Depois do escândalo
sexual que custou o posto ao ex-diretor gerente do Fundo Monetário
Internacional, Dominique Strauss-Khan, a atual responsável pelo organismo, a
ex-ministra francesa da economia Christine Lagarde, compareceu duas vezes à
Corte de Justiça da República para prestar esclarecimentos num caso em que está
envolvida, junto ao empresário Bernard Tapie. O Ministério Público acusa
Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento público e malversação de
recursos públicos”. Por Eduardo Febbro, de Paris.
Eduardo Febbro - Carta Maior
Paris - O FMI
tem projeções nefastas, e não só sobre as economias que pretende sanear a
golpes de cortes no gasto público. Seus últimos diretores gerentes conheceram
uma série de episódios judiciais de ressonância mundial. Depois dos enredos
sexuais que custaram o posto ao ex-diretor gerente do FMI, o francês Dominique
Strauss-Khan, a atual responsável pelo organismo multilateral, a ex-ministra
francesa da economia Christine Lagarde, compareceu duas vezes à Corte de
Justiça da República (CJR) para prestar esclarecimentos num caso em que está
envolvida, junto ao multifacetário e poli condenado empresário Bernard Tapie.
Como havia adiantado a imprensa francesa, Christine Lagarde saiu das audiências
como “testemunha assistida”.
O Ministério Público acusa Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento
público e malversação de recursos públicos” e, segundo o Le Monde, hoje existem
“evidências consistentes” de sua plena responsabilidade no caso. A Corte de
Justiça da República é a jurisdição que, na França, encarrega-se de julgar os
membros do governo pelas infrações cometidas no desempenho de suas funções.
As infrações imputadas à diretora gerente do Fundo Monetário Internacional
remontam aos anos em que era ministra da economia do governo conservador do
ex-presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012). Nesse período, Lagarde teve de
intervir num caso que opunha o empresário Bernard Tapie e o banco público
Crédit Lyonnais. O episódio terminou a favor de Tapie, com um valor de causa de
403 milhões de euros. De fato, toda a história é uma trama de ladrões de alto
voo.
Bernard Tapie comprou a multinacional Adidas nos anos 90 e depois a vendeu,
através do banco Crédit Lyonnais, que se encarregou de encontrar um comprador e
de realizar a transação. No entanto, uma vez feita a venda, Tapie descobriu que
o haviam enganado, que na realidade foi o mesmo banco que, através de uma
estrutura offshore, comprou a empresa para depois revende-las por um preço
maior. Aí começou a batalha judicial de Tapie contra a instituição bancária.
A pilha de papeis caiu nas mãos do Consórcio de Realização, uma entidade
encarregada de liquidar os passivos do Crédito Lyonnais. Em 2007, Lagarde
ordenou que o conflito fosse resolvido por meio de uma arbitragem privada e não
através da justiça comum. Para isso, designou-se um “corpo arbitral” e se
nomeou três pessoas principais. Em 2008, os árbitros deram a razão ao
empresário e o Estado teve de pagar os 403 milhões de dólares. A oposição
socialista denunciou as condições da arbitragem, trouxe provas das irregularidades
da decisão, mas Christine Lagarde permaneceu sem apresentar recursos.
A Corte de Justiça da República quer saber por que motivo Lagarde não recorreu
de uma decisão que custou ao Estado 400 milhões de euros, cobrados por Bernard
Tapie. Em agosto de 2011, a
Corte abriu uma investigação contra Christine Lagarde, por “cumplicidade na
malversação de recursos públicos”. A CJR também aguarda a resposta da
ex-ministra para o fato de ela ter preferido uma arbitragem privada, quando os
recursos públicos estavam em jogo e, também, de ter feito ouvidos moucos diante
da evidente parcialidade de alguns dos árbitros. O caso se ampliou no ano
passado, quando a justiça levou a cabo uma série de buscas nos escritórios e
residências de vários colaboradores próximos a Nicolas Sarkozy.
Bernard Tapie declarou à imprensa francesa que a “sorte judicial de Christine
Lagarde” não o “interessa, em absoluto”. Se o processo contra a diretora
gerente do FMI seguir o seu curso e ela for formalmente responsabilizada,
Lagarde pode ser condenada a 5 anos de cadeira e a pagar 150 mil euros de
multa. Até agora o FMI a apoiou plenamente. O porta-voz do Fundo, Gerry Rice,
declarou que “mantém a sua confiança na capacidade da diretora gerente para
exercer suas responsabilidades de uma maneira efetiva”. O encarregado de
imprensa também recordou que a imunidade diplomática de Lagarde tinha sido
suspensa a pedido da própria diretora.
Em Paris, o governo foi claro. Seu porta-voz, Najat Vallaud Belkacem, declarou
que cabia ao FMI tomar uma decisão, mas que no atual governo não seria possível
que uma pessoa condenada permanecesse no cargo. As evidencias de sua
parcialidade são tais que a maioria dos meios de comunicação dão por certo a
condenação da ex-ministra de Sarkozy. O FMI carrega uma série sombria de
diretores atingidos por escândalos. Em 2011, Dominique Strauss-Khan teve de se
demitir, depois que uma faxineira do hotel Sofitel de Nova York o acusou de
agressão sexual. Foi encarcerado primeiro e liberado depois, mas a justiça não
o condenou. O caso se encerrou a portas fechadas, entre advogados, mediante o
pagamento, por Strauss-Khan, de uma importante indenização. Seu predecessor,
Rodrigo Rato, o ex-ministro espanhol da economia, dos governos conservadores de
José María Aznar (1996-2004) deixou a chefatura em 2007, dois anos depois de
ter assumido seu cargo. Não foi a justiça que o pegou, mas algo pior: a crise
das subprimes.
Nos dois anos à frente do FMI, Rato e sua equipe não viram os sinais da crise
que se aproximava. Em 2010, Rodrigo Rato foi nomeado diretor do Bankia.
Renunciou ao posto em 2012, quando o organismo financeiro estava na mais
absoluta bancarrota. Dominique Strauss-Kahn substituiu a Rato, e tampouco
terminou o seu mandato: este prestigiado economista francês e cabeça pensante
do Partido Socialista francês foi decapitado, pessoal e politicamente, pelo
escândalo Sofitel e pelos demais assuntos de teor sexual que se descobriu
depois.
Em julho de 2011, Christine Lagarde foi escolhida a primeira mulher a dirigir o
FMI. Sua eleição apontava para um outro estilo e uma outra cara do organismo de
polícia mundial dos cortes e da austeridade. Mudou o rosto mas não a política.
Lagarde formava parte da famosa e famigerada Troika, composta por FMI, Banco
Central Europeu e Comissão Europeia, que impôs a Grécia, a Espanha e a Portugal
a mesma receita de privatizações que soube impor na América Latina e na Ásia.
Desde que o FMI foi criado, em 1944, na conferência de Bretton Woods, nos
Estados Unidos, o Ocidente repartiu a torta do poder: desde então, todos os
diretores gerentes foram europeus, enquanto que os de seu gêmeo financeiro, o
Banco Mundial, sempre foram estadunidenses. Em breve as justiças nacionais
encarregar-se-ão de mudar a ordem de uma partição de poderes que já carece de
sentido. A força dos escândalos, da ineficiência planetária e dos processos
judiciais pode agora romper a hegemonia ocidental dessas duas instituições.
Tradução: Katarina Peixoto
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