Eduardo Oliveira
Silva – Jornal i, opinião
Ao princípio da
noite de hoje Passos Coelho vai anunciar as medidas de corte na despesa a
aplicar até 2016. O enunciado deve ser genérico e trabalhado para não gerar um
excesso de stresse ao cidadão comum, deixando-o até com sábias dúvidas sobre o
que se quis dizer neste ou naquele ponto, seja pela habitual incompetência
técnica seja por matreirice politica.
Em concreto, esperam-se cortes nas pensões, despedimentos ou negociações de
saída na função pública. Como é bom de ver, não se esperam medidas criminais
contra quem urdiu as PPP, quem planeou um sistema de saúde que transfere para
privados milhares de milhões ou quem sugeriu ou subscreveu swaps no valor de 3
mil milhões, ou seja, meio BPN.
A intervenção de Passos Coelho deve também passar ao lado das medidas que o
Orçamento Rectificativo deste ano vai ter de integrar para tornear os vetos do
Tribunal Constitucional.
Espera-se, portanto, que o chefe do governo pormenorize alguns aspectos do mais
recente PEC que teve de engolir. Há neste PEC uma diferença relativamente aos
anteriores: o nome. Passou a chamar-se Documento de Estratégia Orçamental.
Quanto à sua substância é igual, pois agrava a austeridade, somando mais à que
já existe e criando condições para a tempestade social perfeita, com
consequências imprevisíveis, se porventura os portugueses deixarem de ser o
povo moldado por Salazar e voltarem ao temperamento da República inicial.
Uma leitura mesmo não exaustiva deste documento permite com facilidade detectar
um conjunto de dados que são totalmente impossíveis de concretizar.
E como se não bastasse a base de cálculo errada (deve ser o tal excel do
professor Rogoff), é altamente improvável que esteja correcta noutros campos.
Atente-se em dois casos. As reformas aos 65 anos acrescidas do factor de sustentabilidade
podem de facto ter o efeito contraproducente de agravar o desemprego. A
degradação do Serviço Nacional de Saúde que está em curso pode ter efeitos
negativos na esperança de vida. Bastaria isso e lá iriam as contas de Gaspar.
Só que esse, entretanto, já estará sentado algures numa cadeira do BCE ao lado
de Constâncio, um génio da supervisão bancária.
Há outra contradição insanável no plano, porque contraria os objectivos de
crescimento que Santos Pereira tenta desgraçadamente proclamar.
Para recuperar, Portugal tem de facto de conseguir mais rendimento disponível
para estimular o consumo interno, porque apostar nas exportações numa Europa em
recessão é pura e simplesmente uma utopia. Quanto aos mercados mais longínquos,
como os de Angola e da América Latina, são de facto viáveis, mas é preciso que
as empresas obtenham garantias de pagamento atempado.
Como se vê, todos os indícios apontam para a manutenção da rota errada. Há dias
Manuela Arcanjo pôs o dedo na ferida como ninguém. Foi na RTP, onde acusou
Vítor Gaspar de não ter coragem, porque se a tivesse teria começado por atacar
os grandes interesses e a despesa que eles impuseram. Tem toda a razão. A Vítor
Gaspar faltou peito para os lóbis mas sobra-lhe para os indefesos. E agora
conduz-nos para o precipício de mão dada com Passos Coelho e com Portas a
reboque.
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