntes mais sectárias da CGTP o argumento ideal para
ficarem sozinhas na defesa dos direitos dos trabalhadores. E é péssimo para o
seu peso negocial. Quanto mais irrelevante, piores serão para quem representa
os acordos que assinará.
O pouco que sei
sobre Carlos Silva e os compromissos que deixou no Congresso -
alterar a sua postura de subserviência ao governo e a vontade de trabalhar com
uma convergência com a CGTP -, permite-me ter esperança que, num momento em que
todos os direitos dos trabalhadores e todas as funções sociais do Estado são
postas em causa, haja da parte desta central sindical uma posição um pouco
mais firme (mesmo que não resistindo a convidar Álvaro Santos Pereira para
a abertura do Congresso, naquela velha confusão entre Estado e sociedade civil
que herdámos do regime corporativista).
Que Marques Mendes
ache a partida de Proença e a chegada de Carlos Silva uma tragédia para o
movimento sindical só reforça o meu otimismo. Ter uma CGTP amarrada a
deliberações partidárias e a UGT anestesiada pela vontade de fazer o papel de
bem comportada serve bem a agenda de Marques Mendes. Mas não serve os
sindicatos e aqueles que eles devem representar. Se a UGT portuguesa passar a
ter um papel semelhante ao da UGT espanhola talvez a CGTP passe a ser um pouco
mais parecida com as Comisiones Obreras. E talvez passe a ser um pouco mais habitual
vermos, como vemos por toda a Europa, as duas centrais sindicais a, com as suas
diferenças, remarem para o mesmo lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário